“As Intermitências da Morte”, de José Saramago, é um livro que fala sobre a importância da morte nas nossas vidas e sobre a sua ausência. A companhia de teatro da Benedita, Gambuzinos com 1 Pé de Fora, apresentou no Festival Books&Movies a adaptação da obra, sob a encenação do director artístico do Chapitô, José Carlos Garcia.
Imagine uma cidade onde quando entra o novo ano deixam de morrer pessoas. Foi este o ponto de partida da obra “As Intermitências da Morte”, de José Saramago. “No dia seguinte, ninguém morreu”, são as palavras que iniciam o livro.
Os Gambuzinos, com oito actores em palco, começam por se “transformar” em médicos e enfermeiros, que analisam os pacientes presos à vida por um fio, que não largam. Simulam depois o barulho de sirenes e de ocupadas salas de chamadas telefónicas de quartéis de bombeiros e redacções, onde se fala da falta de actividade por não haver mortos.
O fim da morte, que seria supostamente algo de bom, começa a tornar-se num autêntico pesadelo.
Em menos de nada saem à rua os jornalistas a dar conta do sucedido, com um sensacionalismo reprovável. Há programas a falar da “greve da morte”, onde se nota a dificuldade em gerar consensos.
Todos os que vivem da morte estão agora preocupados, mas o Ministro diz que não existe razão para alarme. Mas o Papa não está de acordo, uma vez que “sem morte não há ressurreição e sem ressurreição não há Igreja”. E não só a católica, todas as religiões deixam de ter razão para existir.
No entanto, massas saem à rua, contentes com o fim da morte, mas quando algum dos manifestantes tem a ousadia de questionar o motivo que os leva a manifestar-se, é atacado pelos seus pares.
As funerárias reúnem com o Primeiro-Ministro, a queixar-se da falta de mortes e defendem que a única solução é aprovar uma lei que torne obrigatório o enterro dos animais. Ainda assim, “será necessária uma ajuda para tão avultados investimentos”, explica o sector, falando em empréstimos a fundo perdido.
Aprova-se a lei e logo vem outra indústria prejudicada com esta ausência da morte: as seguradores, que estão a contas com sucessivos cancelamentos dos seguros de vida. Também para eles se encontra uma solução e até para os lares de idosos que estão “habituados à rotação de mortes” e que assim não vão ter vagas nem mão de obra suficiente.
O fim da morte leva a que as pessoas se tornem “caquéticos imortais, incapazes de limpar a baba do queixo, antes a morte que tal sorte”.
Sem morte “tudo seria permitido e permitir tudo é tão perigoso quanto não permitir nada”.
Nisto, aparece uma família que tem dois membros em estado vegetativo: um idoso e um recém-nascido. A pedido do avô, passam para o lado de lá da fronteira, registando o óbito de ambos. São descobertos por uma vizinhança e a história espalha-se, com os jornais a apontarem o dedo à família.
Mas a descoberta faz com que a prática se torne corrente, ao ponto de a oposição e os três países que fazem fronteira com este (ao qual nunca é dado nome) começarem a fazer pressão para acabar com os mortos nas fronteiras. Como “ao governo até dá jeito o êxodo, mas é preciso dar uma resposta aos países vizinhos”, o Primeiro-Ministro traça nova estratégia política: enviar vigilantes para as fronteiras, que impeçam a passagem.
Aí entra em cena a Maphia, com PH para distinguir da tradicional, que começa a espancar os vigilantes, até se reunir com o governo para ficar com o controlo das fronteiras.
O Governo aceita, com a condição de que os seus vigilantes se mantenham, mas desactivados, para não parecer que havia cedido à Maphia. “Sai-nos um peso de cima, os vigilantes não levam pancada, as famílias vêem os mortos vivos passarem apenas a mortos e a Maphia cobra pelo trabalho”.
As Forças Armadas ainda pensam num golpe militar, mas por mais tiros que possam dar, não matam ninguém e acabam por desistir.
A Maphia sobe os preços, os países vizinhos guarnecem as fronteiras e os movimentos populistas ganham força. O governo é obrigado a nova manha: passar para lá da fronteira os padecentes e trazê-los de volta para enterrar neste país.
Nisto entramos no último acto: uma carta da própria morte em que explica que vai voltar. O Governo prefere não avisar os órgãos de comunicação social e guarda a informação para perto da hora, tentando evitar a histeria colectiva.
Na carta, a morte explica que quis “mostrar aos que me detestam uma amostra do que seria viver para sempre”. Ainda assim há uma mudança: a partir daquele momento, a morte avisa com uma semana de antecedência.
Até ao momento em que a morte volta, os habitantes vão-se culpando uns aos outros. Tocam as 12 badaladas e pouco depois termina a peça com os actores a dirigirem-se ao público com os avisos.
Uma particularidade, em palco a interpretar a obra de José Saramago esteve… José Saramago! Não o escritor, mas o actor, beneditense, responsável pelo grupo dos gambuzinos.
Esta peça poderá ser vista na Benedita no mês de Novembro.
A visão de Vasco Lourenço sobre Tancos
Vasco Lourenço, um dos capitães de Abril mais conhecidos, estava à conversa com o público na esplanada da Taverna O Capador no dia 11 de Outubro, dia em que o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, se demitiu. Tancos foi o tema mais falado. “Foi uma farsa para efeitos políticos, houve desvio de material, mas não assalto”, referiu.
