João Martins Pereira corre o mundo a fotografar. Já esteve em mais de 70 países e apesar de classificar a fotografia como um passatempo, as suas imagens podem ser apreciadas em iniciativas internacionais como a Art Madrid.
Sempre que pode, este caldense de 55 anos parte para captar outras vidas nos desertos (que tanto aprecia), ou na Amazónia, sem esquecer os vários países de África ou do Sudoeste Asiático. Avesso a correntes ou a conceptualizações da fotografia, o fotógrafo quer continuar a conhecer diferentes formas de vida e, através da imagem, compreender um pouco melhor o mundo actual.
Foi com um conjunto de três imagens sobre a Angola que João Martins Pereira marcou presença na última edição da Art Madrid. As fotografias referem-se à estrada do Caxito – à entrada de Luanda – onde o fotógrafo caldense captou campas térreas junto à beira da estrada, resultantes dos confrontos da guerra civil angolana e que agora dividem o espaço com o início da construção de uma auto-estrada.
“São imagens que referem os saltos paradoxais ou perversos que a própria História dá. Há poucos anos naquele local eram enterradas pessoas à beira da estrada e agora abria-se uma estrada com maquinaria pesada”, disse o fotógrafo.
Apesar da fotografia ser um passatempo, ao longo dos anos João Martins Pereira foi adquirindo competências e fazendo workshops com outros fotógrafos, portugueses e estrangeiros, que admira, como foi o caso de Steve McCurry, o autor da famosa fotografia da rapariga afegã de olhos verdes.

O caldense explica que não tem pretensões, que não pertence a nenhum grupo, associação ou corrente defensora de visões mais conceptuais da fotografia.
Diz até que fotografa “por gosto e por intuição” e que tem sobretudo gosto “pela observação do mundo que nos rodeia”.
Sempre que pode, João Martins Pereira – que é assessor do Conselho de Administração do BES – troca o fato e a gravata pelo equipamento fotográfico e parte em busca de olhares, um pouco por todo o mundo. O que mais lhe importa captar, são as pessoas e suas vivências.
Na sua opinião, quanto mais se viaja melhor se compreendem outras culturas, hábitos e costumes, no fundo tudo aquilo “que faz essa harmonia (ou desarmonia) global em que vivemos hoje em dia”.
Fotografar para melhor compreender o mundo
O gosto pela fotografia começou cedo. Ainda nas Caldas, em 1972, quando

frequentava a secção liceal, João Martins Pereira foi um dos elementos que organizou o CEFA – Concurso Escolar de Fotografia Amadora, que teve lugar no Posto de Turismo nos antigos Paços do Concelho. Recorda-se que o tema era livre e que o grupo ligado à organização – tinham então 14 e 15 anos – conseguiru estabelecer acordos com lojas de referência – como a Tália ou a Foto Franco – para conseguir descontos na revelação das imagens.
Aos 17 anos João Martins Pereira foi estudar para Lisboa, tendo-se formado em Economia. Mais tarde tornou-se consultor de uma firma internacional de consultadoria, o que o levou a viajar de forma constante e até a residir temporariamente no estrangeiro. Viveu em Cabo-Verde, Angola, Guiné Bissau, Grécia, Inglaterra e Alemanha. Entre 1997 e 2000, o caldense viveu em Kiev (Ucrânia), seis anos após a independência do país e apenas 10 depois de Chernobyl. “Foi um período fascinante onde a História passava à nossa frente, todos os dias”, disse. Acabou por estar presente e (de alguma forma até participar) num período de aprendizagem “de um novo modo de vida para um povo e um país, de reconstrução da sua identidade, da descoberta de oportunidades, realidades e ameaças até então desconhecidas ou negadas. Claro que as dores de crescimento eram grandes e os tropeções maiores.
Conheci, ainda, um povo de magnífica abnegação, capacidade de resistência e generosidade”, acrescentou.
E como é a sua relação com a terra natal? “É uma relação de militância”, contou o fotógrafo, que apesar de viver em Lisboa com a esposa, tem família a viver nas Caldas da Rainha, o que o faz ter uma relação permanente com a região.
Conta ainda que as suas memórias e raízes “estão neste eixo das Caldas da Rainha
e da Foz” e é nesta última que tem uma segunda casa em frente à Lagoa.
