“Europa 39”, textos de Bertolt Brecht, marca o início da temporada do Teatro da Rainha. A peça com encenação de Luís Varela é o espelho de uma Europa à beira da tragédia nazi. É também uma crítica ao estatuto de neutralidade adoptado por alguns países europeus e à postura hipócrita dos países escandinavos durante a segunda guerra.
Está em cena até 11 de Março na Sala Estúdio.
Foi precisamente durante o seu exílio escandinavo que Brecht escreveu “Dansen” e “Quanto custa o ferro?”, as duas principais obras de apoio à peça “Europa 39”. Em 1933 o autor alemão fugiu da Alemanha com a sua mulher – a actriz de origem judaica Helene Weigel – fixando-se na Dinamarca. Cinco anos depois, parte para a Suécia.
Estes dois textos de agitação e anti-propaganda reflectem a forma como Brecht acompanhou os preparativos da Segunda Guerra a partir da Escandinávia, através da rádio e dos jornais. Embora sejam diferentes, as duas pequenas peças têm por base os mesmos factos históricos e personagens. Por isso mesmo, Luís Varela decidiu incluir ambas em “Europa 39”. O encenador acrescentou à dramatização outros materiais – rascunhos de Brecht – que o autor escreveu na mesma altura e que são complementares aos textos principais, mas que não chegaram a ser publicados.
“Quis pôr à vista todas as tentativas artísticas de Brecht em dar o alerta sobre o comportamento hipócrita dos países escandinavos, o que na sua opinião era um problema agudo”, disse Luís Varela.
Durante o conflito provocado pelos nazis, a Suécia manteve um estatuto de neutralidade, mas isso não a impediu de se aproveitar da guerra para fazer bons negócios, principalmente com a venda de ferro. Já a Dinamarca e a Noruega foram ocupadas pelas tropas alemãs, mas contribuíram para o seu esforço militar e com matérias-primas.
A postura destes países é visível ao longo de “Europa 39”, através de personagens tipo que os representam. Principalmente Suecson e Din Marken que assistem com cobardia à “morte” do austríaco que vendia charutos e da checa que tinha um negócio de sapatos. Recusam até uma aliança com os franceses e ingleses para manter a paz, precisamente porque isso seria posicionarem-se contra os alemães com quem faziam bons negócios.
Em toda a peça o espectador apercebe-se da intenção de Brecht em identificar vários governos europeus no pré-guerra, mas em contrapartida a personagem de Hitler surge sempre mais dissimulada. “O objectivo desta encenação é deixar para segundo plano a figura fortíssima de Hitler, despersonalizá-lo, pois mais importante é reter a nossa atenção sobre a atitude hipócrita daqueles países escandinavos”, explicou Luís Varela.
ALERTA À EUROPA DE HOJE
Para o encenador, a principal temática desta peça é “uma Europa que está à beira de uma guerra arrasadora, mas que, ao mesmo tempo, não quer ver a ameaça que se aproxima”. Por considerar que os tempos de hoje são também de inquietação – basta pensar nos avanços da extrema-direita e na eleição de Trump – Luís Varela considera que “Europa 39” pode ser um alerta para a Europa de 2017.
“Temos que saber olhar para as notícias. Somos constantemente bombardeados com acontecimentos sem interesse nenhum que ocultam problemas realmente importantes”, afirmou, realçando que em períodos de crise a imprensa não é inocente.
Às interpretações de Inês Barros, Carlos Borges, José Carlos Faria e Tiago Moreira junta-se um filme que é exibido durante toda a peça e reúne fragmentos reais da segunda guerra. O incêndio de Reichstag, a ascensão de Hitler, o desencadeamento do conflito e os campos de concentração fazem parte desta compilação que foi feita por Nuno Machado. O vídeo serve o propósito de lembrar ao espectador que a narrativa da peça não é ficção. Faz parte da História.
Actriz do Teatro da Rainha ganhou menção honrosa
Isabel Lopes, actriz da Companhia Teatro da Rainha, foi distinguida com uma Menção Honrosa da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro (APCT) pela sua interpretação nas peças “Eu não” e “Cadeira de embalar”, integradas no espectáculo “Dramatículos 2”. Os textos de Samuel Beckett foram encenados por Fernando Mora Ramos, sendo a tradução e a dramaturgia da autoria da actriz, agora distinguida.
A APCT entendeu destacá-la “pela sua excepcional composição de Boca (Eu não) e Mulher sentada (Cadeira de embalar) num registo criativo da personagem que conjugava, de forma subtil, vaidade e recato, quietude e sobressalto”, tal como se pode ler na notícia do Público (15 de Fevereiro) sobre as distinções.
O espectáculo, que estreou em Caldas da Rainha em Outubro passado, fez parte da iniciativa Maratonas de Formas Breves que esteve em Novembro no Convento São Bento da Vitória/TNSJ, no Porto, integrando a reunião da União dos Teatros da Europa/UTE. A peça foi também apresentada no O’Culto da Ajuda, sede da Miso Music Portugal, em Lisboa.