Automatização ameaça 1,1 milhões de empregos
de mão-de-obra até 2030. Funções criativas
e de bem-estar podem compensar as perdas
O emprego nunca foi algo estático, durante os tempos esteve em constante mutação, mas nunca as mudanças foram tão rápidas, nem tão radicais, como se perspetiva para os próximos anos, com a crescente automação de tarefas e a introdução de inteligência artificial. A questão que se coloca é o que vai acontecer às pessoas que vão perder os seus empregos, mas esta pode ser, sobretudo, uma oportunidade quer para as pessoas, quer para a sociedade.
O estudo “O Futuro do Trabalho em Portugal: o imperativo da requalificação”, encomendado pela CIP – Confederação Empresarial de Portugal e divulgado em finais de 2019, refere que 50% do tempo gasto nas atividades de trabalho existentes pode ser automatizado com a tecnologia já existente. O valor pode subir para 67% até 2030 e aponta que Portugal é dos países com maior potencial de automação, “devido à alta concentração em atividades de trabalho repetitivo em vários setores”.
O estudo prevê que o potencial de automação seja adotado a 26% até ao final da década, o que vai causar a eliminação de 1,1 milhão de postos de trabalho em Portugal. No comércio e na manufatura, as perdas de postos de trabalho podem ascender a 40% do total. Prevê-se que cerca de 75% dos postos eliminados pela automação sejam tarefas altamente repetitivas ou ambientes previsíveis, como operação de máquinas, atividades de suporte de escritório e interação com o cliente.
Mas nem tudo são más notícias. O mesmo estudo adianta que estes 1,1 milhões de empregos eliminados podem ser colmatados entre 50% e 100%, em parte devido ao crescimento económico, mas também com ganhos de emprego nos setores de assistência social e de saúde, serviços profissionais, científicos e técnicos, e da construção.
Os mapas regionais indicam que o Centro é das regiões mais afetadas com a perda de postos de trabalho (25,8%), apenas atrás do Alentejo. Estas são, igualmente, as duas regiões do país com maior compensação das perdas, 16,6% no Alentejo e 14,1% no Centro.
O estudo da CIP antecipa, ainda, que 700 mil portugueses vão ter que mudar de emprego ou atualizar as suas habilitações até 2030. “Isto coloca desafios significativos que exigem uma ação conjunta das empresas, trabalhadores e governo no processo de requalificação da força de trabalho”, aponta o estudo. Um número que pode subir para 1,8 milhões de pessoas num cenário de adoção rápida de automação. Já os requisitos educacionais vão aumentar devido ao facto de a maioria das ocupações com maior potencial de automação serem também as de baixa qualificação, enquanto os novos empregos criados são os que exigem qualificação elevada.
Pensar à frente
Este é um cenário que cria dificuldades aos trabalhadores, sobretudo para os que exercem estas funções menos qualificadas. Mas na perspetiva de Joaquim Sobreiro Duarte, coach nesta área, cria-lhes também oportunidades.
O empresário realça que as mudanças no mercado de trabalho sempre aconteceram e nem é preciso recuar muito para perceber isso. “Nas décadas de 1960/70 arranjava-se emprego para a vida, até havia o termo ‘tenho a enxada encavada’, e depois instituiu-se o ‘quem roeu a carne, que roa os ossos’, mas hoje em dia não sabemos em que vamos estar a trabalhar quando acabarmos a carreira profissional”, salienta o formador e CEO do Grupo Sobreiro Duarte, que atua na área da formação.
Para Joaquim Sobreiro Duarte, “é preciso ver mais à frente, analisar o que o mercado de trabalho quer do trabalhador”. Esse é mesmo “o grande desafio do emprego na próxima década”, defende. “Tal como as empresas têm que se adaptar ao que o mercado pede, com os trabalhadores é igual e tem de haver uma aprendizagem constante para darem ao mercado de trabalho o que este precisa”, acrescenta.
Mas se a automação e a inteligência artificial vão tomar conta de certas tarefas, o que é que os trabalhadores não qualificados vão ter para oferecer? Esta é uma pergunta que cada um vai ter que descobrir.
O gestor acredita que a resposta está na criatividade. “As empresas não vão precisar de mão-de-obra, vão precisar de cabeças-de-obra. Pessoas com capacidade para introduzir a dúvida crítica nos processos das empresas, e que pensem com criatividade”, sugere.
No entanto, Joaquim Sobreiro Duarte não coloca toda a responsabilidade nas mãos dos trabalhadores que vão ser obrigados a reorientar as suas carreiras. Também as empresas terão responsabilidade nesta área, através da reconversão dos seus recursos.
Quando as empresas dependiam de mão-de-obra indiferenciada a retenção dos recursos humanos não era um trabalho necessário, mas vai passar a ser. “Há algum tempo que vimos defendendo o ADR das empresas, que no fundo é o Atrair, Desenvolver e Reter os seus recursos humanos”, refere. Na prática, esta filosofia é uma aposta numa cultura de capital humano, “porque as pessoas é que são o segredo do sucesso das empresas”, acredita, acrescentando que se vai tornar fundamental “desenvolver o coaching e desassossegar as pessoas” para lhes criar novos estímulos e desafios.
Oportunidades na criação
O estudo da CIP reforça uma realidade que tem vindo a ser desenhada ao longo de décadas com a introdução da robotização. Isabel Rufino, professora universitária doutorada em Sociologia do Trabalho das Organizações e do Emprego, diz que a empregabilidade será cada vez menor na produção, “porque essa passa a ser assegurada por máquinas”, mas a especialista também acredita que a destruição de empregos não será na mesma proporção que a eliminação de postos de trabalho gerada pela automação.
