“A macrocefalia dos projectos teatrais em Lisboa e Porto continua em Portugal”, diz Rui Viera Nery

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Rui Vieira Nery e Fernando Mora Ramos num final de tarde dedicado às políticas culturais | Natacha Narciso
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“A ideia de que os produtos culturais surgem por obra e graça do Espírito Santo, sem necessidade de existirem estruturas de produção, é algo que é uma utopia”. A frase é de Rui Vieira Nery e foi proferida na conferência que teve lugar a 17 de Setembro, nas instalações do Teatro da Rainha. A plateia da sala estúdio encheu-se para escutar o académico que acredita no programa cultural do actual governo e espera que o primeiro-ministro António Costa mantenha a promessa de aumentar o financiamento nas áreas do património e da criação artística em 2017.

Para Rui Vieira Nery é utópica a existência de produtos culturais sem apoiar estruturas de criação. Dando como exemplo o Teatro da Rainha, o convidado explicou que os apoios devem ser continuados no tempo para que possa haver projectos pensados e que estes possam circular pelo país. “Não se pode apostar apenas em projectos pontuais”, disse o convidado.
No entanto, o investigador cultural considera que estas estruturas não podem ser estanques. As companhia e projectos  culturais  “têm que  ter objectivos, ter metas e têm que ser avaliados”, disse Rui Vieira Nery. E se estas estruturas não cumprirem o que se propuseram, podem ser substituídas por outros projectos.
O também ex-secretário de Estado da Cultura do governo de António Guterres (1995-1997), considera que o Teatro da Rainha “é um projecto de grande qualidade, com gente muito bem preparada à frente”.
O convidado mostrou-se conhecedor do projecto de construção da sede do grupo pela autarquia caldense. “Espero que haja, por parte do poder central, a compreensão da importância deste projecto e do carácter exemplar do seu espaço em relação a outros do país”, disse.
Para Rui Viera Nery continua a existir “uma macrocefalia de concentração dos projetos teatrais em Lisboa e no Porto e por isso é um privilégio ter uma companhia teatral desta qualidade num local onde não há mais alternativas”. Razão pela qual entende que o projecto da sede do grupo “deve ser acarinhado e encorajado”.
O convidado, que dirige o Programa Gulbenkian de Língua e Cultura Portuguesas, conhece bem o CCC e o contexto em que este foi construído, no final dos anos 90. Naquela altura o país tinha um défice de locais para a realização de eventos culturais e contou com verbas suplementares da UE para colmatar essa falta. Estas permitiram a construção de uma rede de equipamentos que veio substituir a anterior, composta por cine-teatros “que estavam a cair aos bocados” e de velhos teatros do século XIX “também em ruínas”. O CCC, que custou 18 milhões de euros, abriu portas em 1998. “É uma sala extraordinária e justifica-se que tenha um funcionamento regular”, caso contrário, “estamos a desperdiçar o que se gastou no investimento inicial”, disse o orador.
Se o CCC tem capacidade de apresentação de eventos que excede a população do concelho caldense, “então tem que ter uma programação com capacidade de atrair gente de outros concelhos vizinhos para as suas realizações”. Desta forma, o centro cultural pode até “ser um factor importante de promoção do município”, disse Rui Vieira Nery.
De qualquer forma acha que este equipamento deve ter uma equipa “que faça uma programação contínua que crie hábitos culturais na população”. Na sua opinião, o Teatro da Rainha poderia até  ser um parceiro importante nessa dinamização, não só fazendo actuações pontuais, como “entrando numa rede com outros projectos similares do país que poderiam alimentar equipamentos como o CCC”.
Se houver trocas entre os centros de produção espalhados pelo território, passaremos a dispor de uma maior capacidade de oferta de espectáculos e “todos os grandes espaços poderão passar a beneficiar disso”, disse o convidado.
Mais dinheiro para a Cultura em 2017
Vieira Nery considera que o programa para a Cultura do actual governo “diagnostica bem a situação e propõe linhas de intervenção boas e bem pensadas”. O musicólogo acha que é muito reduzida  a dotação orçamental destinada à pasta da Cultura (0,5% do Orçamento de Estado) pois inclui a RTP. Sem a televisão pública, o orçamento para o sector desce para os 0,2% e é esta que não tem permitido a aplicação do programa governamental, “apesar dos esforços do actual ministro Castro Mendes”, disse o convidado. No entanto, à Gazeta das Caldas, no final da conferência, Rui Vieira Nery afirmou que estava “optimista” com o recente discurso do primeiro-ministro António Costa que se comprometeu em dar um reforço significativo nas áreas do património e da criação artística em 2017. “Esta conjugação de um bom programa e de mais meios pode garantir uma intervenção importante do governo na área da cultura”, rematou.

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