- publicidade -

O filme “29 26”, realizado por Pedro Velho no CCC em 2017 com actrizes caldenses, teve a sua estreia mundial recentemente no Festival Internacional de Cinema Documental de Ji.lhava, na República Checa. O caldense, de 26 anos, formou-se na ESAD em Teatro e Design Gráfico e trabalha nas áreas do Cinema, Performance e Fotografia. Actualmente encontra-se em residência artística no Teatro D. Maria, em Lisboa. Gazeta das Caldas entrevistou este artista que quer trabalhar nas Caldas e regressar à ESAD mais tarde como professor.

GAZETA CALDAS: Como surgiu a oportunidade de realizar o filme “26 29”?
PEDRO VELHO: Decidi criar um projecto que propus ao CCC, num formato de Laboratório comunitário em 2017, dado que em 2008 comecei a dedicar-me ao teatro comunitário no Centro da Juventude. Propositadamente não determinei um formato de apresentação final. O CCC aceitou a proposta e quando conheci o grupo, as coisas começaram a traçar-se. A relação que fomos criando enquanto grupo determinou o caminho a seguir. Fomos entendendo como é que cada um poderia colaborar para o resultado final. O facto de ter resultado num filme foi a vontade dos cinco elementos (realizador e actrizes), após muito trabalho preparatório e nasce da nossa relação, desse lugar de vulnerabilidade e honestidade que fomos criando juntos durante o processo.

GC: Com quem trabalhou no filme?
PV: As intérpretes e co-criadores deste filme são a Ada Borga, a Josefine Winkler, a Mariana Alves Canas e a Sara Braz Ferreira, residentes nas Caldas durante o processo, sendo que duas delas estão neste momento a prosseguir estudos fora das Caldas.
Durante o processo e pós-produção colaborei com o Sérgio Galvão Roxo, realizador e artista visual residente nas Caldas e parte da equipa do CCC. A parte da pós-produção áudio ficou a cargo do artista multimédia, do meu amigo Sérgio de Jesus, que está a residir na Alemanha.

- publicidade -

GC: Onde gostaria que o filme chegasse? Vai continuar a concorrer a outros festivais?
PV: De momento o filme foi convidado pelo Festival a estar numa plataforma de distribuição e assim poder chegar a outros distribuidores e programadores de outros festivais.
É uma oportunidade muito boa, mas tento não ter expectativas relativamente ao percurso do filme em festivais. A prioridade esteve sempre em entregar algo honesto de nós ao espectador, permitir que essa vulnerabilidade estivesse presente. Claro que ficámos felizes com esta estreia, ainda para mais na competição principal, sendo o meu primeiro filme.
Este reconhecimento sabe bem, traz também a expectativa de que possa trazer outras oportunidades para continuar a desenvolver projectos. Quero que o filme seja visto, possa ser partilhado e que traga alguma coisa às pessoas.

GC: Como foi o processo de concorrer à residência artística promovida pelo Teatro D. Maria?
PV: O “Laboratório de Escrita para Teatro” do Teatro Nacional D. Maria II tem estado na minha lista de coisas a fazer e tenho vindo a adiar. Este ano decidi arriscar, enviar a minha candidatura e acabei por ser um dos seis autores escolhidos. Vou desenvolver uma peça durante os próximos meses com a tutoria de diferentes autores e encenadores nacionais e internacionais.
Para já, as coisas ainda estão no início, mas no final será um livro publicado com as seis peças finais e será feita uma leitura encenada com um encenador e actores convidados, nas salas do Teatro.

GC: Que tipo de projectos gostaria de desenvolver no futuro?
PV: Interesso-me cada vez mais por arte comunitária e pela utilização de diferentes formatos e processos na criação artística. Idealmente gostaria de continuar a trabalhar com grupos comunitários e prosseguir com essa pesquisa.
Há uns tempos propus ao CCC continuar a colaboração como artista residente e desenvolver novos projectos com a comunidade, focando-me não só na criação mas também na formação. Ainda aguardo uma resposta.
Tenho vontade em trabalhar a ideia de identidade, quer de uma forma singular quer de grupo, tentar perceber como é que através destes processos e projectos conseguimos traçar e entender uma comunidade, assim como reflectir sobre ela.
A longo prazo gostaria continuar a trabalhar enquanto artista e desenvolver um projecto de investigação e formação em colaboração com a comunidade e outros artistas, de modo a criar um espaço/incubadora, para projectos que (re)pensem todo este potencial humano.

GC: Vai querer continuar a trabalhar nas Caldas ou prevê que tenha que se mudar para Lisboa?
PV: Eu gostaria de continuar a trabalhar nas Caldas pois tem potencial, quer a nível humano, quer a nível de estruturas. Temos uma ligação forte às artes pela ESAD, o CCC, o Teatro da Rainha, o Centro de Artes, etc.
A distância que possa existir entre a população das Caldas e estas estruturas culturais é algo que pode ser repensado. Apesar de não ser de rápida solução é possível de atenuar. Essa distância é notória por exemplo entre a ESAD e a população das Caldas. A maioria dos alunos da ESAD não vê cultura associada à população das Caldas e vice-versa.
Gostaria de ficar por aqui e criar um espaço e raízes, dar a oportunidade à comunidade de poder sair do lugar de espectador e colocá-lo na cadeira de co-criador e de crítico. É preciso resiliência, mas acho que há muitos artistas com iniciativa e com vontade de trazer novas ideias e formatos para as Caldas.

GC: Quais são os seus autores, realizadores, actores, fotógrafos favoritos?
PV: Tenho várias referências em diversas áreas, mas falando apenas de alguns: Nan Goldin (Fotografia), Samuel Beckett (Teatro), Ingmar Bergman (Cinema/Teatro), Pina Bausch (Dança), Mary Ellen Mark (Fotografia), Jim Goldberg (Fotografia), Petra Costa (Cinema), Charlie Kaufman (Cinema/Escrita) e Agnés Varda (Cinema).

GC: Gostou de estudar na ESAD?
PV: A minha experiência na ESAD divide-se entre dois momentos muito diferentes. Na licenciatura em Teatro acabou por ser tudo intenso e desafiante. Durante o processo temos que lidar com pessoas diferentes e isso leva que tenhamos de aprender rapidamente a questionar o que está à nossa volta e a nós próprios. O mesmo estende-se ao relacionamento com os professores que nos trazem por vezes propostas distantes daquilo que pretendemos fazer. Mas acabou por ser um exercício de resiliência, que em parte contribuiu para o crescimento pessoal. Foi atribulado mas aprendi bastante, tive professores que me ajudaram a entender muita coisa.
Na pós-graduação em Design Gráfico foi diferente e mais descontraído. Ajudou-me a desconstruir algumas ideias que tinha a nível de composição/narrativa e a associar as coisas de uma forma menos usual.
A ESAD dá-nos uma liberdade criativa e ferramentas para explorarmos a nossa identidade enquanto artistas. Aprendo cada vez mais a valorizar essa liberdade, principalmente em situações onde essa autonomia é necessária. Tento manter uma relação próxima com a ESAD e gostaria muito de um dia voltar enquanto professor.

 

- publicidade -