Artistas e artesãos dão nova vida a armazéns no centro da cidade

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Os armazéns de antigas empresas estão a ganhar nova vida com jovens autores que têm os seus negócios próprios.

Um antigo armazém, que em tempos foi uma firma de alumínios, situado na Rua Adelino Soares de Oliveira, está transformado numa oficina de várias disciplinas artísticas e artesanais. Trata-se de um bom exemplo de como se podem recuperar espaços fechados ou devolutos no centro da cidade.

 

 

Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt

O cutileiro Paulo Tuna é um dos principais autores que trabalha no armazém situado no número 19 da Rua Adelino Soares de Oliveira, que fica nas proximidades do Centro Comercial Avenida. O artista recentemente saiu do espaço que tinha arrendado na Rua Capitão Filipe de Sousa onde trabalhava sozinho nas suas facas. “O senhorio teve que vender o edifício e eu tive que encontrar uma alternativa”, contou o autor, que é também artista plástico, formado na ESAD.
Foi a palmilhar a cidade que descobriu este armazém que tinha sido uma oficina de caixilharias e de alumínios e que estava para arrendar. O espaço, com cerca de mil metros quadrados, “era muito grande, mas sabia que não iria ter problemas em arranjar malta para vir para aqui trabalhar e assim dividir custos”, disse o artesão que forja facas para chefs de cozinha de todo o mundo.
O proprietário ficou satisfeito do seu armazém poder ganhar nova vida e até deixou alguns dos equipamentos da oficina de alumínio para serem usados pelos jovens autores. Antes o espaço dedicava-se à produção de lápides e estatuária para cemitérios e por isso na área onde Paulo Tuna hoje labora ainda há algumas imagens de anjos e santos em memória da função original daquele armazém.
Paulo Tuna só encontra vantagens em estar em pleno centro da cidade pois é aqui que recebe os seus clientes e em breve poderá também organizar os seus workshops sobre cutelaria neste local. Sempre que precisa, dá um salto às lojas de ferragens ou de consumíveis que estão na cidade.
“Faço tudo a pé”, disse o artista que veio de Vila Real de Trás-os-Montes para estudar na ESAD há 27 anos e acabou por ficar nas Caldas. Antes de se estabelecer por sua conta, Tuna teve o seu primeiro atelier de escultura, e depois de cutelaria, no Centro de Artes.
Neste momento trabalham no armazém nove pessoas. Dois deles marcam presença todos os dias: Paulo Tuna na cuteleira e Miguel Neto na cerâmica são os ocupantes mais activos do armazém. Há também um casal de artistas que trabalha em escultura e em instalação. O armazém ainda acolhe uma oficina de madeiras, separada da área dos metais para não haver contaminações.
“É tudo malta de trabalho e, quando nos juntamos, conseguimos resolver problemas com a prata da casa”, afirmou Paulo Tuna, acrescentando que também funciona no mesmo armazém uma pequena oficina de bicicletas, uma outra área dedicada à construção e restauro e por fim uma zona onde um doutorando em artes, guarda os livros e se dedica à escrita da sua tese.
“Temos aqui de tudo! Uns trabalham mais, outros vêm apenas executar algumas tarefas à oficina”, referiu o cutileiro.

Estrangeiros vêm para ver trabalhar

Paulo Tuna diz que já vieram clientes de Itália e da Bélgica para o ver trabalhar nas suas facas. Aproveitaram a viagem também para visitar as Caldas da Rainha. O que se passa neste armazém prova que as artes e os ofícios podem ser motivo de atracção de visitantes à cidade, além de contribuir para a reabilitação de espaços devolutos. Além de ainda contribuir para “dinamizar-se a área e a economia local”, referiu o autor, acrescentando que contacta com clientes de vários países “que admiram o saber fazer português” e que se deslocam, com gosto, para conhecer o contexto em que são feitas as peças artesanais.
Para o artista, o poder local deveria apoiar este tipo de projectos, cativando os autores a permanecer e a dar dinâmica às localidades. “São os jovens que são o sangue de qualquer localidade”, referiu. Paulo Tuna diz que é necessário apostar em programas de incentivo pois desde que veio para as Caldas, há 27 anos, tem visto muitos colegas da ESAD a sair por falta de condições para exercerem o seu trabalho.
Os espaços nas cidades “podem ser reabilitados para ateliers de trabalho, não pode ser apenas para alojamento turístico”, referiu o artesão. Na sua opinião, se as Caldas quer ser uma Cidade Criativa da Unesco deve investir neste tipo de projectos para, à semelhança de outras cidades europeias, como Londres, fazer surgir bairros de ofícios com mapeamento e sinalética para ser acessível aos visitantes.
“Esta cidade tem tudo para singrar”, referiu o autor que acha que a zona próxima da estação da CP “é uma mina” e que poderia ser recuperada com tal intuito.

 

“Forno é alma de atelier de cerâmica”

É no espaço dedicado à cerâmica que trabalha o casal Miguel Neto e Paula Violante. A área é dominada por um grande forno que é “a alma de qualquer atelier de cerâmica”, diz Miguel Neto. A lista de equipamentos inclui ainda rodas de oleiro.
No atelier há uma área de exposição e venda e ainda um espaço de lounge “para quem quiser ver como trabalhamos”, disseram os autores, que abriram o seu espaço ao público durante a realização do Caldas Late Night (CLN).
O casal fez recentemente uma obra de revestimento em porcelana para a cave da Livraria Lello, no Porto, que foi executada na fábrica caldense Braz Gil e que tira pleno partido da translucidez daquele material cerâmico.
É neste espaço que Miguel Neto dá resposta a encomendas de peças decorativas e utilitárias que faz na roda de oleiro. Paula Violante tem um trabalho distinto, produzindo, por exemplo, pequenas séries de autor em escultura.
Ambos criam os seus próprios vidrados, fazendo as próprias misturas de pigmentos. Algo que proporciona bons resultados, após muita experimentação.
O autor dedica-se há 25 anos à cerâmica enquanto Paula Violante trabalho com barro desde 1996, mas só há dois anos é que passou a fazê-lo a tempo inteiro.
O casal já recebeu no seu atelier um estagiário do Cencal e diz que o facto de haver gente de outras áreas artísticas e artesanais é sempre uma mais-valia pois “partilhamos saberes e opiniões que valem ouro”.