Pode parecer que são de mármore, bronze, ou pedra. E estão tão quietas que parecem mesmo estátuas. Mas são de carne e osso. As estátuas vivas são uma performance artística cada vez mais comum e encontram-se nas ruas das principais cidades ou onde haja ajuntamentos. Óbidos é um local bastante procurado por estes artistas, mas em Santa Cruz (Torres Vedras) realiza-se todos os anos um festival de homens estátua.
Uma figura em forma de árvore, com raízes e tronco castanho, preenchido de folhas verdes, chama a atenção de quem se aproxima da Porta da Vila. Para os mais apressados trata-se de uma estátua, mas os mais atentos podem aperceber-se que o “boneco” por vezes move lentamente os seus ramos e agradece cada vez que um transeute deixa uma moeda.
Hugo Lembe, ou o Senhor Árvore tem 33 anos e faz de estátua viva desde 2010, mas já antes fazia animação nos eventos de Óbidos. Foi exactamente uma personagem da Vila Natal – o duende – que o inspirou a criar a personagem que relaciona as pequenas criaturas com a floresta.
O traje de árvore foi feito por ele próprio através de um processo de tentativa-erro, conta à Gazeta das Caldas. Hugo Lembe viu város documentários sobre natureza e contou com dicas de amigos para esta indumentária, que fez em pasta de papel em cima de tecido. “Quis fazer um boneco, mas que ao mesmo tempo tivesse elementos de realismo”, diz, acrescentanto que actualmente muitos dos espectadores vão tocar na estátua viva, na dúvida se esta será mesmo viva.
O jovem, que actualmente reside no Bombarral, demora cerca de uma hora a desenhar as raízes nas mãos e na cara, e nos olhos coloca lentes de contacto verdes. “Os sapatos são raizes, que funcionam como base e uma separação entre a personagem e o meio envolvente”, explica, realçando que o personagem é associado aos filmes “Senhor dos Anéis” e “Guardiões da Galáxia”, e a toda a mística dos duendes e da floresta.
Durante a sua performance, de cerca de três horas, o Senhor Árvore interage com as pessoas, não fica sempre imóvel. Antes e depois de cada performance, Hugo Lembe faz alongamentos e tenta relaxar. Também faz exercício com regularidade e tenta dormir bem, de modo a conseguir permanecer calmo e, ao mesmo tempo, desperto para tudo quanto se passa à sua volta.
A sazonalidade do turismo em Óbidos levou-o, por volta de 2014, a tentar a sorte em Lisboa, actuando na Rua do Carmo e na Rua Augusta. Acabaria por regressar à vila medieval e por ali se pretende manter, regularmente, até finais Outubro. Quem mora em Óbidos ou ali trabalha, já o conhece e, quando não o vêem a actuar, depois vêm-lhe perguntar se está tudo bem, pois notaram-lhe a ausência.
Entre os turistas, muitos metem conversa com o jovem e outros oferecem-lhe bolos ou até uma ginginha. Quase todos querem tirar fotografias com a estátua. Mas o próprio artista também já foi surpreendido com a visita de figuras célebres a Óbidos, com foi o caso da actriz brasileira Glória Meneses, com quem Hugo Lembe pediu para tirar uma fotografia.
Já foi objecto de documentário, do jovem realizador André Pereira (das Gaeiras) e de uma tese académica sobre a interacção das pessoas com as estátuas humanas.
Hugo Lembe já participou no concurso de Espinho e prepara-se agora para ir à Holanda, em inícios de Outubro, participar num compeonato mundial de estátuas vivas.
Um personagem medieval
O enigmático Médico da Peste provoca as mais variadas reacções aos transeuntes que chegam a Óbidos para uma visita |DR
- publicidade -
A poucos metros do Senhor Árvore, e já dentro da Porta da Vila, pode-se encontrar o Médico da Peste, um personagem interpretado por Filipe Pereira, de 40 anos, natural de Lisboa e residente nas Caldas da Rainha. Há cinco anos e meio que o artista dá vida a esta figura sinistra, toda vestida de preto e com uma máscara com um bico que se assemelha à cabeça de uma ave. Quem estará por detrás da máscara é a pergunta que passa pela mente de todos quantos se cruzam com esta intrigante estátua viva. “Queria um personagem que tivesse a ver com a época medieval e se identificasse com o cenário magnífico da vila de Óbidos. Por outro lado, que fosse fora do comum, original e, de certo modo que provocasse reacções nas pessoas, e isso penso que consegui”, resume Filipe Pereira.
