A 8 de Dezembro decorreu no posto de turismo das Caldas, a sessão de lançamento do livro “Novos Emigrantes – O Oeste nos Quatro Cantos do Mundo”. Na mesma sessão foi também apresentada a obra “Almaraz e outras coisas más”, que reúne testemunhos de 30 autores que participaram na luta anti-nuclear em Portugal.
As duas obras foram editadas pela Gazeta das Caldas e decorreram numa sessão de alguma emoção onde emigrantes e pais partilharam as suas experiências de viver longe daqueles que mais gostam.
“Portugal foi sempre um país virado para o exterior. Os portugueses sempre foram um povo de emigrantes, mesmo quando, disfarçados de colonizadores, povoaram territórios em vários continentes na época dos Descobrimentos”. Foi desta forma que Carlos Cipriano, director adjunto da Gazeta das Caldas iniciou a sua intervenção, após ter afirmado que eram os jovens emigrantes que deveriam ali estar a apresentar o livro pois foram eles que o escreveram. Estes jovens integram uma terceira grande vaga de emigração portuguesa, depois de uma primeira para o Brasil em finais do século XIX, e de uma segunda nas décadas de 60 e 70 do séc. XX para a Europa (sobretudo para França).

Esta última, que se registou nos últimos 17 anos, sobretudo no período da Troika, teve como destino “uma Europa já sem fronteiras e, em particular – pelo menos a julgar pelos testemunhos deste livro – o Reino Unido”, afirmou o orador.
Carlos Cipriano, que foi entrecortando a sua intervenção com notas pessoais, disse que se recorda de, na sua aldeia no Bombarral, grande parte dos seus habitantes ter emigrado, entre eles os seus amigos da escola. “Alguns não voltei a vê-los, mas outros são ainda hoje uma espécie de segunda família que tenho na região parisiense, onde sei que sou sempre bem-vindo e onde encontro filhos e netos luso-descendentes que nunca renegaram as suas origens portuguesas”, contou.
Depois de citar José Mário Branco e a canção “Por Terras de França”, salientou também o “Cantar da Emigração”, interpretado por Adriano Correia de Oliveira e o “Ei-los que partem” de Manuel Freire, o diretor adjunto da Gazeta recordou também o filme A Gaiola Dourada, “que tão bem retrata a comunidade portuguesa em França, jogando com todos os clichés e estereótipos que tão bem conhecemos e que foi um êxito, tanto para os portugueses, como para os franceses”.
O orador recordou uma entrevista do economista Álvaro Santos Pereira que contava que entre 2000 e 2011 tinham saído do país para trabalhar no estrangeiro 700 mil portugueses. Advertia então que esta vaga incluía uma fuga de cérebros que, combinada com a baixa natalidade, era uma bomba-relógio para a sustentabilidade da Segurança Social. Só que Álvaro Santos Pereira viria a tornar-se ministro da Economia no governo de Pedro Passos Coelho e, durante o seu governo, a emigração quase que duplicou. “Se até então saíam uma média de 70 mil portugueses por ano, nos anos seguintes, entre 2011 e 2015 passaram a ser 120 mil por ano”, referiu. Segundo o INE, nesse período, emigraram 600 mil portugueses. E é neste contexto que surge Novos Emigrantes – O Oeste nos quatro cantos do mundo.
“Na Gazeta das Caldas achamos que esta realidade era suficientemente vasta e marcante para merecer ser tratada com mais cuidado e durante mais tempo”, contou o orador. Logo surgiu a ideia de convidar jovens da região para dar o seu testemunho nas páginas do jornal sobre a sua experiência, o que foi feito, de forma ininterrupta, durante 74 semanas “num esforço partilhado por todos os que estão nesta mesa, aqui ao meu lado e cuja colaboração agradeço porque foi decisiva”, disse Carlos Cipriano, dirigindo-se aos colegas do jornal.
