Quando um talento inesperado se torna uma oportunidade de negócio

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Gazeta das Caldas
Judite Roque largou o seu emprego na área da gestão para fazer bolos decorados para aniversários

Vivemos numa região tradicionalmente ligada ao artesanato. Muitas são as pessoas que desenvolvem o seu talento a produzir os mais variados tipos de produto e têm nisso uma fonte extra de rendimento. Mas também há casos em que o sucesso dessas actividades permitiu gerar o próprio emprego. Gazeta das Caldas conta-lhe três histórias bem distintas, mas todas com um denominador comum: negócios bem-sucedidos com base em talentos inesperados. São os casos de Judite Roque, que trabalhava em gestão e se dedicou aos bolos de aniversário decorados, de Sónia Jesus, que era funcionária pública e agora cria vestuário de criança, e Rita Roldão, que queria criar calçado e malas e afirmou-se a trabalhar com cristais em nova joalharia.

Gazeta das Caldas
Judite Roque largou o seu emprego na área da gestão para fazer bolos decorados para aniversários

Da modelagem do barro aos bonecos de açúcar
Judite Roque é licenciada em gestão e foi nessa área que trabalhou até 2014, antes de ter decidido dedicar-se por inteiro a produzir bolos decorados para aniversários e outras festas.
Três anos antes começou, por brincadeira, a fazer os bolos de aniversário para os familiares. “As pessoas gostavam e começaram a pedir-me bolos para as suas festas”, conta à Gazeta das Caldas. Com o passa palavra, o que era uma brincadeira cresceu para se tornar num negócio.
Natural das Gaeiras (Óbidos), Judite acredita que a aptidão para modelar os bonecos lhe foi passada pelo pai, que trabalhava em cerâmica. “Sempre tive contacto com a modelagem do barro, de brincar e de o ajudar no atelier”, recorda.
Também tirou um curso de iniciação ao cake design e foi apurando a técnica com pesquisa e experimentação.
Foi então em 2014 que se tornou insustentável manter as duas actividades. Com o emprego, todo o trabalho nos bolos era feito fora de horas. Aos fins-de-semana ficava a preparar os bolos até às 6h00 da manhã. “Percebi que era sustentável continuar só com os bolos e optei pelo que me dá mais prazer”, refere.
Agora, durante a semana dedica-se a confeccionar a decoração dos bolos. Um boneco pode absorver até uma hora de trabalho, sobretudo se for uma figura nova – a prática vai fazendo diminuir esse tempo. Os temas que mais são pedidos são os da Disney.
Para o fim-de-semana fica guardada a parte da confecção do bolo (que tem que estar fresco para o grande dia de festa) e a sua montagem final. Desta forma conseguiu aumentar o número de bolos que consegue fazer por fim-de-semana que é quando se concentram as festas de aniversário. Chega a fazer uma dúzia, “o que obriga a ter tudo bem programado”, acrescenta.
Além da parte estética, Judite Roque realça que o sabor do bolo também é uma preocupação. “Quero que se perceba que são caseiros e que tenham bom sabor, porque se forem só bonitos as pessoas não voltam a encomendar”, observa.
Judite Roque considera o Facebook (@criaideia) uma ferramenta muito importante, uma vez que permite aos clientes visualizarem o que já fez e também facilita a comunicação porque se podem trocar imagens com exemplos do que se pretende. A maior parte das encomendas chegam por essa via.
Desde que decidiu dedicar-se por inteiro aos bolos, tem estabelecimento físico, actualmente no Restaurante Alto dos Ventos que é explorado pelo seu companheiro, Marco Ferreira, no Alto das Gaeiras. O estabelecimento facilita o acto de entrega dos bolos, mas também ajuda a angariar novos clientes porque as criações ficam expostas numa vitrina refrigerada até ao momento da entrega.
Judite Roque faz sozinha todo o trabalho relativo aos seus bolos e não pretende industrializar o seu negócio até porque isso iria alterar o seu cariz caseiro.
Além dos bolos de aniversário, faz outros de complemento às festas, como cupcakes, cakepops e bolachas decoradas. Também faz bolos de casamento e de baptizado, que considera os mais difíceis devido à sua dimensão e responsabilidade que isso implica.
O bolo mais estranho que lhe pediram foi um em forma de caveira, mas diz que gosta desse tipo de desafios, até para fugir às modas das séries de animação infantil.
Já o movimento ao longo do ano é mais ou menos constante, embora note quebras em Janeiro e picos em Março e Setembro.
Judite Roque considera-se mais realizada hoje do que quando trabalhava na área em que estudou e também consegue ter mais rendimentos do que na anterior profissão. Mas acrescenta que também trabalha mais horas.