À Gazeta das Caldas, o artista recordou que sempre gostou de vários tipos de arte e que quis experimentar este contacto mais directo com o público, nomeadamente com turistas de toda a parte de mundo. O desafio tornou-se “viciante” e, para lhe dar resposta, teve que aprender línguas, e agora fala sete diferentes.
O Médico da Peste costuma estar em Óbidos diariamente, durante o período da manhã. As reacções à performance são as mais variadas, mas sobretudo de curiosidade sobre a história daquele personagem tão enigmático. E, no final, o “público sai sempre com um sorriso e boa disposição depois da interacção comigo”, conta o artista, que também costuma abordar os visitantes.
Para além da performance artística que faz em Óbidos, Filipe Pereira já participou em filmagens para a televisão nacional e alguns canais estrangeiros. Recentemente integrou o videoclip da cantora Rebeca e também numa publicidade sobre material fotográfico para a Coreia do Sul.
Isto é arte, não é mendicidade
Aurora, a performance de Sandra Gomes, foi uma das vencedoras do concurso este ano em Santa Cruz |Fátima Ferreira
Ainda há quem confunda este tipo de arte com mendicidade e os artistas que se dedicam a esta prática por vezes são classificados como iletrados, preguiçosos, malandros… Sandra Gomes, 35 anos, é licenciada em Língua Portuguesa pela Universidade de Lisboa e actua como estátua viva desde há 16 anos. Preocupa-se em combater o preconceito que ainda existe em algumas pessoas sobre a arte do imobilismo.
Sandra Gomes é uma das participantes do concurso de estátuas vivas que todos os anos se realiza em Santa Cruz (Torres Vedras).
À Gazeta das Caldas conta que os seus amigos estátuas são também licenciados e que o trabalho que apresentam em concursos, festivais e outros encontros acabam por reflectir essa formação académica, cultural e até familiar.
Entende que seria bom que mais autarquias investissem neste tipo de eventos para que o preconceito fosse sendo extinto e mais pessoas tivessem contacto com este género de arte, que não pode ser vista em museus ou galerias, mas somente na rua. Diz que a arte não tem que estar entre quatro paredes e considera que a “rua é um palco por excelência e o espectáculo ali realizado é de extrema beleza”.
Quando questionada se o termo homem-estátua se lhe aplica por ser mulher, diz que sim e que gosta particularmente pois entende-o como referindo-se à Humanidade que engloba homens e mulheres. Residente em Almada, Sandra Gomes concilia este hobby com o trabalho de auxiliar de acção educativa num colégio privado em Lisboa.
Durante estes anos tem criado estátuas que recriam a fantasia, que retratam personagens e figuras de época, ou ainda outras, mais abstratas, que pretendem fazer o espectador reflectir. São criações suas uma gueixa japonesa, um cisne negro, uma costureira antiga, uma senhora inglesa a tomar o chá das 5, uma pasteleira de cupcakes, duas personagens a emergir de uma rocha ou um par de dançarinos. Esta última, denominada Aurora, foi criada de raiz para o concurso deste ano de Santa Cruz e que acabou por arrecadar o prémio do júri (um dos dois primeiros prémios deste concurso a par do do público).
Sandra Gomes, que participa no concurso de Homens Estátua de Santa Cruz desde a sua primeira edição, considera que têm crescido juntos, “eu como artista e eles como organização” e que ao longo dos anos foram afinando os pormenores que tornaram o evento melhor. A artista realça o carácter familiar do evento e a estreita interacção com o público. “Todo o tempo despendido em idealizar e depois materializar a estátua compensa quando ouvimos: “Viemos vê-la!”, “Está fantástica!”, reconhece.