O perfil do jovem emigrante
E quem são os novos emigrantes? “Na sua maioria, estes jovens são bolseiros de doutoramento, investigadores, engenheiros, enfermeiros, contabilistas. Na área das artes sobressaem os designers e no ramo das Humanidades, os professores de línguas”, afirmou o orador, acrescentando que é pois um perfil bem diferente das anteriores gerações de emigrantes, que “partiram para o estrangeiro com a 4ª classe e sem saber línguas”.
Carlos Cipriano ainda listou mais diferenças: “estes não tencionam amealhar e regressar para comprar uma casa”. Também não têm problemas em se integrarem nos países onde estão e aproveitam a proximidade com outros países para viajar e conhecer outras fronteiras.
Actualmente, a tecnologia facilita-lhes a vida: os telemóveis, o roaming, as redes sociais, o Skype, o Whatsaap, permite a quem está fora um contacto quase permanente com a família em Portugal. “Ao contrário dos “velhos emigrantes” que comunicavam com os seus através de chamadas internacionais caras e difíceis de obter”, recordou.
Estes jovens – que tinham entre 20 a 35 anos quando responderam ao questionário da Gazeta das Caldas – “também já não viajam com malas de cartão nem arrastam os seus haveres em intermináveis viagens de autocarro ou de comboio”. Hoje basta-lhes um trólei ou uma pequena mochila que caiba na bagagem de cabine do voo low cost. “O resto está dentro do PC ou do telemóvel. E o que mais falta fizer compra-se em qualquer centro comercial, que os há com lojas iguais em todas as partes do mundo”, acrescentou.
A “saudade” e a “multiculturalidade”
Entre velhos e novos emigrantes há coisas que não mudam. “Não muda a saudade… É disso prova a quantidade de vezes que a palavra que exprime este sentimento tão português é referida por estes jovens”, disse o orador, explicando que as saudades mais vezes referidas pelos jovens foram as da família, dos amigos, da sopa da mãe ou da avó, do Sol e da Foz do Arelho.
Há também outras expressões que caracterizam estes novos emigrantes: “Uma delas é a palavra multiculturalidade”, disse, sublinhando como o tema é importante em tempos conturbados em que os ódios e a intolerância ressurgem um pouco por todo o lado.
O director adjunto da Gazeta contextualizou o surgimento da rubrica, em 2011, numa altura em que a equipa do semanário estava longe de imaginar que a mesma se iria transformar num livro, “aliás muito bem paginado, pelo que aproveito para agradecer o trabalho da Carla Caiado”, disse. Nessa altura, este semanário enfrentava grandes dificuldades económicas. “Vivíamos então tempos dramáticos, que tinham a mesma origem nos motivos que levaram estes jovens a emigrar – um país em crise, um resgate, um governo que queria ir (e foi) além da troika e que achava que o empobrecimento era um mal necessário para o reajustamento da economia”. Em volta da Gazeta, as lojas fechavam e despareciam anunciantes e assinantes por causa do desemprego “e vimos os raros apoios do Estado à imprensa regional a serem abruptamente eliminados”. Nesse contexto, “procurámos reinventar a Gazeta das Caldas, procurando aproximá-la ainda mais dos nossos leitores e oferecer novos conteúdos com interesse”.
Actualmente, ultrapassados esses tempos épicos, “as dificuldades continuam a ser muitas”. E como tal, Carlos Cipriano apelou, publicamente, a quem assistia que “comprem o nosso jornal, a que se façam assinantes da Gazeta das Caldas”. Fê-lo na qualidade de jornalista, pois só havendo leitores, “só com o vosso contributo, este projecto terá futuro”. Acrescentou também que o semanário só depende dos seus leitores e dos seus anunciantes. Assinar a Gazeta das Caldas é, por isso, no seu entender, “um exercício de cidadania, um contributo singelo para a vivência da democracia na nossa cidade e na nossa região”.