“No estrangeiro, há quem estude português depois de um espectáculo de fado”

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Gazeta das Caldas

fado“O Fado. Do Estado Novo ao Estado de Graça” foi o tema da palestra de mais uma sessão 21 às 21, organizada pelo Movimento Viver o Concelho (MVC) na passada quarta-feira, 21 de Outubro. A convidada Isabel Veloso, doutoranda em Estudos Literários, Culturais e Interartísticos, percorreu a história do fado, das origens à actualidade. Contudo, e talvez por a hora do jogo do Benfica ter coincidido com a da conferência, ou por este tema ter fugido à política e economia, a sala da Junta de Freguesias Nª Sra. Do Pópulo, Coto e S. Gregório encontrou-se menos cheia do que é habitual.
Silêncio, que se vai cantar o fado. Esta expressão, ainda que ninguém tenha cantado, esteve presente durante a sessão, pois Isabel Veloso fez questão de presentear a audiência com várias músicas, alusivas a diferentes épocas do fado. A primeira – e de boas-vindas – foi o tema “Com que voz”, de Amália Rodrigues. Estava assim o público ambientado à matéria da palestra.
O fado-fado, que também podemos chamar de fado castiço ou tradicional, faz-se acompanhar do fadista, da guitarra portuguesa, da viola de fado e, nalgumas situações, do baixo, dividindo-se em três vertentes: o fado menor (triste e melancólico, considerado o pai dos fados), o fado corrido (mais alegre) e o fado mouraria. Em todos eles, esclarece a convidada, “o fadista pode estilar”, ou seja, “demorar o tempo que entender numa determinada sílaba, dando-lhe os tons que entender”. É por isso que, assegura Isabel Veloso, mesmo que este fado seja cantado vinte vezes, pode soar de vinte maneiras diferentes.
Recuando até às origens do fado, encontram-se diversas teorias, explica Isabel Veloso – desde “árabes, brasileiras ou portuguesas”. Contudo, em todas elas há um ponto comum: os bairros de Mouraria e Alfama, em Lisboa, foram o berço do fado.
Nos seus primeiros anos, em oitocentos, o fado não entra directamente nos meios socialmente mais elevados. Pelo contrário, as tabernas e os espaços marginais são os primeiros ambientes onde esta música ganha forma. “O fado era triste, falava da saudade e da morte, acabava por ser o espelho da sociedade muito desigual que existia na altura”, adianta Isabel Veloso. A primeira figura de cantora de fado foi Maria Severa, que se distinguiu também por ser a primeira mulher a tocar guitarra portuguesa.
Fazendo um pequeno salto até à época do lápis azul, Isabel Veloso conta que Salazar via no fado uma ferramenta de aproximação ao povo, não fosse esta uma canção popular, mas impôs desde logo algumas exigências. “Os fadistas tinham que possuir carteira profissional e todas as letras e composições eram escrutinadas”, revela, acrescentando que, durante o regime, o fado passava uma mensagem conformista. Exemplo disso é a música “Casa Portuguesa”, de Amália Rodrigues, que o público teve oportunidade de ouvir: “A alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar e ficar contente”, ilustra a primeira estrofe. Também por esta altura começaram a surgir as típicas casas de fado, que até já publicavam pequenos anúncios nos jornais, convidando as famílias a assistir aos espectáculos.
E porque não se pode falar de fado sem mencionar Amália Rodrigues, Isabel Veloso descreveu-a como a “grande revolucionária” e a responsável pela consolidação do fado como canção nacional. De Carlos do Carmo ouviu-se o tema “Um homem na cidade”, um fado que fala sobre a “liberdade de poder ser e dizer”, após a revolução dos cravos.
A cara da nova geração de fadistas é Mariza, de quem se escutou “Oh gente da minha terra”. Hoje, o fado já saiu das casas típicas de Lisboa para os grandes palcos, incluindo os internacionais. Lá fora, conta Isabel Veloso, há mesmo quem estude português depois de ter assistido a um espectáculo de fado, para depois vir a Lisboa e ouvi-lo mais uma vez.

O famoso fado de José Malhoa
Pintado em 1910 por José Malhoa, “O Fado” é um quadro baseado nos modelos reais do bairro da Mouraria, e que rapidamente alcançou consagração popular, embora tenha sido alvo de duras críticas entre artistas da altura, uma vez que o fado era desprezado pelas classes mais altas. Em Portugal só foi exposto em 1917, depois de ser apresentado por vários países no mundo. Actualmente pode ser visitado no Museu da Cidade, em Lisboa.

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