
Competição interna serve de qualificação de formandos para o Portugal Skills, o campeonato das profissões que tem lugar em novembro
O ruído não engana. À entrada no polo do Cenfim das Caldas da Rainha há uma azáfama, ouvem-se os discos das rebarbadoras a rasgar metal e o som característico das soldadoras. São as peças do concurso Cenfim Skills, a competição interna do campeonato das profissões, a tomar forma.
O centro de formação localizado em São Cristóvão, Caldas da Rainha, recebeu cerca de 50 participantes dos pólos centro e sul do Cenfim, vindos de Grândola, Sines, Lisboa, Torres Vedras, Peniche, Caldas da Rainha, Santarém e Marinha Grande, mais duas comitivas vindas de Angola e Moçambique que competem nas atividades de soldadura, construções metálicas, manutenção industrial, desenho industrial CAD, eletromecânica industrial e refrigeração e ar condicionado, esta última também com uma delegação que veio do Porto.
“Para nós é importante organizar esta prova, é uma manifestação de confiança da direção do Cenfim no nosso centro, de capacidade de organização, e capacidade em termos de equipamentos para receber aqui competição em seis profissões diferentes”, disse à Gazeta das Caldas o diretor do polo caldense do Cenfim, Vítor Lapa. “Se conseguimos num único polo concentrar estas valência, é sinal de que temos uma grande capacidade técnica instalada, capaz de fazer boa formação ao longo do ano”, acrescentou.
Ao mesmo tempo, acolher a prova significou uma oportunidade para realizar melhoramentos que vão ficar depois e melhorar essa capacidade para formar mais e melhor. “Houve melhorias nas instalações e nos equipamentos, com construção de postos de trabalho para a competição que vão ficar como postos de formação”, apontou.
Um dos representantes das Caldas da Rainha foi Bernardo Costa, caldense que no ano passado se sagrou campeão nacional em construções metálicas e este ano voltou a concorrer, mas em soldadura.
O objetivo de competir numa outra profissão foi “não ficar só pelo pouco, sempre tive metas e quero ultrapassá-las”. O jovem de 19 anos, que assumiu que queria também ganhar, ficou no terceiro lugar, mas “o principal objetivo é adquirir conhecimentos”.
A participação na competição acaba por ser quase um curso intensivo. A preparação, que é acompanhada por formadores do Cenfim, é feita fora do período letivo, o que implica fazer horas extra. “São muitas horas de dedicação, muito esforço, mas esta é uma área que requer perfecionismo, gosto pelo que se faz e, claro, algum jeito”, afirmou o jovem, que não se vê a fazer outra coisa profissionalmente e tem por objetivo chegar ao campeonato do mundo.
Vítor Lapa refere que ter formandos nacionais a ombrear na prova mundial é uma possibilidade. Na última edição, Portugal teve um campeão do mundo em design industrial CAD. “Ao nível da formação estamos muito bem, equiparados ao melhor que se faz na Europa e no mundo. No World Skills competimos contra candidatos de EUA, Brasil, China, Japão. Nós somos um centro de formação e estamos a competir com pessoas que vêm através de empresas como Bosch, Toyota, que têm os seus próprios centros de formação e profissionais a competir, e temos alcançado bons resultados”, disse, o que atesta que o país está a formar bem os seus profissionais nestas áreas.
Susana Maria, psicóloga do Cenfim das Caldas da Rainha, diz que participar nestas competições traz novas experiências para os alunos, que os prepara a um nível diferente do contexto da escola. “Aqui eles aprendem a gerir momentos de tensão e toda a logística por detrás da chegada a este ponto. Ganham autodisciplina, porque têm que treinar quando podiam ir fazer outras coisas, mas saber que o esforço tem recompensa traz competências como gestão da pressão em competição e contexto de trabalho”, refere.
A competição, que decorreu nos dias 5 e 6 de junho, foi recebendo a visita de várias entidades. O presidente da Câmara das Caldas, Vítor Marques, foi um dos convidados. O autarca elogiou o trabalho que tem vindo a ser feito no Cenfim, inclusivamente no melhoramento das condições de ensino.
