José Luiz de Almeida Silva
diretor da Gazeta das Caldas
Aproxima-se rapidamente o centenário da Gazeta das Caldas e esta edição comemora o 96º aniversário da sua fundação a 1 de outubro de 1925. O jornal atravessou vagamente a 1ª República, tendo assistido ao golpe de Estado de 1926, mantendo inicialmente uma calculada independência, apesar de não ter percebido que a ditadura e a instauração do regime da censura lhe iriam transformar o seu projeto inicial.
Depois, comungou as mesmas ideias do regime corporativo de Oliveira Salazar a partir dos anos 1930, com direções que se identificavam diretamente com a linha do regime, apesar de uma certa independência no que tocava aos interesses locais e regionais, não se coibindo de manter conflitos semiencobertos com as autoridades leirienses – Governo Civil e Serviços de Censura – que levou mesmo à saída do presidente da Câmara imposto pela capital do distrito no início dos anos 1960, com a nomeação de uma figura conhecida localmente.
No 25 de Abril de 1974 o jornal protagonizou no seu interior um conflito da alteração radical do regime, que se transferiu igualmente para a sua linha editorial com alguns solavancos. Mas a partir de finais de 1974 foi conseguida erigir uma linha editorial independente e coerente, à margem das pressões partidárias, que permitiu construir um projeto com credibilidade nacional, tendo novos protagonismos em temas mais atuais e, por vezes, antes de serem de consenso mais generalizado, como a questão ambiental e do nuclear.
Curioso recordar que aquando da Revolução de Abril o jornal estava a comemorar o seu 50º aniversário e dentro de quatro anos, comemorará o seu centenário, tendo acompanhado de forma coerente e sem tibieza, o maior período de regime democrático e republicano português.
Percorrendo as páginas da Gazeta ao longo da sua vida percebe-se que o jornal esteve quase sempre ao lado das grandes questões que permitiram vincar a importância das Caldas da Rainha como centro urbano de referencia a nível nacional, como em vários casos, foi a própria Gazeta e os seus colaboradores que tomaram a iniciativa que se estenderam à sociedade local e regional.
Recordamos, por exemplo, que no seu segundo ano de vida, no número em 1927 dedicado ao 15 de Maio, é a Gazeta das Caldas que lança o desafio para que os caldenses homenageiem a rainha Fundadora D. Leonor com uma estátua a erigir numa praça central.
Nessa edição, em texto da responsabilidade da direção do jornal, dizia-se: “Impõem-se-nos, porém o dever de, neste soleníssimo dia, saudarmos todo o povo da região, pedindo-lhe que nas suas preces de cristãos envolvam a memoria da benemérita Fundadora desta linda e atraente vila e que todos num futuro próximo se saibam compenetrar do dever que teem de concorrer com o seu óbulo material para o Grande Monumento a erigir-lhe, cuja subscrição a “Gazeta” anunciará e iniciará num dos seus próximos números”.
Nesse mesmo editorial dizia-se com grande emoção da vila Caldas da Rainha: “Terra creada e predestinada para o Bem; continua as suas tradições honrosas de hospitalidade e de ternura; abraça num amplexo afectivo todo o paiz, e engrinalda-se de satisfação ao receber, com a merecida galhardia, os que de todos os seus pontos vêm buscar às Águas da Rainha o bálsamo suavíssimo das suas lágrimas que derramou sinceras pela pobreza de Portugal.”
Ficamo-nos por esta iniciativa que ainda hoje é marcante na nossa cidade, demonstrando que a Gazeta das Caldas, independentemente das pessoas e das correntes ideológicas, foi um arauto do querer da cidade e do concelho, como da região, situação reforçada no quase último século de uma forma inequívoca e demonstrativa de uma coerência que não é contestável.
Os próximos quatro anos vão ser decisivos para a Gazeta das Caldas, como para Caldas da Rainha, quando estamos todos empenhado num desígnio que se alarga a Portugal, à Europa e ao Mundo, de construir um futuro mais consentâneo com os desafios mais marcantes, como a Paz e a Solidariedade Internacional, a luta contra as alterações climáticas, a procura na Sociedade Global de formas de governação que respeitem os direitos de todos, incluindo daqueles que são discriminados com base no sexo ou na sua orientação, na etnia, na cor, ou nas maiores ou menores competências intelectuais ou culturais que tenham.
Sabemos, por conhecimento próprio e do que se passa no mundo, que nestes próximos anos é também a viabilidade e sustentabilidade da imprensa escrita que está em causa, ou seja, que teremos de encontrar entre os leitores, assinantes, anunciantes, como das entidades que regulam as políticas de cada região, país e de comunidades de países mais alargadas, a força e o empenho para enfrentar os próximos tempos.
Adivinham-se mais dificuldades, mas como já vivemos os 96 anos anteriores, também manifestamos o nosso empenho para enfrentar positivamente o futuro que se abre à frente de nós. ■
Nestes 96 anos, a Gazeta das Caldas, foi um arauto do querer da cidade e do concelho, como da região