O seu pai, José Eduardo Martins Pereira assegurou várias funções na Gazeta das Caldas, entre elas chefe de redacção. Hoje o economista-fotógrafo recorda que em menino acompanhava o pai à redacção deste semanário e que ainda sente “o cheiro do chumbo, o fascínio pelas mesas dos tipos, a precisão dos tipógrafos na composição, o barulho da rotativa e a revisão de provas. Outros tempos…”.
“O deserto é uma realidade fascinante”
João Martins Pereira prefere fotografar a cores, encarando o preto e branco como um recurso adicional. Usa a sua Nikon e conta que nas viagens que faz para fotografar está a tornar-se cada vez mais exigente. “Não necessariamente nos destinos e muito menos nas condições de viagem (conforto ou condições materiais), mas sim no tipo de viagem que se quer fazer, no que se quer experimentar”. Interessa-lhe, pois, o contacto com uma realidade da qual tem uma noção prévia, mas depois o que lhe importa “é a reacção espontânea a uma determinada realidade ou situação”.
E quais foram as viagens mais marcantes? Por norma “são sempre as últimas”, mas as que realizou à Etiópia, à Índia e à Amazónia estão no top deste fotógrafo-viajante. O caldense ainda tem outro interesse em relação à fotografia – a da vida selvagem. E por isso não esquecerá as incursões que fez na Tanzânia, Zimbabué e Botswana. Refere alguns locais de África do Sul ou do Quénia, onde regressa “quando tenho tempo e disponibilidade financeira”.
Destaca ainda todo o Sudoeste Asiático, sobretudo o Vietname, o Cambodja e a Indonésia, país e território que o marcou “por ser um sitio fascinante de grande contraste social e religioso”.
Para o fotografo, o deserto é “uma realidade fascinante”. Diz que conhece alguns pelo mundo e deixa-se sempre encantar pela diversidade que aqueles territórios oferecem, consoante a hora do dia ou as condições climatéricas.
João Martins Pereira tem imagens nalguns sítios de partilha na internet, colabora esporadicamente com publicações que se dedicam à fotografia e tem tido um espaço na revista sobre viagens designada “Outras Coordenadas”. “Tenho tido a oportunidade de participar com fotografias para imagens de alguns livros“, acrescentou.
O caldense tem uma colaboração longa com a Galeria Cordeiros e é através deste espaço que tem marcado presença em eventos internacionais como a Arte Madrid.
“O fotojornalismo quando levado a sério é uma profissão de alto risco”
“Com a situação que actualmente vivemos, as imagens de actualidade voltaram em força”. É a opinião do fotógrafo quando questionado sobre o fotojornalismo na actualidade. “Irónica e perversamente, os teatros de guerra actuais, os desastres naturais e as situações de tensão e ruptura social, vieram repor o fotojornalismo na ordem do dia”, disse, acrescentando que os tsunamis, terramotos, vulcões, atentados bombistas, desastres ecológicos, ataques terroristas, guerras civis, bombardeamentos, levantamentos sociais, embates religiosos, países que se fragmentam e dividem, secas e inundações “são marcas da era em que vivemos e são o palco dos grandes fotojornalistas”.
Entre outros profissionais, o caldense referiu que João Silva, um sul-africano de origem portuguesa, possui “um trabalho notável” sobre as tensões sócio-raciais na África do Sul, mas ficou sem as suas pernas por causa do rebentamento de uma mina e que Kevin Cárter – que ganhou o Pillitzer com a tristemente célebre e controversa fotografia de um abutre a vigiar uma criança esquelética e moribunda no Sudão – não resistiu à pressão e suicidou-se.
Por tudo isto João Martins Pereira considera que a “fotografia da verdade e do instante, é, se levada a sério, uma profissão de alto risco”.
Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt
Na Amazónia e num festival budista no Sri Lanka…
João Martins Pereira gostaria de ser um viajante, mas, por causa da sua actividade profissional diz que é apenas “um turista, talvez um pouco mais ousado que o comum”, com limitações de tempo e de orçamento. Mesmo assim, teria algumas histórias de viagem para contar nos mais de 70 países que teve a oportunidade e o privilégio de conhecer.
No final dos anos 80, o seu último dia de viagem pelo Sri Lanka coincidia com a noite principal do “Perahera” em Kandy, o Festival do Dente de Buda, a maior celebração budista do país. “Cheguei a Colombo já à noite, tinha avião de regresso na manhã seguinte, mas, claro, achei óbvio gastar os últimos dólares a procurar um guia que estivesse disposto a conduzir 120 quilómetros de estrada de montanha até Kandy, permitir-me um par de horas no festival e conduzir de regresso a Colombo. Uma noite perdida para ele, ganha para mim”.