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Sónia Jesus encontrou um talento escondido para a confecção de vestuário infantil depois de ficar desempregada

[/showhide] As mãos de fada de Sónia Jesus
Se Judite Roque mudou de profissão quando percebeu que a arte de fazer bolos lhe dava mais proveito e satisfação que a antiga profissão, Sónia Jesus encontrou na confecção de roupa e acessórios para crianças um talento escondido depois de ter ficado desempregada.
Licenciada em Tecnologias da Informação Empresarial, trabalhava como técnica superior no sector público, mas em 2011 o final do contrato deixou-a sem trabalho.
Sónia Jesus não se acomodou com a situação e encontrou uma saída inesperada, tendo em conta que até aí “não conseguia enfiar uma agulha”, confessa. Tinha em casa da mãe uma máquina de costura arrumada e “como já não conseguia fazer mais nada em casa e não consigo estar quieta, comprei tecidos e comecei a experimentar”, recorda. “As primeiras costuras saíram tudo menos direitas”, graceja.
No entanto, a prática fez a perfeição e começou a confeccionar peças na área da costura criativa, como carteiras, porta-chaves, ou bolsinhas. “Não era nada muito sofisticado, mas fui-me interessando, aprendendo, e tudo se desenrolou de forma calma e tranquila”, observa.
As amigas começaram a gostar dos artigos e a comprá-los. Depois foram as amigas das amigas e em 2013 criou a página de Facebook Mãos de Fada – handmade with love, para expor os seus trabalhos.
O crescimento do projecto levou-a a registar a marca, em 2015. E para a potenciar decidiu mostrar os artigos nos principais certames do concelho. “O contacto directo com os clientes fez-me perceber que era este o projecto ao qual me devia entregar de corpo e alma”, recorda. E assim fez.
As encomendas não pararam de crescer e à venda directa juntou-se o interesse de algumas lojas (nas Caldas e na Lousã). E redireccionou os produtos para o vestuário e acessórios para bebés e crianças.
São produtos diferenciados e personalizáveis, o que tem sido um trunfo. “São aspectos que agradam às clientes porque cada peça é única”, realça, acrescentando que essa sempre foi uma das premissas principais deste projecto.
Sónia Jesus só trabalha com tecidos de qualidade garantida, que testa antes de utilizar, até porque a maior parte das peças são usadas por crianças. A essa qualidade junta perfeição nos acabamentos e na conjugação dos padrões.
A Mãos de Fada ocupa-lhe 14 horas do seu dia. As encomendas chegam de norte a sul do país e algumas também do estrangeiro. A Internet, e o Facebook em particular, têm sido importantes aliados e Sónia Jesus não duvida que há potencial para escalar o projecto, não só com a abertura de uma loja, mas também pelo aumento de produção. No entanto, acrescenta que ainda não avançou por receio, até porque “o volume de trabalho é mesmo muito”, afirma.
Sónia Jesus trabalha num atelier que montou em casa dos pais. À máquina de costura com que se iniciou, já juntou mais três, cada uma para um tipo de trabalho diferente. Dar um novo impulso ao negócio implica novas instalações, mais equipamento e pessoas para trabalhar.
O que a retrai são as dificuldades de iniciar um projecto deste tipo, em que o investimento é “muito grande” e os apoios disponíveis “muito poucos”, observa.
Apesar de ser um trabalho extremamente exaustivo, Sónia Jesus sublinha que se sente “feliz e realizada, sobretudo quando as clientes dão um feedback tão positivo”.

