Terminou no domingo, 5 de Novembro, o programa do Caldas Nice Jazz, que contou nos últimos dias com as actuações dos internacionais Aaron Goldberg, Jacqui Naylor & Art Khu e Sarah McKenzie. A dupla portuguesa Afonso Pais e Rita Maria encerrou o festival, que não termina já o seu ciclo de concertos pois no dia 1 de Dezembro haverá um espectáculo extra no CCC com a norte-americana Patrícia Barber. Este poderá vir a ser a primeira de outras actuações que se realizarão ao longo do ano e que, embora não integrem o cartaz do Caldas Nice Jazz, beneficiam do seu selo de qualidade.
A australiana Sarah McKenzie veio às Caldas no passado sábado, 4 de Novembro, e Gazeta das Caldas assistiu ao seu concerto, que foi o penúltimo do cartaz do Caldas Nice Jazz.
Com um vestido vermelho que combinava com o símbolo luminoso do festival pendurado por cima do palco, Sarah McKenzie fez-se acompanhar por Jo Caleb (guitarra), Geoff Gascoyne (contrabaixo) e Marco Valeri (Bateria). Neste concerto, a pianista (e também cantora) saiu do formato “controlado” dos seus álbuns e apresentou um espectáculo em que o conjunto dos instrumentos teve mais protagonismo do que a voz da própria artista. Cada um dos músicos teve espaço para improvisar e o público reconheceu-lhes o talento com muitos aplausos durante as músicas.
Sarah McKenzie trouxe essencialmente temas do seu novo álbum – “Paris in The Rain” – que foi lançado este ano e é o resultado da sua mudança de Melbourne para Paris. “A primeira vez que fui a Paris foi há dois anos e estava a chover. Mesmo assim, achei aquela cidade lindíssima, tanto que mudei-me para lá”, contou aos espectadores.
Mas este último trabalho reflecte outras viagens da artista – da Austrália para a América, passando pela Europa. São exemplo as suas versões dos temas “When in Rome”, “Tea For Two” e “Triste”, este último original de Tom Jobim. “O que achei impressionante no Brasil foi a hospitalidade do seu povo, aquelas pessoas calorosas que me acolheram de braços abertos”, recordou Sarah McKenzie, que num gesto de agradecimento escreveu a música “De Nada”.
Ao público do CCC, a compositora disse ainda: “como gostava de poder falar-vos mais em português para que pudessem entender como estou feliz aqui”. Sarah McKenzie começou a chamar a atenção dos grandes palcos desde que participou no Festival de Jazz da Úmbria (Itália), uma actuação que lhe valeu uma bolsa no Berklee College of Music, em Boston. Daqui levou em 2015 o diploma em Performance de Jazz. Tem actuado em festivais em Monterey, Juan-les-Pins, Marciac e Perugia, Dizzy e Minton, bem como em vários clubes de Paris, Londres, Viena, Munique e Sydney.
“Caldas Nice Jazz não pode coincidir com o Folio”
Os primeiros concertos do Caldas Nice Jazz coincidiram com o Folio (Festival Literário Internacional de Óbidos) e esta simultaneidade prejudicou o número de espectadores do festival das Caldas. Quem o diz é Carlos Mota, director do CCC: “ficámos prejudicados e certamente que eles também, não faz sentido dois eventos concorrentes e tão próximos decorrerem em simultâneo”. É que também o Folio oferece uma programação musical e ainda por cima mais barata que a do Caldas Nice Jazz.
Num balanço desta edição, Carlos Mota afirmou que “consolidámos o plano previsto para os primeiros quatro anos do festival, pois já somos conhecidos como uma boa marca entre os melómanos e apaixonados do jazz”. Estando conquistada esta relação com o público, o evento tende agora a diminuir o seu investimento na área da promoção para apostar num cartaz mais forte. Mas vêm aí mais mudanças.
No próximo ano, a organização irá apostar num concerto de abertura do festival com um grupo português e alguns convidados que irão sentar-se à mesa para falar sobre o jazz em Portugal. “Já temos muitos artistas nacionais que vêm de óptimas escolas e que merecem ser falados”, sublinhou Carlos Mota, acrescentando que outra novidade será a criação de mais espaços abertos à comunidade onde o público poderá partilhar quais são os seus discos e artistas favoritos. Uma boa solução seria a parceria com rádios locais para criar programas específicos sobre jazz que acompanhassem o período do festival.
Actualmente, o CCC está também em negociação com a Orquestra de Jazz de Matosinhos para que vários músicos que participaram este ano no workshop Big Jazz III possam integrar o seu concerto. Sobre o cartaz da próxima edição, Carlos Mota apenas adiantou que estão em cima da mesa grupos da Alemanha, França, Brasil e outro com origens africanas. “Será um festival com sonoridades mais quentes”, realçou.
Embora o festival tenha terminado no domingo, pretende-se que durante o ano se realizem vários concertos sob o chapéu do Caldas Nice Jazz. O primeiro é já no dia 1 de Dezembro, com a vinda da norte-americana Patrícia Barber.
