Os velhos do Restelo ou porque opto por ser seletiva nos canais de comunicação

0
705
- publicidade -

A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D’ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?

Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto IV – 97

O velho do Restelo é uma figura camoniana cuja principal característica é o pessimismo.
Um velho que – perante a partida da frota comandada por Vasco da Gama – vaticina desgraça, sofrimento e morte de quem parte em busca de glória e riqueza.
Esta representação simbólica apresentada por Camões no séc. XVI é ainda atual sendo frequentemente usada para classificar aqueles que usam a opinião para se exprimirem de forma negativa sobre algo ou alguém.

- publicidade -

O povo português é pródigo em velhos do Restelo. Poderíamos tentar investigar uma certa vertente genética para o pessimismo mas vamos tentar manter-nos objetivos. Depois de uma primeira república fracassada e mais de 40 anos de ditadura, esta tendência cultural para o pessimismo poderia ser facilmente atribuída à história de Portugal do séc. XX. Vamos também deixar de parte esta teoria simplicista e foquemo-nos na atualidade.
Todos nós – uns mais, outros menos, mas todos – vemos, lemos e ouvimos notícias. Qual é o espaço e o tempo que as desgraças alheias, as catástrofes, as más previsões (sociais ou económicas) ocupam nos meios de comunicação? Não quero ser generalista, até porque seria injusto para os meios de comunicação (como a Gazeta) que exploram e divulgam um sentimento de pertença cultural, focando a notícia na sua vertente útil e informativa, como deveria ser apanágio de todo o jornalismo, de todos os jornalistas. Quero sobretudo que olhemos para nós próprios e nos perguntemos: que espaço e tempo dedicamos a assuntos como esses, comparando com o espaço e o tempo que dedicamos a alegrias, avanços científicos, sociais, económicos, a conquistas?
Desafio o leitor a um exercício simples: veja os noticiários dos três canais de televisão de sinal aberto e conte as más notícias, as boas notícias e o tempo dedicado a cada uma. Faça as contas e tire as suas conclusões. Mas mais do que isso, tente perceber qual o seu estado de espírito depois desse exercício. É inevitável, nós somos permeáveis ao que nos rodeia e as situações, histórias e condições a que nos expomos influenciam muito p nosso estado de espírito… inclusivamente a nossa produtividade.
Ao velho do Restelo de Camões só faltava um megafone para se fazer ouvir mais alto e mais longe. A nós, que não nos falte discernimento para optar pelo que queremos ver, não por uma questão de ser ou não realista, mas por uma questão de entendermos qual o nosso papel e missão no mundo. De que nos serve cultivar a desgraça alheia? De que nos serve focarmo-nos no que é mau?
Em casa, na escola, e, claro, na empresa, deveríamos procurar cultivar o otimismo, focar a atenção nas coisas boas da vida, nos avanços, nas conquistas, no crescimento. Olhar ao que já conquistámos quando perdemos algo. Apostar naquilo que queremos, que gostamos, que nos alegra, sem medo, sem receio, sem pessimismo.
Apesar dos vaticínios do velho do Restelo, Vasco da Gama chegou á India e o mundo nunca mais foi o mesmo.

- publicidade -