O Folio é o primeiro grande evento realizado em Óbidos desde o início da pandemia e as suas múltiplas atividades têm levado muitas pessoas à vila, permitindo-lhes contatar com autores e participar nas mais de 160 atividades propostas. Termina este domingo
As pessoas aglomeram-se à Porta da Vila ao ver a banda da Sociedade Musical e Recreativa Óbidos perfilar-se para uma atuação que terá lugar pouco depois, seguindo pela Rua Direita até à porta da Galeria Ogiva, tal como aconteceu há 51 anos, no dia da sua inauguração. Esta recriação, simbólica, aconteceu na tarde de sábado, 16 de outubro e pretendeu assinalar o meio século da galeria de arte criada por José Aurélio (que na década de 70 residia em Óbidos) e onde agora está patente a PIM! Mostra de Ilustração para Imaginar o Mundo.
“O Folio já é uma marca muito forte na paisagem cultural portuguesa”
Nuno Artur Silva
Presente na cerimónia de inauguração da exposição, que reúne alguma das suas obras e que inspiraram os ilustradores que participam na mostra, José Aurélio mostrou-se emocionado ao recordar os 50 anos que passaram desde que abriu a galeria. “É muito tempo, mas não é tempo nenhum”, disse o alcobacense, acrescentando que o apraz ver “esta casa cheia novamente e estar representado nesta exposição, e lembrar os amigos que me ajudaram com esta obra, que já partiram e estão à minha espera”.

Mafalda Milhões, curadora do Folio Ilustra, agradeceu a disponibilidade do escultor e realçou que a intenção da mostra é a criar “lugares de leitura”. A excelência da mostra foi destacada pelo vereador José Pereira e também pelo responsável da Ler Devagar, e curador do Folio Mais, José Pinho, que defendeu que esta exposição PIM “é a melhor coisa que se faz em Óbidos no Folio” e que merecia ter uma itinerância em Portugal e no estrangeiro. E lançou a provocação: “esta exposição merece ser vista por outros sítios, para a mostrar a quem não vem a Óbidos durante o Folio”. A resposta do diretor-geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, Silvestre Lacerda, não se fez esperar, assumindo desde logo o compromisso de contactar responsáveis da área cultural para levar a exposição a outros pontos do país.
“O segredo de Óbidos tem sido a vontade de nos desafiarmos e de vencermos os impossíveis”
Humberto Marques
Também presente, o secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, disse aos jornalistas que fará “todos os esforços para que isso seja possível” e para que em futuras edições “haja uma circulação da exposição” por outras galerias do país. O governante, que foi um dos curadores da primeira edição do Folio e que tem uma ligação “afetiva e pessoal” ao festival, considera que este tornou-se um ponto obrigatório no roteiro, não só dos escritores nacionais mas também internacionais, sobretudo brasileiros. “O Folio já é uma marca muito forte na paisagem cultural portuguesa”, considera.
À semelhança do que vem acontecendo nas edições anteriores, durante a inauguração da PIM! Foi entregue o Prémio Nacional de Ilustração, que este ano teve como vencedor o ilustrador André Carrilho com o livro “A menina com os olhos ocupados”.
Durante a semana foram muitas as sessões que encheram para ouvir autores nacionais e internacionais refletirem sobre temas da atualidade. Uma das mais procuradas foi a que juntou, na tarde de domingo, a escritora Dulce Maria Cardoso e o humorista Ricardo Araújo Pereira, numa conversa sobre liberdade de expressão.

