O comboio do Folio é uma ideia original

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Folio
Com uma pintura apropriada a velha automotora conseguiu realizar as 44 viagens entre o Rossio e as Caldas (onde terminava a marcha depois de parar em Óbidos) sem nunca ser grafitada |DR
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O comboio do Folio abana que se farta e não permite sequer fazer uma das coisas que um visitante do festival obidense mais aprecia – ler.
É impossível ler-se tranquilamente um livro a bordo desta caranguejola a que chamam comboio, tais são os solavancos e as sacudidelas a que o pobre passageiro está sujeito. O comboio do Folio é uma velha automotora Allan, construída na Holanda nos 50 do século passado e alvo de uma revisão há cerca de 20 anos, que a dotou de ar condicionado e de um ar mais modernaço, mas que deixou intacta a velha carcaça agora incapaz de proporcionar uma viagem civilizada aos incautos que nela entraram na estação de Óbidos.

Viagem esta que começou às 0h35 da noite de sexta-feira na estação ferroviária daquela vila, onde entram 11 passageiros para Lisboa. Em sentido contrário, nessa tarde de sexta-feira, tinham vindo 22 pessoas.
Até Lisboa o comboio do Folio só pára em Torres Vedras (por motivos comerciais, mas não há ninguém a entrar nem a sair) e em Meleças (por motivos técnicos). Quer isto dizer que a composição cruza estações e apeadeiros sempre a andar, contrariando tudo o que se costuma dizer da lentidão dos comboios do Oeste. O comboio do Folio é um verdadeiro “foguete”, comendo quilómetros pela noite fora, sempre a sacudir-se e a abanar-se, vibrando por todo o lado, uma caixa de luz fluorescente que atravessa a noite sobre carris.
Ainda assim, mesmo sem cruzamentos, este comboio demorou 1 hora e 40 minutos das Caldas (de onde iniciou a marcha) até Lisboa Rossio. Mas a Torres Vedras e a Meleças chegou cinco minutos adiantado, o que significa que a viagem poderia ser feita em 1 hora e 20 minutos.
Ana Ferreira (bancária, 26 anos) e Diogo Martins (empregado de escritório 25 anos), que regressam de Óbidos dizem que “compensa mais vir de carro porque a viagem de comboio demora muito mais”. Dizem ainda que a hora de regresso não foi bem coordenada porque no Folio fechou tudo muito cedo. “Praticamente só viemos ouvir o Rushdie e a partir das 22h30 ficou tudo vazio e ficámos duas horas sem fazer nada”.
Na mesma carruagem viajam Ana Baptista e Maria Barata que dizem que optaram por esta solução porque “é original vir de comboio”. Maria Barata diz que “a viagem está a correr bem, mas isto parece que está a passar por cima de alfaias agrícolas ou então que vamos num mar agitado”. Ambas esperavam por um transfer entre a vila e a estação de Óbidos, mas acabaram por ser transportadas por pessoas da organização. E têm mais dois reparos: “a expectativa é que houvesse escritores a bordo, mas afinal não; e se o comboio tivesse um cafezinho ou um chá seria simpático”.
Joel Pereira, 27 anos, tenta ler o romance “Pecados Íntimos”, de Little Children. “É incrível. Tenho que acompanhar a leitura com a marca do livro, linha a linha, porque os balanços são tantos que não dá para ler”, queixa-se. Ainda assim, é a segunda vez que veio ao Folio pela linha do Oeste. “Estou habituado a andar de comboio porque vou muitas vezes de Lisboa a Santarém”, diz.
Por esta altura já a velha Allan, solitária, rompia pela via quádrupla da linha de Sintra, atravessando estações profusamente iluminadas. Amadora, Queluz, Campolide …o próprio túnel do Rossio também todo ele cheio de luz desde que foi modernizado há oito anos. Às 2 horas e 10 minutos o comboio do Folio imobiliza-se em plena Baixa lisboeta, na estação que tradicionalmente serviu a linha do Oeste.
Gazeta das Caldas esteve na estação de Óbidos na última noite do Folio. Na gare apenas um casal de náufragos que duvidava já se teria comboio para Lisboa. “Não vimos aqui mais ninguém e ficámos na dúvida”, disseram Inês Casimiro (23 anos) e Hélio Freixo (22 anos), ambos estudantes universitários.
O baixo preço do bilhete foi o motivo que os levou a optar por este transporte. “Normalmente procuramos eventos relacionados com a literatura e quando descobrimos que havia um comboio especial para o Folio, foi mais um motivo para virmos. Aliás, só não viemos no ano passado porque não havia comboio”, contaram. “Gostamos de tudo. Entre exposições, conversas e espectáculos tem de tudo um bocadinho. E muitos livros com um preço razoável”.
Às 0h35 a velha automotora turbulenta dá entrada na estação de Óbidos para recolher estes dois passageiros com destino a Lisboa. Foi a última viagem do comboio do Folio, o tal que deveria ter tido sempre um mini-autocarro para transportar as pessoas entre a estação e a vila, mas que a organização acabou por deixar cair.
Fonte oficial da CP disse à Gazeta das Caldas que, em valores provisórios, foram cerca de 500 passageiros (entre convidados e clientes) que utilizaram os comboios especiais do Folio.
“Para a CP, esta iniciativa tem sempre um resultado positivo, pelo significado no reforço do relacionamento institucional com a autarquia de Óbidos, pelo carácter de novidade de um comboio dedicado num evento desta natureza e pela notoriedade positiva gerada, nomeadamente através da atenção mediática que o tema mereceu”, refere a empresa.

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