COMENTÁRIO
Três espectáculos para recordar
Por: João Moreira dos Santos*
Há já cinco anos que os caminhos do Jazz vão dar anualmente às Caldas da Rainha. Pelo festival internacional passaram nestes primeiros dias de Novembro três nomes que importa reter: Aaron Goldberg, Jacqui Naylor e Sarah McKenzie.
Aaron Goldberg é um pianista de excepção e isso mesmo ficou patente no espectáculo que protagonizou com o seu trio no Caldas Nice Jazz (CNJ). Tecnicamente irrepreensível, inventivo e capaz de surpreender mesmo os mais esclarecidos amadores de Jazz, parece possuir praticamente todos os atributos para vir a posicionar-se como um dos grandes pianistas deste género musical. Faltar-lhe-á, porventura, aquela dose de sorte – e talvez de génio, também – que bafejou Brad Mehldau, músico que, como ele, integrou o quarteto do saxofonista Joshua Redman.
Há 10 anos, quando o entrevistei para o site norte-americano Allaboutjazz, Aaron Goldberg afirmou estar a crescer como líder dos seus próprios projectos musicais. Pois bem, a maturidade parece, entretanto, ter sido atingida. Foi isso que o espectáculo no CNJ afirmou, evidenciando um grupo coeso, participativo e cúmplice no intenso processo criativo e criador. Aaron Goldberg mostrou também a sua faceta de compositor, ilustrada por “Tokyo dream” e, sobretudo, pela cativante “Lambada de serpente”. Durante a sua execução, uma octogenária sentada ao meu lado balançava entusiasticamente o corpo, murmurava a melodia e percutia o ritmo com as mãos. “Isn’t she lovely?”. Bem podia, aliás, ter-lhe sido dedicada a peça de Stevie Wonder com que o trio encerrou o concerto.
Com o pianista, estiveram em palco dois músicos absolutamente notáveis. Comecemos pelo contrabaixista japonês Yasushi Nakamura, que reside nos Estados Unidos desde os nove anos. Não obstante ter assistido a mais de 500 concertos de Jazz, alguns deles protagonizados pelos contrabaixistas mais reputados – como Ray Brown, George Mraz, Stanley Clarke e Gary Peacock –, este músico surpreendeu-me para além do que julgava ser possível. E não foi apenas a componente técnica, que é importante, mas o seu discurso como solista e a capacidade de dar à música do trio aquilo de que necessitava a cada momento. Não é, aliás, por acaso que Nakamura vem colaborando – e note-se que o contrabaixista ainda só tem 35 anos – com músicos como Wynton Marsalis, Wycliffe Gordon e Toshiko Akiyoshi. De Leon Parker muito pode ser dito, ele que mostrou no Centro Cultural e Congressos (CCC) ser uma verdadeira bateria humana, pois terminou o espectáculo percutindo o seu próprio corpo, ao que associou, em simultâneo, vocalizações percussivas. Na bateria, os seus solos primam por algum minimalismo que maximiza a música e secundariza o acessório.
Se quinta-feira foi noite de Aaron Goldberg, sexta-feira levou ao CCC o duo formado pela cantora Jacqui Naylor e pelo pianista e guitarrista Art Khu. Constipada e em baixo de forma, Jacqui Naylor não conseguiu, manifestamente, evidenciar as capacidades que revela em disco. Ainda assim, os seus dotes de intérprete valeram-lhe francos aplausos por parte de um público que a soube acolher bem e apreciar.
Naylor e Khu apostaram num repertório eclético no qual couberam os standards do cancioneiro popular norte-americano – representados, nomeadamente, por “The nearness of you”, “Speak low” e “Moon glow” –, um clássico dos blues popularizado por B.B. King (“The thrill is gone”) e alguns êxitos da música pop, como “Space oddity”, de David Bowie, “Don’t give up”, de Peter Gabriel, e “Back to black”, de Amy Winehouse.
Bem mais interessante e conseguido foi o espectáculo da australiana Sarah McKenzie. A cantora e pianista actuou no sábado com um trio constituído por Jo Caleb (guitarra), Pierre Boussaguet (contrabaixo) e Marco Valeri (bateria).
Com uma boa presença em palco, a lembrar Diana Krall na postura e no glamour, Sarah McKenzie fez desfilar pelo CCC clássicos como “I won’t dance”, “I’m old fashioned”, “Day in, day out” e “Triste”, de António Carlos Jobim. Foi, porém, em duo, só com a guitarra de Jo Caleb no clássico “Moon river”, que a cantora evidenciou melhor todas as suas capacidades vocais e de intérprete.
Sarah McKenzie apresentou também ao público composições da sua autoria, como “That’s it, I quit!”, um original sobre a frustração, “Paris in the rain” e “De nada”, esta última uma canção naïf, escrita quando da estadia da cantora no Brasil. E quando Sarah McKenzie regressou para o encore e agradeceu o aplauso entusiasta do público, aquele respondeu-lhe, simplesmente, com um muito apropriado “de nada”.
Para o ano há mais Caldas Nice Jazz, que é também feito de emoções e de empatia.
*Autor de diversos livros sobre a história do Jazz em Portugal e do programa radiofónico «Jazz a Dois» (Antena 2).