Dora Mendes
técnica de museu
Se tivesse que escrever um roteiro de passeios pelo oeste, por certo que lhe chamaria “Passeando as Águas”.
Este conceito está intimamente associado às práticas termais, sendo a sua terminologia bastante linear quanto à intenção implícita: acreditando-se que o movimento de passeio, associado ao bem-estar proporcionado pelo ar livre e pela natureza, contribuem fortemente para a melhoria da saúde geral do doente, potenciando em simultâneo a melhor absorção e efeito das águas termais no corpo.
Há muito que esta ideia faz parte dos hábitos de quem frequenta estâncias termais, sendo que o nosso Hospital não foi alheio a esta dimensão holística do tratamento dos seus doentes. E ainda que num momento inicial a cura da alma fosse diretamente associada a uma forte componente religiosa, a partir do Séc. XVIII assume-se o passeio pela natureza como algo concreto, definindo-se um espaço exclusivo para passeios dos doentes, o então designado por Passeio da Copa.
Este será ampliado e transformado no século XIX, por Rodrigo Berquó, no que hoje conhecemos como Parque D. Carlos I. Ao contacto com a natureza, o novo projeto irá associar uma maior oferta de actividades lúdicas e culturais, respondendo aos novos valores que a sociedade da época exigia.
Independente da época em que nos colocamos, é denominador comum o facto de que os passeios pela natureza, sejam eles com água ou pelas águas, são um factor potenciador de saúde e bem-estar.
Ora, no que a cada um diz respeito, por certo serão de diferentes naturezas as actividades que melhor lhes apraz defender. A mim, encantam-me os passeios desta natureza.
Por isso me perco, com bastante frequência, pelas margens da lagoa de Óbidos, pela Mata Rainha D. Leonor, o Parque, a Serra dos Candeeiros ou, numa perspectiva mais citadina, até mesmo pelas ruas da cidade.
Vou muitas vezes sozinha, ainda que permanentemente acompanhada pela minha voz interior que, diga-se de passagem, não se cala… Excepção feita quando nos encontramos, eu e a voz, com o chilrear dos pássaros ao amanhecer na Mata, com os lindíssimos flamingos que em tons de salmão habitam nas margens junto ao Arnóia, com os jogos de luz e sombra sobre as árvores, o reflexo das nuvens espelhados sobre a água imóvel da lagoa, o cheiro a iodo ou os salpicos da água do mar, as Garças que nos observam quando passamos e esvoaçam assim que paramos, os capins rosados dos caniços que esvoaçam ao sabor do vento mudando de cor a cada estação, o por-do-sol cuja repetição diária não chega para cansar quem religiosamente espera por aqueles dez minutos finais do dia… levando consigo mais um dia, deixando apenas a serenidade naquele descer hipnotizante.
Qualquer caldense deveria dedicar parte do seu tempo a passear as “águas”… não apenas as das termas, mas também as suas. Poderia ser este um exercício de cidadania local, numa saudável distracção, olhando de forma tranquila para o que a cidade e a região têm de melhor. Aproxima-se a primavera, os dias ficam maiores, o sol prolonga-se no dia… ■