A ESAD está a assinalar o seu 30º aniversário num ano ensombrado pela pandemia que não permite celebrar com as actividades que estavam previstas. João Santos, que voltará a recandidatar-se à direcção, falou sobre este ano lectivo, marcado pela abertura de mestrado, na área da Saúde e Bem Estar

Gazeta das Caldas (GC): Como pensa que vai decorrer o arranque da actividade lectiva que acontece na próxima segunda-feira?
João Santos (JS): Abrimos para os cursos de continuidade na próxima segunda-feira, 21 de Setembro, e a 12 de Outubro para os primeiros anos dos vários cursos. Vamos precisar de mais espaço, pois foi necessário retirar metade das cadeiras das salas de aula. Em relação às aulas, as turmas serão divididas em grupos e há possibilidade de ter aulas teóricas on-line. Queremos poder acolher todos os alunos, todas as semanas. Teremos que respeitar todas as regras e teremos que ser todos responsáveis por todos. A responsabilidade pela vizinhança é muito importante, assim como cuidar uns dos outros, sem cair em fundamentalismos de controlo e de policiamento, pois ninguém quer isso. A nossa comunidade escolar ronda as duas mil pessoas – onde se incluem, em média, 1650 alunos por ano, 140 professores e 40 funcionários. Precisamos de novos espaços e contamos com o apoio da autarquia. Vamos ocupar o rés-do-chão da espaço Molda, na antiga Fábrica Bordalo Pinheiro onde irão funcionar a licenciatura de Programação Cultural e o mestrado em Gestão Cultural. Haverá também aulas de Artes Plásticas num Pavilhão na Zona Industrial e também na escola do Parque onde vão decorrer as aulas do mestrado de Design Gráfico. Neste edifício há um espaço entre as duas salas que vai servir par acolher actividades que serão abertas à comunidade como exposições e conferências que serão organizadas pelos vários cursos da escola.

GC: Quais são as alterações que serão feitas na escola, tendo em conta as novas circunstâncias?
JS: Na escola vamos alterar várias áreas que vão mudar de funções, pois pretende-se ganhar mais espaços lectivos. Há zonas que serão alteradas e vão dar lugar a salas amplas para poder receber alunos de vários cursos. Toda a gente terá que cumprir as normas impostas pela DGS. Em relação aos edifícios da ESAD a estratégia passa por “mexer” o menos possível no edifício principal, mantendo apenas as necessárias obras de conservação e manutenção. Há uns anos foi resolvido o problema que tínhamos com as janelas e ganhámos conforto térmico. Continuamos a aguardar a classificação do edifício como Património Arquitectónico pela Direção-Geral do Património Cultural. O edifício 2 da ESAD, onde funciona o curso de Teatro, terá que ser intervencionado, pois tem problemas de infiltrações que é preciso solucionar.

GC: A pandemia prejudicou a celebração do 30º aniversário da ESAD. Que actividades foram adiadas e o que está previsto realizar?
JS: Tivemos de cancelar o programa de visitas a instituições internacionais que iriam decorrer entre os meses de Fevereiro e de Abril. A iniciativa resultaria num encontro internacional que estava previsto para Novembro, nas Caldas da Rainha. A iniciativa, relacionada com o ensino artístico e do design, serviria para confrontar modelos de escolas que tenham sido também fontes de inspiração para o que é a ESAD actualmente. Gostaríamos que os parceiros nos ajudassem a reflectir no que poderia vir a ser o ensino das artes nos próximos 30 anos.

GC: Muito terá ficado na gaveta…
JS: Estava planeada uma grande exposição retrospectiva, um livro com reflexões sobre os 30 anos que surgiria em complemento a essa conferência internacional. Estava previsto um outro livro, sobre o papel da ESAD como escola de ensino artístico que não está num grande centro urbano. E é uma visão um pouco desalinhada, no bom sentido, já que esta escola está desde cedo ligada à experimentação e que é muito mais aberta a sectores fora da Academia. O nosso corpo docente é constituído por profissionais que exercem funções como artistas, designers, historiadores, portanto em relação com o mundo das artes e do trabalho. Essas experiências profissionais acabam por ter bons reflexos na forma de ensino.

GC: Como é o relacionamento da escola com a cidade, com a região e com o país?
JS: Temos hoje uma região mais alargada por força desta candidatura à Capital Europeia da Cultura – rede que foi criada para a candidatura de Leiria Capital da Cultura 2027. De qualquer modo estamos mais ligados aos concelhos das Caldas, de Óbidos, Alcobaça e Peniche. Há uma grande cumplicidade e amizade com as Caldas, com quem temos trabalhado para que o relacionamento se solidifique. Estamos mais próximos de várias instituições, como a Câmara Municipal e Uniões de Freguesias e vamos mantendo ligações a projectos como com os Silos já que temos vários alunos que ficam a trabalhar naquele espaço. As Caldas tem um grande potencial e houve aqui dois factores que se conjugaram: o aumento do preço das rendas em Lisboa e o stress do confinamento. Há muita gente a “fugir” de Lisboa e a instalar-se nos concelhos das Caldas e de Óbidos. Todos os anos recebemos alunos estrangeiros e o IPL também se encontra a liderar um projecto de universidade europeia com seis parceiros internacionais e um nacional (Instituto Politécnico do Cávado e do Ave). São aspectos que tornam a região atractiva e que chamam a atenção para as Caldas da Rainha.

