Rancho Folclórico e Etnográfico do Reguengo da Parada

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Gazeta das Caldas
O Rancho Folclórico e Etnográfico “Vale Choupinho” é o único da freguesia de Santa Catarina |DR

“Para sobrevivermos só dependemos da vontade dos nossos elementos. Não dependemos dos subsídios.”

No dia 1 de Novembro de 1989 nasceu o Rancho Folclórico e Etnográfico do Reguengo da Parada. Logo de início, uma das metas que o grupo queria cumprir era a filiação na Federação de Folclore Português. Conseguiram-no seis anos depois, em 1995. Desde então têm actuado de norte a sul do país, já estiveram nos dois arquipélagos portugueses, em Espanha e França.
Hoje sobem ao palco com 40 elementos, dos três aos 70 anos, e descrevem-se como um grupo familiar e unido.

Praticamente todos os elementos que actualmente compõem a direcção do Rancho Folclórico e Etnográfico do Reguengo da Parada estiveram na génese do grupo. Este surgiu graças a José Baltasar, 58 anos. “Foi ele quem teve a ideia e depois todos nós ajudámos”, explica Joaquim Foz, responsável do rancho, recordando que na altura os dois amigos já dançavam noutro grupo do concelho. “Tínhamos alguma experiência, uns cinco anos, por isso decidimos que estava na hora de fundar um rancho no Reguengo”, acrescenta.
O sonho de entrar para a Federação do Folclore Português acompanhou-os desde o início. Foi, aliás, este o ponto de partida que incentivou o grupo a trabalhar com rigor logo a partir da sua fundação, em 1989. Reuniram-se com a população mais idosa da aldeia para saber ao pormenor quais eram as tradições daquela localidade desde finais do século XIX até princípios do século XX (mais ou menos até 1910, ano de implementação da República). Recolheram os cantares, as danças e as formas de vestir daqueles tempos, contando inicialmente com a ajuda do acordeonista, um senhor já com uma certa idade que durante muitos anos percorreu os bailaricos da região com o seu acordeão às costas. Ia de bicicleta.

La Salete recorda que a principal dificuldade não foi ensinar os elementos do rancho a dançarem, mas sim concluir toda a pesquisa que a Federação exige. “É que saber dançar nós sabíamos, porque há 28 anos toda a gente da aldeia ia aos bailes e os mais novos desde cedo aprendiam com os mais velhos”, conta.
Nem todos os grupos de folclore dão importância à Federação, mas no caso do Reguengo atingir essa meta sempre foi um objectivo. Conseguiram alcançá-la em 1995, cinco anos após a primeira actuação, que se realizou na festa de Maio, junto à capela da aldeia. Para Joaquim Foz, entrar na Federação foi como subir à “primeira liga”, fazendo uma comparação com os clubes de futebol.
“Para podermos ir a bons festivais e convidarmos os melhores grupos para o nosso festival de folclore é preciso pertencermos à Federação. Isso não quer dizer que ranchos que não sejam federados não tenham qualidade, mas para nós é importante”, explica o responsável, realçando que muitos grupos não ponderam pertencer à Federação porque não querem modificar a forma como dançam. Isto é, não querem deixar de dançar rápido, embora esse ritmo não seja o mais representativo de como o povo bailava antigamente.
Há ranchos da nossa região que dançam o Corridinho, embora esta moda seja do Algarve, outros que incluem o Malhão no seu repertório, embora este seja típico do Minho. “É preciso respeitar uma série de regras e nem todos estão para isso, até porque somos visitados por uma comissão técnica todos os anos que avalia o nosso grupo”, acrescenta Joaquim Foz, que acredita que a aposta na etnografia é o futuro dos ranchos folclóricos.

APOSTA NA ETNOGRAFIA

No rancho do Reguengo da Parada cada um dos elementos sabe bem a figura-tipo que representa em palco. Assim que entra uma nova pessoa, é-lhe explicada a história do seu traje e em que contexto este era utilizado.
Há desde o ceifeiro, o vendimeiro, o trabalhador da eira, o moleiro, a lavadeira, o capataz, o criador de gado, o casal rico e os noivos. Há também uma pessoa que representa quem ia à apanha do limo (uma atividade que agora voltou a estar em força, mas que antigamente servia para trazer dinheiro extra para casa). Este último traje é típico do rancho do Reguengo porque mais nenhum grupo do concelho está situado tão perto do mar, não sendo a apanha do limo uma tradição sua.
Joaquim Foz explica que em todas as actuações o grupo inclui quadros etnográficos que valorizam o espectáculo. “Temos uma senhora a joeirar o feijão e o trigo, outra a desfiar maçarocas de milho [era com essa palha que se enchiam antigamente as almofadas], outra a entrançar as cebolas”, refere.
Além disso, em todos os festivais de folclore que organiza, o Rancho do Reguengo faz questão de montar uma pequena exposição em frente ao palco, onde reúne todo o tipo de utensílios que caracterizam a época que representam. Um sonho deste grupo era mesmo conseguir recuperar um espaço antigo que pudesse ser transformado num pequeno museu onde ficasse exposto todo o património do rancho. Do carro de bois à foice.
Para os seus festivais, o rancho convida outros grupos que já sabe que também investem na componente etnográfica. Isso não só acrescenta qualidade como é um factor que o público valoriza. “O ano passado recebemos “As Paliteiras de Chelo” (Penacova), um grupo que recriou a arte de fazer palitos e mostrou como é que se vendia pão antigamente, com o padeiro a apregoar em cima de uma bicicleta”, exemplifica La Salete. Na sua opinião, uma plateia entendida em folclore dá mais valor a um rancho que dance mais lento mas que traje a rigor e dance apenas aquilo que é típico da sua região, do que a um grupo que até pode dançar muito rápido mas não se preocupa com os detalhes.