As oportunidades abrem-se no que são funções de criação, “nas diferentes áreas da arte, nas questões da saúde, porque para termos emprego destruímos a nossa saúde, que mais não seja porque descuramos o que e quando comemos”, adverte. As oportunidades vão surgir, também, nas atividades ligadas à qualidade de vida, no bem-estar físico e emocional. Além disso, há novos caminhos a abrir, por exemplo no mundo virtual, onde também será preciso e possível criar.
Mesmo assim, para Isabel Rufino as novas oportunidades não vão cobrir todo o emprego que se vai destruir. E também nesse sentido é preciso tomar medidas.
“Por que têm as pessoas que continuar a trabalhar 40 horas semanais como há 40 anos, se as empresas conseguem produzir muito mais com menos pessoas, e depois toda a gente tem de fazer tudo a correr? Não valerá a pena pensar nisso?”, questiona a beneditense.
A solução passará por uma melhor distribuição de recursos e por colocar a automatização verdadeiramente ao serviço da humanidade, melhorando a qualidade de vida das pessoas, acredita a especialista.
“A contemplação da terra fértil, do paraíso, é o grande sonho da humanidade, que atravessou décadas, séculos e milénios. É um sonho que temos à mão e não sabemos o que fazer com ele, porque o ser humano não sabe viver com abundância”, lamenta a especialista. ■
“A contemplação da terra fértil é o grande sonho da humanidade. Agora está à nossa mão, mas não sabemos o que fazer com ele”
Isabel Rufino
“As empresas não vão precisar de mão-de-obra, vão precisar de cabeças-de-obra”
Joaquim Sobreiro Duarte

investigadora em Sociologia do Trabalho
O futuro do Trabalho e do Emprego no Oeste
O futuro do Trabalho, na nossa Região Oeste, em Portugal ou em qualquer país do mundo, é um dos temas mais discutidos e problematizados das últimas décadas e no momento. Sendo crucial, este debate é dificílimo de fazer, já que o Trabalho não existe fora dos desafios económicos e sociais e da acelerada evolução que a Humanidade enfrenta, a que se associou a pandemia.
Conforme se pode ler na versão preliminar do Livro Verde para o Futuro do Trabalho (junho 2021), “A agenda internacional é atualmente marcada pela ideia de que vivemos duas transições, as chamadas transições gémeas: a transição digital, que remete para uma dimensão tecnológica da digitalização, da automação e de outras transformações que estão associadas com o futuro do trabalho; e a transição verde, que remete para uma dimensão de cariz ecológico, ambiental e climático. Dada a situação conjuntural específica, associada à crise pandémica que continua a marcar a atualidade, as dimensões referidas encontram-se também fortemente ligadas aos processos de retoma e recuperação das economias.”
Também a OIT – Organização Internacional do Trabalho, aquando do seu centenário, celebrado em 2019, lançou o relatório Trabalhar para um Futuro Melhor onde, mais uma vez, as questões das mudanças tecnológicas e a sustentabilidade ambiental aparecem como pilares fundamentais da agenda do trabalho digno.
A Encíclica Laudato Si do Papa Francisco também nos alerta para a natureza multidimensional das alterações profundas que a Humanidade está a vivenciar, colocando a dignidade do trabalho e a necessidade de o defender no centro das preocupações de cada um de nós, como indivíduos, e da sociedade no seu conjunto. Também o Papa alerta para os desafios que se colocam no plano das mudanças tecnológicas/revolução digital e no da dimensão ecológica.
Ora, o futuro do Trabalho na Região Oeste, como mais além das nossas “fronteiras”, é uma realidade dinâmica e em construção diária, que depende muito das escolhas políticas, em sentido amplo, e da evolução económica e social, também ela mutável e mutante.
As potencialidades da Região são imensas, nas fileiras tradicionais e nas mais recentes. Agricultura (fruticultura, horticultura, vitivinicultura…), pesca (e também recolha de bivalves, como é o caso particular da Lagoa de Óbidos), produção artesanal variada (compotas, licores, doçaria, cerâmica, etc.), turismo de natureza, cultural e de bem-estar e saúde nas suas múltiplas dimensões (hotelaria, restauração, circuitos turísticos, termalismo), valorizando os recursos da região (não esquecer o surf e os demais desportos náuticos), indústrias criativas, comércio de proximidade e serviços de apoio às empresas locais (administrativos, de auditoria e contabilidade, informáticos), cuidados de saúde, serviços pessoais e à comunidade… Falo das atividades associadas às áreas que mais nos distinguem, mas também de todas as que sustentam e suportam a nossa vida coletiva.
É também importante sublinhar a capacidade de atração de novos negócios e investimentos da Região, pela situação sua situação geográfica privilegiada no país e na Península Ibérica, pela amenidade do clima e pelas condições de acolhimento de que já dispõe. Que áreas serão criadas pelos empresários locais ou vindos de fora? O limite será a imaginação e a criatividade de cada um.
Novas realidades, como o trabalho à distância e o teletrabalho, ou ainda os nómadas digitais, podem trazer novos habitantes e novas áreas de atividade e negócio para a nossa zona. Note-se que, com a pandemia, aumentou significativamente a população residente, não só de nacionais habitualmente trabalhando em Lisboa, que se confinaram em casas de família ou secundárias, como também de estrangeiros que optaram por trabalhar a partir daqui.
O futuro do Trabalho e do Emprego na Região Oeste será o fruto do nosso passado, do nosso presente e da repercussão das profundas mudanças sociais e económicas em curso. Que coletivamente sejamos capazes de estar à altura dos desafios e garantirmos a todas as pessoas, em todas as áreas de atividade, um trabalho com direitos, com condições de saúde e segurança, com remuneração justa, com proteção social. Enfim, um trabalho digno. ■