O antigo militar notou uma grande incongruência nesta hitória: para entrar ou sair para os paióis era necessário transpor duas redes. Uma tinha sido cortada para, supostamente, permitir a passagem dos larápios, mas a outra não. Ou seja, era óbvio que as armas tinham saído pelo portão.
Sem nenhumas provas, deu, contudo, a entender que o episódio de Tancos foi planeado para atingir a esquerda e foi mais longe, sugerindo que poderá ter sido uma encenação feita pelos passistas (adeptos de Passos Coelho). “O ex-primeiro-ministro quando perdeu o poder gritou que vinha aí o diabo, como não vinha, tiveram de o convidar”, afirmou.
Na sessão, Vasco Lourenço apontou para a existência de uma extrema direita radical no Exército, que poderá estar envolvida neste caso. Mostrou-se convicto de que as armas não saíram de Tancos em veículos militares e notou que as condições das Forças Armadas têm vindo a degradar-se por falta de aposta política.
Lua-de-mel? Uma reunião para preparar a revolução
Sendo este um homem do 25 de Abril, não podia faltar à conversa a história de “uma luta que continuamos no dia-a-dia”.
Vasco Lourenço falou de um episódio chave no 25 de Abril, ocorrido no Terreiro do Paço: o momento em que é dada ordem de disparo contra a coluna de Salgueiro Maia e um militar se fecha dentro do tanque (que só abria por dentro), vira o cano para o lado oposto e deixa-se ficar. “Foi aí que se ganhou o 25 de Abril!”, exclama, sem dúvidas, Vasco Lourenço, que realçou ainda “a influência positiva de a população ter saído à rua”.
Recorda que muitas das reuniões de preparação da revolução foram na sua casa e que casou em plena conspiração. “Casei e fui para uma reunião conspirativa até de madrugada”, conta.
Vasco Lourenço descreveu Salgueiro Maia como um grande amigo, um homem extraordinariamente honesto, demasiado militar que ligava mais do que devia à hierarquia, e corajoso. Revelou que à chegada a Lisboa, Salgueiro não sabia o caminho para o Terreiro do Paço e porque foi tocada a Grândola no seu funeral: “ele disse-me: quando eu morrer muita gente vai ao meu funeral para ficar na fotografia e eu vou obrigá-los a cantar ou pelo menos a ouvir cantar a Grândola”.
Lembrou ainda a chegada de um telegrama aos Açores (para onde havia sido transferido), onde se lia: “A Tia Aurora segue para os Estados Unidos da América no dia 25 às 3 da manhã. Um abraço, primo António”. Era a hora de saída das tropas.
Perante perto de meia centena de pessoas, o militar revelou que levou discos de Zeca Afonso para ouvir em plena guerra na Guiné e falou do seu falso rapto quando recebeu ordem de transferência para os Açores. “Não é só agora que se simulam assaltos”, disse em tom irónico
A geringonça como novo 25 de Abril
Sobre a actualidade, Vasco Lourenço comparou a solução governativa apelidada de “Geringonça” ao 25 de Abril. “Só não lhe chamo novo 25 de Abril porque é irrepetível”. Disse ainda que apesar dos elogios, a anterior Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, acabou com a protecção apenas a alguns criminosos. “Porque é que os processos dos submarinos, da Tecnoforma e das acções do BPN foram arquivados?”, questionou.
Numa sessão do festival literário e de cinema, Vasco Lourenço terminou com a declamação de um poema que fez em plena guerra, que desenvolvia a ideia de que a guerra tinha acabado e que já havia paz. Terminava assim: “Mas… Acordei.”.
Ruy de Carvalho foi o homenageado
Ruy de Carvalho foi o grande elogiado desta quinta edição do Books&Movies, que todos os anos escolhe uma personalidade. Na primeira edição foi Manoel de Oliveira, na segunda Mário Zambujal, na terceira Rita Blanco e na do ano passado Ana Zanatti.
O actor, que tem mais de 70 anos de carreira, apresentou na gala o seu espectáculo familiar “Trovas e Canções – Actores, Poetas e Cantores”. A peça reúne três gerações da família.
O Books&Movies é financiado pela autarquia de Alcobaça, que investiu este ano 60 mil euros. O festival já terminou, mas existe ainda uma extensão do mesmo hoje, às 21h30 no cine-teatro, com a apresentação do documentário “Terras de Cister – Um legado para o futuro”, o vencedor do prémio Books&Movies deste ano.
Este website utiliza cookies para que possamos proporcionar ao utilizador a melhor experiência possível. As informações dos cookies são armazenadas no seu browser e desempenham funções como reconhecê-lo quando regressa ao nosso website e ajudar a nossa equipa a compreender quais as secções do website que considera mais interessantes e úteis.
Cookies Necessárias
As Cookies Necessárias devem estar sempre ativadas para que possamos guardar as preferências do utilizador relativamente às definições de cookies.
Se desativar este cookie, não poderemos guardar as suas preferências. Isto significa que, sempre que visitar este sítio Web, terá de ativar ou desativar novamente os cookies.
Cookies de Terceiros
Este website utiliza o Google Analytics e o Echobox para recolher informações anónimas, como o número de visitantes do sítio e as páginas mais populares.
Manter este cookie ativado ajuda-nos a melhorar o nosso sítio Web.
Por favor, active primeiro os cookies estritamente necessários para que possamos guardar as suas preferências!
Cookies de Marketing
Este site usa as seguintes cookies para analisar como é que utiliza o site para o podermos melhorar:
Microsoft Clarity
Por favor, active primeiro os cookies estritamente necessários para que possamos guardar as suas preferências!