MAIS ADULTOS QUE JOVENS

Os jovens que em 1989 formaram o rancho do Reguengo são hoje adultos. “A nossa estrutura de bailadores mantém-se graças aos elementos mais velhos, porque os jovens dançam durante algum tempo mas depois vão-se embora, na maioria”, diz Joaquim Foz, frisando que hoje em dia é muito difícil chamar a juventude para este tipo de actividade.
“No nosso tempo até era uma forma de namorarmos, mas agora é tudo muito diferente”, acrescenta o responsável, que diz que acontece com os ranchos mais ou menos aquilo que aconteceu aos campos de futebol das aldeias. “Antigamente, os campos estavam sempre ocupados aos domingos com jovens a jogar à bola, agora estão completamente abandonados porque os mais novos já não brincam na rua”, lamenta.
Embora Reguengo da Parada seja uma localidade pequena, com cerca de 300 habitantes, Joaquim Foz elogia o carinho que o rancho recebe da população. Carinho esse que também é notado pelos grupos convidados a participar no festival, porque os lugares do público mantêm-se ocupados do princípio ao fim do evento. “O ano passado estivemos em Ílhavo, uma cidade, e o festival de lá teve menos gente a assistir que o nosso”, nota Joaquim, que acredita que se o seu rancho dançasse todos os meses no salão da Associação Desportiva e Recreativa do Reguengo da Parada, tinha sempre sala cheia.
Na segunda actuação do grupo, quando estavam de partida para o Algarve, juntou-se um mar de gente à volta do autocarro para se despedir com lenços brancos. É que na altura, anos 90, ir visitar o sul do país era algo extraordinário e pouco acessível à maioria das pessoas das pequenas localidades.
“Mesmo os nossos elementos mais viajados só conheceram certos sítios porque foram em actuações com o rancho”, afirma Joaquim Foz, contando que já visitaram pequenas aldeias como Piódão ou Paderno, mas que também já saíram do país (Espanha, França, Madeira e Açores).
Quando eram mais jovens – e tinham mais tempo e menos responsabilidades – os elementos do rancho organizavam-se de forma a fazerem passeios turísticos sempre que calhava actuarem longe de casa. Eram excursões de vários dias, à Madeira, em 2000, foram mesmo 10.
“Agora é mais difícil porque há muita gente que trabalha ao fim-de-semana. Por outro lado, já visitámos muitos sítios, portanto perdeu-se o factor da novidade”, reconhece Joaquim Foz.
Se nos primeiros anos o rancho aceitava fazer 30 actuações durante o Verão, hoje é capaz de aceitar no máximo 12. Estão mais selectivos, até porque os recursos financeiros não permitem que estejam sempre a suportar as despesas com as deslocações.

“NÃO PRECISAMOS DE SUBSÍDIOS PARA SOBREVIVER”

Da Câmara recebem 450 euros de subsídio anual, da Junta de Freguesia 500 euros. “Dinheiro que nem chega para pagar o nosso festival de folclore, quando sabemos que há munícipios, principalmente no Norte, que suportam na totalidade do custo destes eventos”, refere Joaquim Foz, defendendo que a autarquia deveria apoiar os ranchos do concelho com  diferentes valores, consoante o plano de actividades que estes apresentem.
Apesar disso, o responsável acrescenta que o grupo não depende do apoio autárquico para sobreviver: “depende sim da vontade das pessoas que o compõem, porque se for preciso virar o mundo do avesso para arranjar dinheiro, nós assim o fazemos”.
Mas como o Rancho do Reguengo não sente da Câmara o suporte que considera merecido, também não retribui ao munícipio a sua presença em certas iniciativas. As Tasquinhas da Expoeste são um exemplo. “Não participamos há seis anos, porque da última vez éramos para actuar às 22h, subimos ao palco à meia noite e apagaram-nos as luzes porque já era hora de encerrar as portas”, criticou Joaquim Foz, lembrando que os ranchos que actuam neste evento o fazem de borla.

28 anos de história…

1 de Novembro de 1989: Criação do Rancho Folclórico e Etnográfico do Reguengo da Parada.
Maio de 1990: Primeira actuação do Rancho, na festa em honra da Nª Sra. da Guia, no Reguengo da Parada.
1995: Filiação na Federação do Folclore Português.
1996: Primeira internacionalização: o rancho actua em Espanha.
1999: Gravação de CD e cassetes.
2001: Actuação nos Açores.
2000 e 2006: Actuações na Madeira, a propósito da participação na Semana Europeia de Folclore e no Festival da Ponta do Sol (com transmissões para a RTP Internacional e RTP Madeira).
2008: Actuação em França.