Banda Filarmónica de A-da-Gorda é “bandeira” desta localidade

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A actual formação da banda | BEATRIZ RAPOSO
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Em Janeiro de 1949, há 67 anos, 19 músicos da Filarmónica de Óbidos decidiram criar uma banda que desse música à sua terra. Foi assim que nasceu a União Filarmónica de A-da-Gorda, que teve como primeiro maestro João Pereira da Costa. Hoje, a banda conta com 60 elementos dos 10 aos 66 anos e procura fazer mais do que espectáculos. Fora dos palcos, actua junto da comunidade dagordense: já reabilitou o coreto da localidade e parte da capela.

Domingo, 3 de Abril, é dia do concerto de Pascoela em A-da-Gorda.
Como a tarde está chuvosa, os músicos aceleram o passo até à porta dos antigos Armazéns do Vinho para evitar molhar a farda. As gravatas laranja destacam-se e são o elemento original da indumentária, pois a maioria das fardas é uniformemente cinzenta, azul escura ou negra.

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Falta meia hora para começar o espectáculo e, enquanto os músicos afinam os instrumentos, o público vai chegando com doces e iguarias nas mãos, que coloca numa mesa logo à entrada. Já faz parte da tradição, trazer algo para petiscar nestes dias. Até porque no final da actuação, banda e espectadores reúnem-se para um convívio.
Este é um dos concertos anuais da União Filarmónica de A-da-Gorda, acompanhado de uma apresentação em power-point que informa o público da designação dos temas. Actualmente, cerca de 40 peças compõem o repertório da banda, que tanto está preparada para actuar em grandes palcos como numa procissão ou em arraiais.
Fernando Lino, maestro em A-da-Gorda desde 2003, destaca o elevado grau de dificuldade das composições, salientando que os músicos “estão sempre incentivados porque existe a preocupação constante de apresentar-lhes músicas novas”. Um dos maiores desafios é o Cinemúsica, um espectáculo em que os instrumentistas reproduzem soundtracks ao mesmo tempo que são projectados fragmentos dos filmes correspondentes. “É muito exigente porque a coordenação entre a música e o vídeo não pode falhar. Todos os segundos contam”, explica.
Ainda que a banda saltite dos auditórios para os coretos e vice-versa, Fernando Lino assegura que “a postura e a qualidade são as mesmas, qualquer que seja o concerto”.
Aos 12 anos, quando Fernando Lino conheceu o bombardino (instrumento musical) numa banda filarmónica de Torres Vedras (de onde é natural), era difícil aceder a novos repertórios. Os maestros, na sua maioria músicos militares, tinham preferência pelos temas interpretados na banda do Exército. Maestros que ensinavam todos os instrumentistas – não existiam professores para esse fim – e eram “pessoas intocáveis”, que deveriam ser tratadas por “senhor” antes do seu nome. “Mesmo que nós percebêssemos que as coisas não estavam a ser bem feitas, não tínhamos hipótese de opinar”, recorda Fernando Lino.
Hoje, um maestro tem mais facilidade em pesquisar obras musicais e em comprá-las, graças ao aumento do número de editoras. Neste ponto, Fernando Lino faz uma crítica a todos os “profissionais da batuta” que fotocopiam as obras em vez de adquiri-las pelo meio de compra. “É um mau hábito 90% das peças que a banda toca são compradas por mim, gosto de distribuir os papéis originais pelos músicos, dar-lhes essa responsabilidade. Afinal quando eu estou do outro lado também prefiro ler um papel de boa qualidade”. E a verdade é que estes músicos se acostumaram ao método e notam quando a partitura não é original.
Em 2003, quando Fernando Lino chegou à banda de A-da-Gorda, o grupo era pequeno, não chegava às 20 pessoas. “Eles já tocavam muito bem, só faltava fazer crescer a banda”, conta o maestro, que conseguiu captar muitos jovens, seus alunos no ensino articulado. “Na escola consigo perceber a qualidade dos miúdos, acompanho-os, e assim que vejo que têm potencial tento encaminhá-los para a banda”.
Aqui, numa filarmónica, a juventude tem oportunidade de aprender música gratuitamente (a escola funciona duas vezes por semana), mas também de semear um conjunto de valores essenciais ao seu futuro: ganham responsabilidade, aprendem a saber-estar e a respeitar o próximo. Tal como os marinheiros de um navio remam todos no mesmo sentido, os músicos tocam em sintonia para chegar a bom porto.
André Calçada e Rodolfo Costa, 10 e 11 anos, são os elementos mais novos da banda. Os dois percussionistas iniciaram-se em Junho do ano passado e começaram agora a participar nos concertos. Com familiares na banda, desde sempre se recordam de ouvir falar na filarmónica.
“A banda é um três em um. Serve para ganharmos conhecimentos musicais, para conviver com os amigos e nos divertirmos a fazer aquilo que mais gostamos: tocar”, diz Rodolfo, garantindo que já evoluiu muito enquanto músico. Para André, que concilia a filarmónica com a Academia de Óbidos, é uma “mais-valia aprender nas duas escolas, até porque na banda pratica-se muito a actuação em grupo”.
Assim que vestem a farda (que custa 1000 euros à colectividade), os dois amigos sentem-se iguais aos restantes colegas, mesmo àqueles que têm o triplo da sua idade.