A performer também tem participado noutros eventos, entre eles o Concurso Internacional de Estátuas Humanas de Leganés, em Madrid.
Na sua opinião, este género de arte é importante porque “exige” que as pessoas parem um pouco das correrias loucas do dia a dia e apreciem a quietude, a criatividade, a originalidade e a beleza das performances. “Queremos transmitir que há e pode haver uma obra de arte em cada esquina, mas para vê-la é preciso parar, desacelerar um pouco”, contou à Gazeta das Caldas.
Também Carlos Ferreira, de 31 anos, natural de Espinho, marcou presença neste evento, que decorreu entre 21 e 26 de Agosto, nas principais ruas da localidade do concelho de Torres Vedras.
O jovem, orçamentista de profissão, faz desta arte um hobby. Começou a participar nestes concursos há 10 anos, em Espinho e, logo nessa altura foi premiado, com o “Encurralado”, um personagem que estava meio preso num bloco de mármore. Dois anos depois começou a vir para Santa Cruz e tem continuado a participar no evento, cada ano com novas personagens, de preferência sempre ligadas à História.
Este ano trouxe o seu já conhecido Fernando Pessoa e estreou uma nova estátua, denominada “Beijar a mão real”, onde reproduz parte da história de Pedro e Inês. “A figura de Inês é um esqueleto e tive algum receio das reacções, mas as pessoas gostaram bastante”, disse o artista, que também se transforma em D. Afonso Henriques, Eça de Queirós, ou D. João V.
Carlos Ferreira costuma ir a outros países para participar em eventos artísticos, ver novas técnicas e as inovações que estão a ser feitas na área e salienta que há alguns, como a Bélgica, Holanda ou Israel, onde aparecem multidões quando estes artistas fazem as suas apresentações.
A garrafa de água está sempre por perto e, antes de cada actuação, Carlos Ferreira faz alongamentos e treina a respiração.
Concurso junta dezenas de artistas e milhares de visitantes
Carlos Ferreira a actuar como Fernando Pessoa, a sua personagem preferida |Fátima Ferreira
Nesta 11ª edição do Static participaram 25 concorrentes (o número máximo), a maior parte do Norte do país. Durante cinco dias, os artistas mostraram as suas performances na Rua José Pedro Lopes, perante milhares de pessoas que ali se dirigiram. Alguns apresentam a sua criatividade individualmente e outros em conjunto, em peças que podem ter até quatro elementos.
Durante este período há um juri, composto por três pessoas, que avalia as criações, assim como o público, que também escolhe os vencedores, que são conhecidos no último dia do evento. São atribuídos dois primeiros prémios (um pelo júri e outro pelo público) no valor de 500 euros, e quatro menções honrosas, de 125 euros cada.
A Câmara de Torres Vedras, que organiza o evento, garante o alojamento dos participantes e paga-lhes, diariamente, 100 euros ou 200 euros (no caso de mais do que uma pessoa).
Este website utiliza cookies para que possamos proporcionar ao utilizador a melhor experiência possível. As informações dos cookies são armazenadas no seu browser e desempenham funções como reconhecê-lo quando regressa ao nosso website e ajudar a nossa equipa a compreender quais as secções do website que considera mais interessantes e úteis.
Cookies Necessárias
As Cookies Necessárias devem estar sempre ativadas para que possamos guardar as preferências do utilizador relativamente às definições de cookies.
Se desativar este cookie, não poderemos guardar as suas preferências. Isto significa que, sempre que visitar este sítio Web, terá de ativar ou desativar novamente os cookies.
Cookies de Terceiros
Este website utiliza o Google Analytics e o Echobox para recolher informações anónimas, como o número de visitantes do sítio e as páginas mais populares.
Manter este cookie ativado ajuda-nos a melhorar o nosso sítio Web.
Por favor, active primeiro os cookies estritamente necessários para que possamos guardar as suas preferências!
Cookies de Marketing
Este site usa as seguintes cookies para analisar como é que utiliza o site para o podermos melhorar:
Microsoft Clarity
Por favor, active primeiro os cookies estritamente necessários para que possamos guardar as suas preferências!