
São 12 os ranchos folclóricos do concelho das Caldas, mas apenas três pertencem à Federação Portuguesa de Folclore. A maioria formou-se nos anos 80, década que decorreu entre 1979 e 1989, coincidindo o seu aparecimento com a criação dos primeiros salões de festas nas aldeias. Salir de Matos é a freguesia representada por mais grupos (Trabalhias, Guisado e Barrantes) e Coto a única localidade onde existe um rancho infantil. Já Fanadia e Alvorninha são as duas povoações que mais vezes levaram a sua bandeira ao estrangeiro.
Encontrar jovens que queiram dançar no rancho é a principal dificuldade destes grupos, que ano após ano têm vindo a melhorar a forma como se apresentam. Quase todos já sobem ao palco com trajes etnográficos e incluem nas suas actuações recriações das tradições que eram típicas nas suas aldeias.
O Rancho “Danças do Arnóia” de A-dos-Francos é o mais antigo do concelho. Faz 39 anos em Novembro e foi fundado para participar no Carnaval das Caldas de 1980. O mesmo aconteceu com o “Esperança na Juventude” do Nadadouro, com “Os Oleiros” das Caldas da Rainha e com “As Flores da Primavera” do Guisado. Como a experiência até correu bem, decidiram continuar a sua actividade: arranjaram forma de aprender as danças e as cantigas junto da população mais idosa das suas localidades e cada um começou a criar o seu repertório.
Nos primeiros anos, a maioria dos ranchos folclóricos subia ao palco com trajes muito semelhantes. As mulheres exibiam uma saia vermelha, aventais bordados, meias e camisas brancas. Na cabeça usavam lenços. Já os homens vestiam calças e colete preto e uma camisa branca. Com o decorrer dos anos, estes grupos continuaram as suas recolhas com o objectivo de adoptarem trajes etnográficos, representativos das tradições que eram típicas nas suas aldeias desde finais do século XIX até princípios do século XX.
Embora pertençam todos à Estremadura, há certas actividades que são mais evidentes numas freguesias do que noutras. A pesca na lagoa de Óbidos é um dos símbolos do rancho do Nadadouro, a apanha da azeitona distingue os grupos de Alvorninha e Ramalhosa, a cutelaria é tradicional de Relvas, o barro é a imagem do rancho do Arneirense, o trigo e o milho da Fanadia. Já o Reguengo da Parada distingue-se pela apanha do limo e A-dos-Francos tem no nome do seu rancho uma referência ao Rio Arnóia.
Por outro lado, há um conjunto de trajes que é comum à maioria dos ranchos. Quase todos têm a figura de domingueiro, o par dos noivos e adoptaram vários trajes de trabalho agrícola (vindimeiro, ceifeira, leiteira e lavrador são alguns exemplos). A excepção vai para os ranchos do Nadadouro e das Trabalhias, que não actuam com trajes etnográficos.
Os outros 10 têm vindo a apostar na representação das tradições antigas, não só através dos trajes fiéis ao modo como a população se vestia há mais de 100 anos, mas também recorrendo a pequenas recriações que apresentam nos espectáculos. Juntam objectos e utensílios antigos à volta do palco, imitam a forma como os homens disputavam as mulheres para uma dança, como se descamisava o milho, ou joeirava o feijão.
Os dois ranchos de Alvorninha iniciam a sua actuação com o soar de um búzio, precisamente porque era assim que o dono da quinta anunciava o início e o fim do dia de trabalho. Isto porque os camponeses não tinham relógio.
DANÇAR E REPRESENTAR AO MESMO TEMPO
Mais do que dançar, hoje em dia os ranchos preocupam-se com estas questões etnográficas e são também mais rigorosos do que eram há uns anos. Dançam com mais coordenação, representam quase como se fossem actores e o apresentador de cada grupo está encarregue de explicar o contexto de cada moda. Os viras, as valsas a dois passos, as contradanças, os fandangos e os fadinhos são algumas das músicas mais dançadas pelos ranchos do concelho das Caldas. Há deles que também incluem o corridinho, embora esta seja uma dança tradicional do Algarve.
Tal como alguns ranchos se formaram no calor do Carnaval, outros fizeram-no no seguimento da construção dos primeiros salões de festas nas aldeias. Já que se vai criar uma associação e construir uma sede com um salão, por que não criar um rancho que venha animar este espaço? Foi este o pensamento nas Trabalhias e também na Fanadia. Já nas Relvas, foi o facto de existir um rancho que motivou que na aldeia se criasse uma colectividade. Em Barrantes e no Guisado, mesmo em anos em que as associações fecharam as portas por falta de direcção, os ranchos não interromperam a sua actividade.
