
Natural das Caldas da Rainha, Rita Marques tem 26 anos e está a dar cartas no mundo da música clássica, como soprano. Com várias actuações no país e no estrangeiro, a jovem prepara-se agora para abraçar um novo desafio: frequentar o Centre de Perfeccionament Plácido Domingo, em Valência (Espanha), que é uma referência na área da ópera.
Pelo meio continuará a fazer espectáculos e diz que está disponível para voltar a Portugal, especialmente à sua terra, onde apenas deu um concerto e a expensas próprias.

Actuar no Palau de les Artes Reina Sofia, em Valência, é um sonho que Rita Marques vê como uma possibilidade cada vez mais real desde que sabe que foi selecionada para integrar o selecto centro de aperfeiçoamento Plácido Domingo, também naquela cidade espanhola. A jovem caldense é, aliás, a única portuguesa que este ano conseguiu integrar o grupo de 17 cantores que foram admitidos, depois de feitas as audições onde participaram artistas de mais de 30 países de todo o mundo.
A cereja no topo do bolo foi ter cantado para o tenor Plácido Domingo, que era um dos elementos do júri na final da seleção. Uma responsabilidade acrescida porque ele “é um dos grandes que ainda está no activo”, diz a jovem que quer chegar à sua idade (75 anos) e fazer tudo o que ele ainda faz.
Olhando para trás, Rita Marques não sabe bem quando tudo começou pois sempre se lembra de cantar. Ainda assim, retém na sua memória a participação nos Cavaquinhos e nos Sons da Vida, grupos em que era sempre o elemento mais novo. Aos nove anos começou a participar em festivais da canção infanto-juvenis pelo país inteiro, interpretando as composições do também caldense Manuel Miguel. Foi assim durante cerca de sete anos. Uma “escola incrível”, que Rita Marques recorda com carinho, não só pelo à vontade que lhe deu em palco, como pelas amizades e conhecimentos que possibilitou.
Entretanto, aos 10 anos, começou também a frequentar a Banda Comércio e Indústria, onde aprendeu solfejo. É que antes tocava cavaquinho, bandolim e cantava, mas era tudo de ouvido e não sabia “nada de música”. Foi também na banda, de onde teria que sair aos 15 anos por incompatibilidades de horários, que aprendeu a tocar clarinete.
Por esta altura já andava também no Coro Infantil de Óbidos e entrou depois no coro Alma Nova, onde aprendeu canto clássico. E é lá que descobre que é isso que quer continuar a cantar.
As primeiras actuações que faz com este coro (que tal como o infantil era dirigido pelo maestro obidense Pedro Filipe) são durante as celebrações da Semana Santa e chega mesmo a fazer alguns solos. A paixão pela música leva-a a entrar no Conservatório Nacional aos 17 anos, repartindo o tempo com as aulas na Escola Secundária Raul Proença, onde fazia o 12º ano em Ciências e Tecnologias.
“Estudei muita formação musical no autocarro durante as viagens que fazia, à quinta-feira para Lisboa”, recorda Rita Marques, que conseguiu terminar o secundário e entrar em Radiologia, na Escola Superior de Tecnologia da Saúde, em Lisboa. Ainda fez o primeiro ano da faculdade, mas depois congelou a matrícula. “Foi uma opção difícil”, reconhece a jovem que gostava muito das duas áreas, mas a música acabou por vencer e hoje em dia vê que “foi uma boa opção”.
Falta oportunidades aos cantores líricos
Os anos de 2009 e 2010 foram de grandes mudanças. Com 19 anos entrou no Coro Gulbenkian (que só agora deixou para ir morar para Espanha) e tem participado em quase todos os programas, conhecendo um vasto repertório, maestros e cantores e fazendo digressões internacionais, o que lhe deu uma “bagagem enorme”. Através da Gulbenkian, conseguiu também entrar na European Network of Opera Academies e, através dessa rede de academias de ópera, tem feito workshops em Portugal e no estrangeiro.
“Foi muito bom para a minha própria desenvoltura e desenvolvimento”, disse à Gazeta das Caldas.
Entre 2010 e 2013 tira a licenciatura na Escola Superior de Música e nos últimos três anos Rita Marques tem investido na sua carreira, com a participação em concertos, alguns deles a solo. O ano passado estreou-se no Brasil, em Minas Gerais, onde fez alguns concertos, enquanto que a sua estreia numa grande produção de ópera decorreu em finais de Abril, na Bélgica, com a participação na “Flauta Mágica”, de Mozart.
“Acredito que é isto que gosto de fazer, mas não sei o que vai ser o meu futuro, vou construindo-o passo a passo”, conta. Rita Marques reconhece que esta é uma profissão difícil, sobretudo em Portugal, “onde há alguns bons cantores, mas que são desconhecidos por falta de oportunidades”.
Em sua opinião, os teatros deveriam apostar mais no canto clássico e em óperas, dando oportunidade aos cantores e divulgando este género musical. “Não se gosta do que não se conhece”, diz, acrescentando que ela própria não gostava de ópera até ter conhecido melhor e perceber toda a história e envolvência que tem.
Trabalhar muito para estar em pleno no palco
Em palco deixa de ser a Rita para ser cada um dos personagens que está a interpretar e assim passar sensações a quem assiste ao espectáculo. O personagem que lhe dá mais prazer interpretar é a Rainha da Noite, da ópera Flauta Mágica. “É um papel especialíssimo para mim, pelos seus agudos, pela caracterização que lhe dá um ar maléfico e, também, porque foi o meu primeiro papel em ópera como solista profissional”, diz, recordando a interpretação que fez, aos 22 anos, com a filarmonia de Gaia no Festival Internacional de Musica de Gaia. Há cerca de dois meses voltou a “vestir a pele” da vilã da história de Mozart, num espectáculo realizado em Mechelen, na Bélgica.
Entre as suas obras preferidas estão também “La Sonnambula”, de Bellini, “Elixir do Amor”, de Gaetano Donizetti, “Don Giovanni”, de Mozart, e o “Diálogo das carmelitas”, de Francis Poulenc. Depois há outras de que gosta, como a “Turandot”, de Puccini, mas que provavelmente nunca irá interpretar pois não é adequada à sua voz.
As óperas são cantadas sobretudo em alemão e italiano, línguas em que Rita é fluente. Mas não só nestas. Fala também francês, inglês e agora está a aprender espanhol, o que a ajuda a memorizar os textos e trabalhar melhor as partituras.
Perfeccionista, confessa que trabalha arduamente antes de estar no palco “em pleno”. Também não descura o descanso e a ingestão de água, mas realça que estes cuidados não se destinam apenas ao bem estar de um cantor lírico, devendo ser comuns a toda a gente. “A nossa voz reflecte tudo o que sentimos, de bom e de mau, por isso é importante estarmos bem, física e psicologicamente”, refere, adiantando que vive num “stress bom”.
No pouco tempo livre que tem gosta de ouvir jazz, ópera e alguma música portuguesa.