Estreou-se em competição no fisioculturismo com o título de campeã nacional de body shape. Começou na modalidade após um acidente que a deixou 9 meses sem andar e ainda superou uma série de incidentes que lhe colocaram à prova a resiliência
Maggie Carvalho, natural da Nazaré e a residir nas Caldas da Rainha, estreou-se em outubro em competição no fisiculturismo e fê-lo de forma auspiciosa, ao conquistar um título nacional da WABBA Portugal e ao registar o segundo lugar no Nacional Championships Portugal da IFBB. Em dezembro, participou no Hércules Olympia, da WABBA, voltou a vencer a prova nacional e foi medalha de prata na prova internacional, sempre na categoria body shape.
Para qualquer atleta, conquistar um título nacional nas primeiras participações já é incomum, mas a história de Maggie Carvalho é ainda mais impressionante, porque o caminho que a levou até aos títulos foi tortuoso o suficiente para deixar muita gente pelo caminho.
Maggie Carvalho é natural da Nazaré e o desporto sempre lhe correu nas veias. Começou por praticar ténis de mesa e depois futsal, que só interrompeu quando foi para a Madeira. “Ainda fiz alguns jogos pelo Nacional da Madeira, mas como trabalhava fins de semana e feriados, não podia jogar e, como tenho um bocado aquela alma competitiva, treinar e não jogar para mim não dava”, conta. Passou, então, a praticar corrida. Chegou a fazer meias maratonas e trails de 25 kms, até que um acidente de trabalho mudou tudo.
“Tive uma queda na farmácia que me pôs 9 meses numa cama, sem andar. Fraturei a bacia e a S3. Depois houve um mau diagnóstico. Diziam-me que iria envelhecer muito mais precocemente e ficar dependente muito cedo. Consultei neurocirurgiões lá na ilha, em Coimbra, Porto e Lisboa, nunca aceitei aquilo”, conta. Foi uma fase complicada, confessa, “mas que efetivamente me fez crescer muito, porque estava sozinha na Madeira, só disse à minha família quando percebi que não ia dar para esconder, porque eu ia ficar com sequelas”. Conseguiu uma recuperação plena, até o destino lhe enviar outra armadilha. Novamente no trabalho, uma nova queda, de uma altura de dois metros, destruiu-lhe um dos joelhos.
A prática de atividade física foi fundamental para a recuperação plena. Antes dos acidentes, o ginásio não era sequer hipótese, mas passou a ser e acabou por se apaixonar “pelo ferro”, conta, e contratou um treinador pessoal “porque percebi que queria muito tentar competir”.
Ciente que o fisiculturismo (ou body building) é uma modalidade em que não há resultados imediatos, estabeleceu objetivos a longo prazo. Em cinco anos haveria de estar pela primeira vez a subir a um palco, um pouco antes de chegar aos 40 anos. E aos 40 queria ser campeã. “É um desporto de maturidade muscular. Dá para atalhar, como é óbvio, só que em termos de saúde paga-se muito caro e isso era tudo o que eu não queria, até porque sou profissional de saúde”, sustenta.
O primeiro objetivo cumpriu no tempo certo, o segundo chegou um ano mais cedo, mas sem facilidades. “Foram quatro anos a trabalhar sem ver rigorosamente nada. Quatro anos de pura disciplina em termos de dieta, treino, tentativa de descanso, porque a minha vida não é comer, dormir e treinar, mas, por fim, os resultados apareceram”, diz Maggie Carvalho.
A primeira competição foi em outubro, nos National Championships Portugal da IFBB. O processo é difícil e dura meses. Começa-se por encher o corpo para depois o trabalhar de modo a moldar a massa muscular de acordo com as características da categoria, que no caso de Maggie Carvalho é o body shape (ou figure, dependendo das federações) e se baseia num corpo proporcional na sua globalidade. Nos últimos dias, realiza-se o processo de finalização, em que o atleta é privado de sal, de água e hidratos de carbono para ficar apenas com a massa muscular.
“Foi até o último dia a sofrer imenso, porque estive sempre a trabalhar na farmácia, além disso tenho mais dois part-times, um num restaurante e outro ao domingo numa churrasqueira no Mercado de Santana, para conseguir sustentar a prática deste desporto, que é muito caro e não há apoios”, conta.
Além disso, muito perto do processo de finalização das duas provas sofreu mais dois golpes duros. Antes da primeira prova, viu terminar a relação com o companheiro, com quem vivia. Antes da segunda prova, foi vítima de uma burla bancária.
Mesmo assim, ganhou uma medalha de ouro e outra de prata em cada uma das competições. À primeira vitória, teve um feedback que a surpreendeu, incluindo do preparador. “Ele veio ter comigo e disse que gostava muito de me preparar para o Hércules, eu respondi que não tinha condições, mas ele insistiu e, depois de me aconselhar com as minhas amigas, decidi aceitar”, conta.
No meio de uma mudança de casa e com a burla de que foi alvo, com um processo de treino ainda mais intenso, voltou a vencer. “São sensações únicas e apenas tenho que estar grata e muito feliz com o que nós conseguimos, até pelas condições que eu tive”, afirma Maggie Carvalho, que acredita que a sua história serve para demonstrar que não há impossíveis. “Se nós levantamos 200 ou 300 quilos numa leg press [levantamento de pesos com as pernas], e temos que o fazer sozinhos, não há nada na vida que não consigamos fazer, se nos propusermos a isso”, sustenta.
Agora, a fisiculturista só olha para a frente, e quer trabalhar outros objetivos, mas sempre com os pés bem assentes na terra. “Vamos fazer um bom off, porque preciso de crescer, mas de forma limpa, e trabalhar bem duro para tentar subir novamente, talvez em abril ou maio”, conta. O objetivo é ir ao Campeonato da Europa e conseguir um cartão profissional. “O caminho é tenebroso, mas nada na vida se consegue, pelo menos para mim, de ânimo leve. Quero tentar fazer história nesta modalidade em Portugal e quero muito transmitir às pessoas que, na vida, tudo parece impossível, mas só até acontecer”, remata. ■






