Sempre que saem em actuações, os ranchos levam consigo várias “bandeiras”. Representam o próprio grupo, a associação que integram (no caso de pertencerem a outra colectividade), a localidade, a freguesia e também o concelho. Não há rancho que não se orgulhe quando ouve o nome da sua terra ao microfone e muitos referem que uma das suas principais alegrias é mesmo o facto de poderem levar até tão longe os costumes da nossa região.
Há grupos com agendas mais preenchidas que outros, mas todos já actuaram de norte a sul do país. Quando o espectáculo é longe de casa, o autocarro também vai cheio com pessoas locais, que aproveitam os espectáculos do rancho para passearem.
Só ainda nem todos conseguiram alcançar o feito de saírem do país. Os ranchos mais internacionalizados são “Os Azeitoneiros” de Alvorninha e “As Ceifeiras” da Fanadia – ambos já visitaram mais de dez países – seguindo-se o Reguengo da Parada, o “Vale Choupinho” das Relvas e o “Esperança na Juventude” do Nadadouro. Passar a fronteira confere aos grupos o selo da internacionalidade e permite-lhes terem contacto com culturas completamente diferentes da portuguesa. Para não falar que é uma oportunidade para conhecerem países que, não fosse o rancho, dificilmente lá iriam.
Dos 12 ranchos do concelho apenas três pertencem à Federação do Folclore Português: Alvorninha foi o primeiro a aderir (1989), seguiu-se o Reguengo da Parada (1995) e mais recentemente o Arneirense (2012). Ser federado significa cumprir um conjunto de regras, não só ao nível dos trajes e dos utensílios, como do repertório e da forma como se dança. Cada rancho, consoante a sua origem, tem-lhe associado uma série de costumes.
O facto de não pertencerem à federação, não significa menos qualidade nos restantes ranchos. Muitos cumprem as normas com o mesmo rigor que os federados, mas optam por não sê-lo porque não concordam com as políticas da federação, ou porque não se querem sujeitar a avaliações todos os anos ou apenas porque teriam que abdicar de dançar com um ritmo tão acelerado. E a verdade é que dançar rápido é, para muitos ranchos, um factor de espectacularidade nas suas actuações.
FALTAM JOVENS
Mais do que as dificuldades financeiras, os ranchos deparam-se com dificuldades humanas. Há 30 anos era muito mais fácil convidar as pessoas a participarem no folclore, não só porque não existia entretenimento nas aldeias – onde os ranchos funcionavam como um pretexto para sair de casa, conhecer outras localidades e pessoas – mas também porque as pessoas tinham mais tempo. Hoje trabalha-se por turnos, às vezes ao fim-de-semana, o que vem dificultar o agendamento das actuações para as quais é preciso ir com antecedência.
Por outro lado, há uns anos os jovens aderiam ao rancho sem preconceito, enquanto nos tempos modernos existe o peso dos comentários dos amigos. “O rancho é da aldeia” ou “o rancho é foleiro” são algumas das opiniões que os miúdos ouvem na escola e que, nalguns casos, assumem importância suficiente para que estes saiam dos ranchos. Alguns permanecem até à idade de irem para a faculdade, mas quando vão estudar para longe de casa acabam por sair mais cedo ou mais tarde. Mas também as novas tecnologias vieram roubar adolescentes aos ranchos: um telemóvel, uma consola e um computador são mais atractivos para os jovens que o folclore.
Prova de que é cada vez mais difícil levar os jovens para os ranchos é que só existe no concelho um grupo infantil – os Pimpolhos do Coto – quando há uns anos não era caso único. Já dos ranchos adultos, o “Flores da Primavera” do Guisado é aquele que apresenta um conjunto de bailadores com uma faixa etária mais baixa.
RECTIFICAÇÃO
Legenda errada
Devido a um erro, no artigo “Rancho Folclórico e Etnográfico do Reguengo da Parada”, publicado na semana passada, a legenda da fotografia publicada estava errada. Deveria ler-se “O Rancho Folclórico e Etnográfico do Reguengo da Parada é federado há 22 anos”. Aos leitores e aos visados, apresentamos as nossas desculpas. M.B.R.