Novo Prémio Literário
O festival, que integra também 23 concertos e 12 exposições dispostas por diversos locais na vila, termina no próximo domingo, pelas 19h30, com o concerto dos Diabo a Sete, na Cerca do Castelo. No dia das Nações Unidas, será apresentado os autores da biografia de António Guterres conversam com a ex-candidata presidencial, Ana Gomes, a jornalista Cândida Pinto e a diretora do Instituto de Defesa Nacional, Helena Carreiras. Será ainda apresentado o Prémio Literário Fernando Leite Couto, que tem por objetivo promover os trabalhos de novos escritores moçambicanos e estimular a criação de obras na língua de Camões.
Este ano existe também uma programação destinada aos fãs da banda desenhada, com workshops e uma exposição que reúne oito autores de banda desenhada.
Festa da palavra
“Quis o destino que fosse o Folio o primeiro evento, desde o início da pandemia, que nos unisse à volta do que é o mais importante nas nossas vidas, a literatura”, começou por dizer o ainda presidente da Câmara de Óbidos, Humberto Marques, durante a inauguração do festival, a 14 de outubro. Naquele que foi o seu último ato público, o autarca lembrou a “aventura”, iniciada há seis anos, que levou a bom porto com o anterior presidente, Telmo Faria, e com José Pinho, curador do Folio Mais e a quem se referiu como o “verdadeiro timoneiro” do festival.
Humberto Marques partilhou ainda que “o segredo” de Óbidos tem sido a “vontade de nos desafiarmos, fazermos disrupções e de vencermos os impossíveis”, lembrando que foi a partir dali que se “criaram as disrupções transfronteiriças, conseguiu-se internacionalizar a nossa literatura e muitas outras artes performativas”.
Relativamente à escolha do tema o Outro para a edição de 2020, que teve de ser cancelada e retomado agora, entende que não podia ter sido mais oportuno. “É um tema que procura ser o palco da discussão, do encontro, da apresentação de livros e da discussão de temas contemporâneos”, considera.
José Pinho agradeceu a Humberto Marques e à autarquia o acolhimento da sua “ideia meio louca”, mas que funcionou muito bem. Lembrou que no início houve alguma desconfiança, mas que depois as pessoas do município e da Óbidos Criativa “envolveram-se de tal maneira na realização do Folio, no Latitudes e noutras coisas, o que faz com que tudo funcione. Isso dá um grande descanso a quem tem de promover e dirigir um evento desta natureza”, realçou. Prova de que o evento está a afirmar-se é o facto de haver editores que quiseram ter uma participação muito maior, referiu o livreiro e responsável por várias livrarias em Óbidos.

“Óbidos está na festa da palavra”, disse Francisco Madelino, presidente da Fundação Inatel, entidade parceira, que promove o capítulo da Folia, destacando que o percurso já está feito e que importa agora consolidá-lo. Também presente na cerimónia, António Martins Monteiro, presidente da Fundação Millenium BCP, disse ser fundamental entender o Outro, pelo que considera a escolha deste tema premonitória e espera que as afinidades com os outros países, em torno da literatura, possam perdurar. “Sempre me impressionou a forma como se promoveu o festival em Óbidos. Este apoio enobrece a fundação”, destacou o embaixador.■
Sustentabilidade à Porta da Vila
Espaço público transformado em zona verde e de lazer, com a dinamização de atividades culturais, ambientais e musicais

Um mercado assegurado maioritariamente por produtores e empresas do concelho, com flores, frutas e livros, mas também de venda de comida saudável, vegetariana e vegan é uma das atividades que integram o projeto Living Streets, a decorrer nos dois fins de semana do Folio.
Mas há mais. Há workshops, uma caminhada literária, rastreios nutricionais, animação de rua, atividades de sensibilização ambiental e concertos, no âmbito deste projeto internacional, dinamizado pelos municípios, que são desafiados a transformar uma rua num local de encontro sustentável.
Tendo em conta esta premissa, toda a decoração do local foi feita com materiais reciclados, as bancas de venda são de madeira e, durante estes dias, a zona da Porta da Vila está interdita ao trânsito automóvel.
O objetivo da autarquia é dar continuidade a este projeto nos próximos anos, com iniciativas de sensibilização nas escolas, mas também nas freguesias.
As Living Streets são um conceito que visa a recuperação do espaço público, redefinindo o seu uso, fechando temporariamente uma rua (parcial ou completamente) e proibindo a passagem de veículos. “As pessoas têm destacado embelezamento do local,que também acaba por valorizar o espaço público e perguntam-nos, inclusive, se não é para manter”, referiu a vereadora Margarida Reis à Gazeta das Caldas. A responsável acrescentou que, tendo em conta que o projeto coincidiu com o Folio, procurara juntar a arte à prática do desporto e atividade física.
Flyer em braille
Entre as novidades desta edição do Folio está a criação de um flyer inclusivo, que permite aos visitantes com necessidades específicas obterem informação sobre o festival. Os conteúdos, que podem ser acedidos em formato digital via QR Code, estão disponíveis em braille, linguagem pictográfica e língua gestual portuguesa e gestos internacionais.
Este flyer resulta de uma parceria entre o Centro de Recursos Para a Inclusão Digital, do Instituto Politécnico de Leiria e a Câmara de Óbidos. A coordenadora deste centro, Célia Sousa, estará a participar na palestra “E se entrasse numa livraria e pedisse um livro multiformato?”, juntamente com Pedro Morouço, do Instituto Politécnico de Leiria e a escritora e ativista social brasileira Carina Alves (autora do projeto Literatura Acessível), que decorre no próximo sábado, pelas 12h30, na tenda Vila Literária. ■