Aguardente da Lourinhã quer evoluir mantendo a tradição

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Aguardente da Lourinhã
O duopólio da aguardente da Lourinhã em estreita colaboração: Melo Ribeiro, da Quinta do Rol, serve a sua aguardente a João Pedro Catela, da Adega Cooperativa da Lourinhã, e vice-versa. | Isaque Vicente

A aguardente da Lourinhã quer dar um passo em frente, mas mantendo a tradição que a trouxe até aqui. O mercado do “Lourinhac” é constituído por um duopólio que se respeita para que ambos os produtores cresçam: uma adega cooperativa que se soube reinventar e um privado que tem um projecto abrangente. As vendas têm vindo a crescer de ano para ano.

 

A Aguardente da Lourinhã é única no país e uma das três que existem na Europa com Denominação de Origem Controlada (DOC). As outras duas são as famosas francesas Cognac e Armagnac, o que leva muita gente a sugerir que a da Lourinhã passe a designar-se Lourinhac ou Lourignac.
O decreto-lei que levou à criação da região demarcada para ser DOC Lourinhã foi promulgado há 25 anos, efeméride que foi comemorada na Quinta do Rol com cerca de 80 pessoas, que incluíam investigadores, autarcas, produtores e outras entidades ligadas ao sector.
Deste líquido precioso existem dois produtores. João Pedro Catela, presidente da Adega Cooperativa da Lourinhã  é um dos dois. Revelou que as vendas aumentaram 52% de 2014 para 2015 e entre 2% e 3% em 2016. “Quando há um aumento tão grande, no ano seguinte é complicado ter aumentos e mesmo assim conseguimos”, explicou.
Referiu que o início de 2017 não tem corrido como esperado e que é preciso recuperar esse atraso.
A Adega Cooperativa da Lourinhã deixou de produzir vinhos leves pela forte concorrência a que estava sujeita e passou a dedicar-se exclusivamente à aguardente.
“Recebemos as uvas em Setembro, destilaram na Quinta do Rol e já estão 6300 litros de aguardente na cooperativa”, referiu. Esta é uma quebra face aos cerca de 8000 que a adega costuma produzir.
João Pedro Catela alertou que não há fundos comunitários para este sector porque se trata de um subproduto e esclareceu que depois da crise que houve na adega, que levou muitos associados a deixar de entregar uvas, actualmente contam-se apenas 20. “Tem estado a crescer mais um pouco desde que temos resolvidos os nossos problemas de ordem financeira”, disse.
A Adega da Lourinhã está a pagar as uvas com oito a nove graus ao fim de quatro meses a 0,30 euros o quilo. “Todos os anos os cooperantes têm entregue mais uvas”, esclareceu.
A maior parte da facturação provém do mercado nacional e  “temos muito para crescer”. As exportações representam apenas 2% do total facturado.
João Pedro Catela disse ainda que “a Câmara tem de ajudar um pouco mais a Adega Cooperativa da Lourinha” e que “há um ponto a resolver entre nós”. Trata-se do terreno onde se situa a adega. Segundo o dirigente, o terreno pertencia ao Instituto da Vinha e do Vinho e agora pertence à Estamo, uma sociedade financeira patrimonial do Estado. “Estamos em negociações para que a Câmara compre esse terreno para a adega continuar em funções”, revelou, esclarecendo que este “é um dos acordos que vem do tempo em que a adega teve problemas”.

UM DUOPÓLIO QUE SE RESPEITA

Num encontro que decorreu com um saudável fair-play que parece regular este duopólio em que uma cooperativa e uma empresa privada dividem o mercado, o anfitrião Melo Ribeiro, da Quinta do Rol, revelou que “as vendas começaram muito modestas, mas têm vindo a aumentar”.
O empresário diz que “a aguardente tem uma grande qualidade – quando não a vendemos ela fica ainda melhor”.
Notou que há 21 anos que iniciou o negócio e que apenas vende há cerca de seis, tendo passado “15 anos a destilar 10 mil litros de vinho por ano e a comprar cascos de carvalho para o envelhecer”.
A Quinta do Rol apenas comercializa metade da produção, guardando o restante para fazer aguardente ainda mais antiga.
Dos 35 hectares de vinhas, entre 15 e 20 são para a aguardente. Os restantes são dedicados à produção de vinhos brancos, do tinto Pinot Noir e espumante.
A Quinta do Rol já exporta, através da parceria com a Herdade do Esporão, para o Brasil e Angola e actualmente está a tentar entrar no mercado dos EUA.

 

Aguardente com madeira em depósitos de aço

Ilda Caldeira, investigadora do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), partilhou os seus estudos relativos ao sistema tradicional de envelhecimento onde concluiu que as melhores madeiras para as vasilhas são o tradicional carvalho, mas também o castanheiro. “Neste momento há uma proposta à Organização Internacional do Vinho e da vinha (OIV) para poder passar a ser usado o castanheiro”, contou.
A também investigadora do INIAV, Sara Canas, afirmou que “o sistema tradicional permite aguardentes de topo, mas tem inconvenientes, como a imobilização de capital em destilado e em vasilhas de madeira, mais as perdas por evaporação”.
Daí que tenha desenvolvido um projecto para adicionar fragmentos de madeira a aguardente em depósitos de aço inoxidável.
Chegou à conclusão de que “os sistemas alternativos tendem a acelerar o processo” e que apesar de criarem aguardentes com menos acidez e menos fenólicos da madeira, ficam com mais cor e maior oxigenação. As melhores madeiras voltaram a ser o castanheiro e o carvalho.
Segundo as contas da investigadora, o sistema alternativo reduz os custos entre os 21 e os 44% (consoante a necessidade de comprar os depósitos). Por isso, defende, “faz sentido para compensar o produtor pelo investimento a longo prazo”.
É que “o padrão de consumo está a ser alterado: a aguardente é incorporada em cocktails e aí pode ser usada com menor tempo de envelhecimento”.

 Câmara da Lourinhã vai alterar PDM

João Carvalho, presidente da Câmara da Lourinhã, argumentou que “é preciso um novo paradigma e desenvolver uma mudança” . Explicou que a autarquia está a trabalhar no PDM para criar condições para a aguardente da Lourinhã crescer.
Já Vasco d’Avillez, presidente da CVR Lisboa, alertou que “a aguardente em si já teve uma expressão muito maior na utilização no país, mas com a entrada na UE tivemos que subir as taxas para o nível de produtos similares no resto da Europa e deixou de ser um produto diário”.
Defendeu que a aguardente da Lourinhã está na nossa cultura, porque “tem base técnica e científica e tem base territorial” e relevou o facto de “Macau ser uma porta aberta para o Extremo Oriente que é o maior consumidor de bebidas deste género”.
Fernando Oliveira, vice-presidente da Câmara da Lourinhã, explicou que estão “à procura de janelas de financiamento para o plano estratégico” e que há dois anos desafiaram a empresa Quaternaire para o fazer.
Dessa empresa esteve António Figueiredo, que apresentou aquilo que seriam as linhas mestras do documento.
Valorizar o “terroir” (as características do local que diferenciam o vinho), aumentar a remuneração aos vinicultores e a ligação entre estes e os produtores de aguardente (para produzirem algo mais próximo do desejo do produtor) serão fundamentais no futuro.
Mas também seria importante utilizar os dados da base científica e técnica que já existe e aprofundá-la.
“Entre dinossauros, ovos de crocodilo e aguardente temos de dar mais identidade ao produto”, referiu.