Vítor Marques realçou que o ensino profissional é importante e as profissões neles ensinadas têm “muita procura no mercado de trabalho, e até com uma remuneração acima da média” no caso dos cursos do Cenfim.
Nesse sentido, e atendendo até à falta de mão-de-obra nestas áreas industriais, mas também na hotelaria e restauração, Vítor Marques disse que a autarquia está a trabalhar na oportunidade de utilizar o Centro de Formação do Coto para “trazer formandos de outros países, em articulação com a EHTO, o Cenfim e o Cencal, para formar jovens que possam ficar na região e dar resposta às necessidades que existem”.
Além do terceiro lugar de Bernardo Costa, destaque para o segundo de Bruno Ascensão em construção metálica e o terceiro de Catarina Adão em desenho industrial, ambos de Peniche. ■
De visita a Portugal para competir, mas à espreita de uma oportunidade
Participantes vindos de Angola e Moçambique têm na competição uma oportunidade para aprender, mas gostavam de ver também uma porta aberta para trabalhar no país
A sétima edição do Cenfim Skills foi também a quinta edição da prova da Lusofonia, que junta aos formandos do Cenfim alunos dos centros de formação de países africanos da lusofonia, este ano vindos de Cabo Verde, Angola e Moçambique. As comitivas destes dois últimos países vieram até às Caldas da Rainha, elogiaram a competição, o espírito de partilha e convívio que se gera, mas também olham para a vinda a Portugal como uma possível abertura de portas para um dia virem trabalhar e procurar uma vida melhor no país que os acolhe.
“São laços que existem entre o Cenfim e centros de formação e escolas profissionais destes países, é uma forma de ajudarmos esses países irmãos a desenvolverem as competências dos seus recursos humanos”, refere Vítor Lapa, diretor do Cenfim das Caldas da Rainha.
Almeida Chivambo é formador no Centro de Formação Profissional de Metalomecânica de Moçambique e além de ter vindo acompanhar os quatro alunos presentes na prova, também foi júri. “É uma grande oportunidade para todos nós absorvermos experiência, desde logo nós formadores nas questões da organização, como dos alunos na aplicação dos conhecimentos”, disse. “Não se trata apenas de fazer o trabalho, é fazê-lo de forma adequada, cumprindo as regras da segurança, da higiene, mas também da organização das bancadas”, acrescentou.
A participação na prova também permite estabelecer uma comparação com o que é feito pelos concorrentes portugueses e Almeida Chivambo disse que, nesse aspeto, “não estamos a notar muita diferença, por isso estou confiante que vamos sair daqui com muito conhecimento para transmitir aos nossos alunos”.
Rivaldo Monsanto é de Angola e diz que veio “viver uma experiência nova, o importante não é ganhar, é participar, porque só estar aqui é um ganho”, disse. O jovem de 22 anos participou na profissão de soldador, “é muito importante para o desenvolvimento do país”, afirmou, acrescentando que a prova lhe estava a correr bem, mas que o melhor que leva da experiência “são as amizades que fizemos e que levamos daqui”.
Mas a vinda a Portugal mostrar os conhecimentos na área pode abrir portas. Vítor Lapa refere que as comitivas africanas mostram curiosidade quanto às condições de vida e as oportunidades que podem encontrar no país. “Manifestam grande interesse em poder vir trabalhar e, do ponto de vista da imigração, é vantajoso podermos ter estudantes da lusofonia com qualificações, que são mais fáceis de integrar, porque a procura nestas áreas é maior do que a oferta”, sublinhou.
Almeida Chivambo realça que, no caso do centro de formação moçambicano, dos cerca de 200 formandos que anualmente ali estudam nem todos conseguem colocação, pelo que ter uma porta aberta para Portugal seria interessante.
O mesmo diz Rivaldo Monsanto. “Felizmente há mais oportunidades na nossa área hoje em dia em Angola, mas se houvesse oportunidade de trabalhar em Portugal, iríamos agarrá-la”, rematou. ■