A meio do caminho lembra que rebentou uma tempestade tropical violentíssima, com chuva mais que torrencial. “Chegámos a Kandy por volta da uma da manhã, a um ambiente alucinante. Milhares, muitos milhares de pessoas, em moles compactas, centenas de elefantes belissimamente decorados (a imagem de marca e a principal característica do Pereahera), danças, cânticos, nuvens de incenso do ar, lavadas pela chuva”, recordou.
O seu diligente guia tinha-lhe indicado o caminho e ficado algures para trás na inglória tentativa de encontrar um lugar para estacionar o carro. “Marcamos um ponto de encontro que, obviamente, nunca mais encontrei”. A essa altura, João Martins Pereira já não tinha qualquer esperança nem vontade de apanhar o avião de regresso, apesar de não ter sequer dinheiro para alterar o voo nem ficar num hotel. “Foi, assim, com um misto de alívio e desapontamento que, com horas de atraso, pelo meio de elefantes, chuva e milhares de pessoas, vi o guia a correr em pânico na minha direcção. Gritava repetidamente e sem ordem “time, plane, rain, time, bad road”. Voltamos ao carro, estacionado nos limites da cidade, à estrada, à montanha e à chuva torrencial”, contou.
Por que já não tinha hotel, o seu saco de viagem estava no carro. Quando chegou ao aeroporto, tinha o check-in fechado, mas contou a sua aventura e acabaram por o levar de automóvel até ao avião, “Sentei-me sob o olhar furioso dos outros passageiros e acordei em Londres”.
Uma outra aventura que recorda foi vivida numa caminhada de três dias pela selva amazónica em que foi guiado por Cristovam, um caboclo (indígena) peruano equipado, unicamente, com uma faca de mato. “Entre as historias que contava de ataques de onças, picadelas de tarântulas e encontros com serpentes, eu só pensava “mas como é que este gajo faz a mais pequena ideia de onde está ?””
Entre os hipopótamos no Botswana
Outra aventura. Depois de uma volta supostamente simples e tranquila de moto4 no deserto do Qatar, o guia não estava no lugar combinado – uma duna visível à distância, e reconhecível pelo contorno e pela coloração. “Com todo o fascínio que tenho pelos desertos, esperar ao sol, sem ver vivalma e sem ideia de rumo a tomar, traz-nos uma sensação peculiar… “, recordou.
Ao fim de três horas, o jipe do guia acabou por aparecer, tranquilamente, por detrás da duna. “Sorridente, explicou-me que estava na hora da oração e a mesquita ficava a quase uma hora dali…”.
Noutro percurso, desta vez num passeio de canoa, ao pôr-do-sol, numa lagoa cheia de hipopótamos, no Delta do Okawango, no Botswana, a embarcação virou. Segundo o caldense, os hipopótamos “são bestas de má convivência, responsáveis pela larguíssima maioria dos acidentes fatais em África”. Explica que têm o mau habito de mergulhar na água, normalmente lodosa e barrenta, e reaparecer três ou quatro minutos depois num sítio imprevisível e distante. Saem da água
ao pôr-do-sol para pastar durante a noite e, por mecanismo de protecção e segurança, “atacam tudo e todos os que tenham a desgraçada ideia de se intrometerem entre o bicho e o seu destino”. Portanto – para além de ter perdido todo o material fotográfico que carregava, e de estar dentro de égua, enterrado no lodo, ao pôr-do-sol, numa linha recta entre dezenas de hipopótamos e a margem – aquele acidente não foi seguramente ”um dos momentos mais tranquilos da minha existência”, ironizou.
Apanhado pelo furacão Emily
O fotógrafo caldense foi também “apanhado” na Península do Yucatán, no México, pelo “Emily”, furacão devastador que atingiu a costa com o grau cinco, o máximo na escala das tempestades tropicais. “O Emily tocou terra no exacto ponto em que me encontrava e a experiência da passagem do furacão dá-nos uma ideia muito precisa da força dos elementos”, contou. João Martins Pereira recorda-se, especialmente, dos minutos de intervalo entre a passagem das duas paredes de vento e chuva e em que se permanece no cone do furacão. “A sensação de vazio absoluto, sem luz, sem som, de total ausência, é impressionante. Na manhã seguinte, o cenário de devastação era indescritível. À chegada ao aeroporto de Lisboa tive direito a entrevista no telejornal e tudo!”.
N.N.