Início do desconfinamento ainda tem pouco impacto na atividade do comércio local. Empresários falam em dificuldades, mas sobretudo no longo prazo. Na hotelaria o cenário é um pouco mais negro
O plano de desconfinamento gradual iniciado a 15 de março ainda tem poucos efeitos para o comércio local, que necessita de maior normalização do quotidiano da comunidade para voltar a níveis que permitam aos negócios prosperar. O momento é de assegurar a continuidade das empresas. Mas há um ramo que sofre mais, o da hotelaria, arredada de um conjunto de apoios do Estado neste segundo confinamento.
José Elói é empresário no ramo da restauração – é proprietário do Maratona e um dos sócios do Prontos -, e relata que a atividade pouco se alterou com esta primeira fase de desconfinamento. Aos restaurantes já era permitido laborar em regime de entrega ao domicílio ou serviço de take away, o que não muda com a abertura do comércio ao postigo.
Quanto à procura, a abertura das atividades económicas é “um pau de dois bicos”, porque “as pessoas têm mais abertura para retomar rotinas, mas também há mais espaços a funcionar”, justifica. O empresário fala, mesmo assim, num aumento de movimento que estima na ordem dos 10% em relação ao período de confinamento.
No comércio de vestuário, o desconfinamento permitiu a reabertura das lojas, embora apenas com venda ao postigo, o que Paulina Louro, proprietária do Império da Criança, diz ser um cenário longe do ideal. A aquisição de roupa implica escolher e experimentar, o que não é possível. O processo é bastante mais trabalhoso, mas a empresária afirma que “é preferível assim do que ter a porta fechada”.
Paulina Louro refere que o segmento da roupa de criança é o que vai mexendo mais, “porque as crianças crescem e a roupa deixa de servir”, mas há uma clara alteração aos padrões de consumo. “O que se vende é roupa prática, para a escola, porque não há festas nem cerimónias, não se liga tanto à parte estética”, refere. Há também maior recurso a roupa usada.
A empresária acrescenta que, no segmento de roupa para adultos, o movimento é muito menor, até porque ainda há muitas pessoas a trabalhar em casa. As quebras, estima, andam à volta dos 60% a 70% em relação a um ano normal.
No segmento dos bares, há quem tenha optado por abrir, mas também há quem não veja nisso benefícios antes de poder explorar as esplanadas. É o caso de Paulo Mendes, proprietário do Bar 120, que prefere manter a porta fechada até 5 de abril, dia em que o plano de desconfinamento prevê a reabertura limitada das esplanadas. “A receita que íamos ter com a venda ao postigo não compensa ter as máquinas ligadas, porque o movimento seria muito reduzido”, afirma.
Com a abertura das esplanadas, o empresário acredita que o negócio pode funcionar “a 50%, se o clima ajudar, porque as pessoas também estão cansadas de estar confinadas”. Esta é a esperança de Paulo Mendes de modo a poder, no verão, fazer algum encaixe que permita encarar mais um inverno. “Não será fácil passar um segundo ano como este que passou”, desabafa.
Cenário pior enfrenta a hotelaria e alojamento. Muitos dos hotéis estão ainda encerrados, por falta de clientes, uma vez que o plano de confinamento não contemplou o setor. Algo que Ali Azimbhai, proprietário do Hotel Rainha Dona Leonor e da Residencial D. Carlos I, nas Caldas, e do Hotel Mar Azul, na Serra D’el Rei, lamenta. Sem acesso aos apoios do Estado disponibilizados apenas aos estabelecimentos encerrados por decreto, ainda viu as reservas caírem a pique.
“No último trimestre do ano passado a quebra foi acentuada, mas a partir de janeiro foi uma quebra total”, conta. O aumento dos contágios e as medidas de combate implementadas reduziram a mobilidade das pessoas. “Mesmo os clientes profissionais que tínhamos, por exemplo do ramo da construção, desapareceram”, refere.
O empresário diz que a procura reatou após o início do desconfinamento, mas até ao momento isso reflete-se num número muito reduzido de quartos. “No Hotel Rainha Dona Leonor temos dias com zero quartos, o que nunca nos tinha acontecido antes da pandemia, em mais de 30 anos”, sustenta. O empresário tinha esperança que a Páscoa desse impulso ao negócio, mas as reservas não chegaram, e o atraso na vacinação fá-lo temer que o verão não seja como a empresa necessita.
Apoios do Estado não chegam
A principal preocupação dos empresários é que o movimento de caixa não é suficiente para manter as empresas. “Nenhuma estrutura hoje é sustentável sem ajudas”, refere o empresário, que diz que a pandemia veio “expor as fragilidades económicas das micro e pequenas empresas do setor, que dependem muito da tesouraria do dia-a-dia”.
José Elói refere que, para salvaguardar o futuro, o Estado tem que criar mecanismos “para que estas empresas não sejam tão estranguladas, com medidas que se mantenham, nomeadamente ao nível da carga fiscal”, sob o risco de todo o esforço que os empresários fizeram para manter atividade e postos de trabalho, nomeadamente através de endividamento, acabe por cair por terra.
Ali Azimbhai vai mesmo mais longe e atribui responsabilidades ao Estado pelo momento difícil que a hotelaria atravessa. O setor não foi encerrado por decreto neste segundo confinamento, o que vedou aos empresários o recurso a alguns programas de apoio. “Somos obrigados a manter postos de trabalho, pelo que assumimos no ano passado, mas desde novembro não temos benefícios na TSU, não temos clientes e pagamos ordenados a 100%”, alerta.
O empresário diz que, pela primeira vez em 40 anos de atividade, teve de recorrer a empréstimos, nomeadamente às linhas do Turismo de Portugal, mas apenas 20% será a fundo perdido e para isso não pode reduzir postos de trabalho.
“Se as empresas não se aguentarem, o Estado deixa de receber TSU e ainda tem que pagar subsídios de desemprego, perde duplamente. Seria mais simples apoiar diretamente as empresas”, adverte.
Luís Gomes, presidente da Associação Empresarial das Caldas da Rainha e Oeste diz que ainda é cedo para se perceber os reais efeitos desta crise na economia, “mas o que se prevê não é nada simpático”, sobretudo se o Estado se demarcar do seu papel no apoio às empresas. “As empresas estiveram cá para aguentar a economia, agora é a vez do Estado lhes dar a mão”, afirma. ■