Músicos com responsabilidade social

Para João Carlos Costa, presidente da União Filarmónica, a banda funciona como uma bandeira de A-da-Gorda, pois representa o seu nome em todos os locais onde actua.
Mais: “os músicos não são apenas músicos, desempenham uma função social junto das pessoas da aldeia. É por isso que já reabilitaram o coreto, fizeram obras na igreja e se associam a actividades como a entrega da Cruz de Carlos Oliveira à capela”. Um contributo que, segundo o presidente, é reconhecido pelos dagordenses, que fazem questão de acompanhar a banda nos concertos (nos antigos Armazéns do Vinho, os lugares não chegaram para todos os interessados). Também os emigrantes “da terra” seguem a agenda da filarmónica através da sua página na internet (www.ufa.pt), um pulo tecnológico que poucas bandas souberam dar.
Há 67 anos a fazer música, a banda nunca interrompeu a sua actividade. “Uma vitória que também se explica pela vontade da localidade em manter um projecto galvanizador das pessoas”, acrescenta João Carlos Costa.
Ensaios e concertos à parte, os músicos recordam frequentemente os momentos passados em viagem. A Fernando Lino, por exemplo, vem-lhe imediatamente à memória o passeio na Ilha do Pico, Açores. Lembra-se de ter dito à banda que queria subir a montanha, mas ninguém o levara a sério. Chegado o dia, cerca de 12 elementos alcançaram o topo com ele. “Este tipo de experiências gera uma grande união entre todos”: são laços que se criam e que tornam mais dolorosa a partida de um músico. “Ao início tinha a sensação de uma luta inglória, que perdia parte de mim… Fui aprendendo a lidar com isso, alegrando-me com as boas vindas a novos membros”.
Aos 66 anos, António Soares já viu partir muitos companheiros e acompanhou a chegada de outros. Conta que o ambiente entre todos é muito bom, melhor agora, com tanta juventude, do que há 50 anos, quando entrou para a banda. Naquela altura, o grupo (de apenas 25 instrumentistas) não era tão animado. “O mais interessante é que embora existam momentos de brincadeira, o respeito mantém-se”, salienta o trombonista, que pretende continuar a tocar por mais dois anos. “Depois reformo-me da banda, que vou ficando velho e já não tenho a mesma força para actuar três horas de pé”.
Com o trombone às costas, António conheceu Portugal de norte a sul. Por isso, afirma orgulhoso que levou o nome da sua terra a localidades que de outra forma não saberiam onde fica A-da-Gorda. “Os nossos instrumentos são como porta-vozes da aldeia, que fica assim representada através de uma arte tão bonita que é a música”, acrescenta o veterano.

Bombardino

O bombardino pertence à família das saxotrompas e foi inventado por Adolphe Sax no ano de 1848.
Tem como base o Cornetim, ao qual foi adicionado um sistema de pistões. O sistema de válvulas facilitou na afinação e na extensão do instrumento.
Na década de 1840 foi introduzido no mercado o Phonicon, instrumento similar ao Eufónio, mas com a campânula em forma da pêra.
Em 1859 e posteriormente em 1870 o professor Phasey, professor de Eufónio e Barítono, melhorou o Bombardino alargando o tubo.
É a partir da década de 1870 que o Bombardino assume a sua estrutura atual.

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