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Rita Roldão estudou para ser criadora de malas e calçado mas acabou por se lançar como criadora de nova joalharia
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Os cristais austríacos trabalhados por Rita Roldão
O caso de Rita Roldão difere um pouco dos anteriores porque trabalhar na área da moda fez parte dos seus planos desde cedo e este foi sempre o seu emprego. Formou-se como coordenadora e produtora de moda e, apesar de inicialmente ter apontado para a produção de calçado e malas, apaixonou-se pela joalharia durante o estágio que realizou numa empresa dessa área. Começou a ver as suas criações publicadas em várias revistas, “mas não com o meu nome, por isso decidi deixar esse emprego para começar algo meu”, acrescenta.
Foi assim que surgiu em 2004 a marca Made for Me, que tem sede e produção totalmente artesanal nas Caldas da Rainha. A aposta foi na nova joalharia – brincos, anéis, fios, pulseiras e outros acessórios de moda – e na personalização de artigos de decoração e têxtil. Em comum todos os artigos têm pedras de cristal Swarovski. “É uma marca austríaca que tem lojas e designers em todo o mundo, mas em Portugal sou a única representante neste segmento”, realça Rita Roldão.
Começou por vender as suas peças a amigos, e a amigos de amigos, mas depressa o negócio se expandiu. O grande trunfo é a qualidade e exclusividade dos artigos. Todo o processo de produção é manual e beneficia da exclusividade de uma produção mais pequena, mantendo os parâmetros de qualidade do fabricante austríaco – incluindo a ausência de metais alergénicos como o níquel, o cádmio e o chumbo.
As peças de nova joalharia formam o principal ramo do negócio, mas Rita Roldão realça que “tudo o que possamos imaginar pode ganhar um brilho especial com os cristais”. Até mesmo um lápis ou um móvel da casa.
Os artigos começaram a chegar a lojas para revenda, principalmente em Lisboa, e despertaram também o interesse de grandes grupos da moda, como a L’Oréal Internacional, o Grupo Ricon, a Salsa e a Decenio, que chegaram a encomendar-lhe os cristais para incluir nas suas colecções.
Com o aumento do número de concorrentes, a componente de revenda tem decaído, mas a venda directa tem vindo a crescer, apesar de a Made for Me não ter um espaço físico. As vendas são feitas através das páginas web e de Facebook com o mesmo nome e em certames da especialidade, como a Feira Internacional do Artesanato em Lisboa e a Fatacil no Algarve.
Os seus produtos são vendidos para todo o país, mas com maior incidência para os grandes centros: Lisboa, Porto, Algarve e Leiria, onde a procura tem crescido recentemente.
Entre os clientes conta com vários atletas nas modalidades de dança desportiva, patinagem artística e de ginástica – é patrocinadora da ginasta rítmica Maria Canilhas – cujos vestuários de competição são adornados com cristais.
Se até esta altura Rita Roldão nunca sentiu necessidade, nem o apelo, de abrir uma loja, até porque prefere o resguardo do trabalho no atelier, o crescimento da venda directa leva-a a equacionar essa possibilidade num futuro próximo.
Rita Roldão refere que há a ideia que os produtos Swarovski são caros, mas realça que é um conceito errado. “Temos peças a partir de dois euros”, observa.
Apesar de não existir uma loja física, é possível conhecer e adquirir as peças directamente através de visita ao atelier, que pode ser agendada por contacto no Facebook (@madeforme.pt). [/showhide]

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