GC: E a ligação ao tecido empresarial?
JS: Ao nível dos estágios trabalhamos com cerca de 50 empresas de todo o país mas a sua maioria situa-se no Oeste: nas Caldas, Óbidos, Alcobaça e Leiria. Depois temos outras em Lisboa, Torres Vedras, Minho Algarve, Porto, Aveiro e Bragança. Os alunos finalistas dos vários cursos estão presentes em empresas e entidades nacionais – desde o CCB, Fundação Gulbenkian ou MAAT -, regionais ou locais. Orgulhamo-nos também de estar a formar profissionais qualificados que ajudam os municípios a ficar dotados na área cultural. Contribuímos, assim, para a descentralização das artes e da cultura. A escola trabalha também em parceria com a AIRO, Nerlei, Associação de Cutelarias, Teatro da Rainha e também com a Câmara Municipal de Óbidos e com o Parque Tecnológico. Com o concelho vizinho estamos a trabalhar em conjunto num projecto de formação ligado às áreas digitais e que envolve, por exemplo, o curso de Sound Design para Jogos e cujas aulas vão decorrer em Óbidos. As Caldas e a zona de Óbidos têm sido capazes de captar artistas das áreas performativas e das artes plásticas atrair novos projectos com quem estabelecemos cooperações com a Associação Osso e o projecto CAO que vai surgir em Cortém.

GC: Quantos mestrados tem a ESAD, agora, em funcionamento? Vai arrancar o novo mestrado em Design de Saúde e Bem Estar?
JS: Neste momento a escola tem cinco mestrados a funcionar e vamos abrir o mestrado em Saúde e Bem Estar com o dobro dos candidatos que tínhamos inicialmente previstos, por causa da pandemia. Este último obteve reconhecimento da autarquia (voto de louvor), o que significa que a cidade reconhece a sua importância. Era algo que estava no plano desta direcção e entendemos que é uma boa opção.Esperamos agora que seja um sucesso e espero que possa contar com candidatos com formações diversas e que criem novas funções, produtos e ideias para esta área, pois são precisas. Vamos também aderir a um rede internacional de escolas de arte – a ELIA – que envolve cerca de 50 escolas e que se foca na investigação.

GC: Nestes 30 anos há vários marcos na história da própria escola. Quais são para si alguns dos momentos mais importantes?
JS: Há vários, mas talvez o início da própria escola nos armazéns da Matel, pois foi aí que se criou um espírito-escola. Soma-se a abertura do novo edifício e a luta da associação de estudantes, que foram um marco de activismo e que poderia voltar, colocando mais e melhores desafios à própria ESAD. A celebração dos 20 anos da escola foi marcante com uma grande exposição de artes plásticas, assim como as pioneiras exposições de artes plásticas que marcaram a abertura dos Silos. Iniciativas como o Caldas Late Night – que ainda hoje marca a vida da cidade – é uma actividade com muito potencial ainda para desenvolver e é da exclusiva responsabilidade dos estudantes.
Somam-se ainda o festival Ofélia e mais recentemente, o Impulso. A criação dos mestrados e os prémios ganhos pelos alunos são igualmente importantes. Além do impacto positivo para quem os recebe, trazem boa publicidade para a ESAD. As comemorações dos 30 anos estão fragilizadas pela pandemia mas vamos ter que criar um marco para estas actividades para assinalar os 31 ou os 32 anos… Até porque a própria escola merece.

“Vou recandidatar-me à direcção da escola”

GAZETA DAS CALDAS (GC): A ESAD tem sido alvo de melhoramentos e houve investimento em novos equipamentos nos últimos tempos. Em que áreas? Pode concretizar?
JS: Uma das alterações implementadas vai permitir mexer no laboratório de prototipagem digital e criar um laboratório de interacção e multimédia, onde vamos ter os equipamentos de realidade aumentada e realidade virtual. Esta área será transversal a vários cursos. Fizemos, também, um investimento em equipamentos por causa deste regime híbrido, assim como investimos em equipamentos audiovisuais. Foi feito um grande investimento em estúdios de som e imagem pois praticamente todos alunos precisam de filmar ou de fotografar. Ao longo dos últimos três anos investimentos perto de 300 mil euros em equipamento diverso relacionado com a área do audiovisual e a escola também investiu igual valor num estúdio de som que funciona no edifício principal, junto ao auditório. Considero que, neste momento, temos melhores condições para os nossos alunos, assim como passámos a ter capacidade para trabalhar em parceria com outras entidades nestas áreas.

GC: Como é o relacionamento entre com os responsáveis do IPL? Houve anos de grande tensão…
JS: O mandato da actual direcção em condições normais já teria terminado em Junho. Em breve será marcado novo processo eleitoral e vou recandidatar-me. A relação institucional com o IPL é saudável e processa-se com debate de ideias. De qualquer modo somos uma escola de artes e design, áreas que sempre tiveram uma relação atribulada com tudo o que se relacione com a autoridade. É uma história insubmissa… Ainda assim temos uma relação construtiva…. Actualmente o IPL tem como pró-presidente Samuel Rama, que foi subdirector da ESAD, além de ser um artista plástico que expõe regularmente. Isso terá alguma revelância.

GC: E a ligação entre a escola com os actuais e com os antigos estudantes?
JS: Temos uma boa relação com a Associação de Estudantes e também com a Associação Académica, sobretudo nestes tempos em que foi preciso manter uma relaçã estreita, motivada pelo confinamento. Era muito interessante ter mais desafios colocados pelos nossos estudantes. Além disso, mantemos também um bom relacionamento com vários ex-alunos da escola. Muitos deles contactam-nos a pedir cartas de referência e nós procuramos, com os que são profissionais nas suas áreas, que eles possam voltar à escola para partilhar as suas experiências. Acredito que este é um bom modelo de ligação, ao qual vamos dar continuidade.

“A pandemia não trouxe apenas distanciamento”, defende o docente