Um país equipado

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Miguel Silvestre
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Vinte milhões de euros para mini-lojas do cidadão em 1400 freguesias até 2030, a juntar ao investimento em centros de saúde, em freguesias e lugares, ou escolas e escolinhas, algumas sobredimensionadas, à espera de um baby boom improvável. Equipamentos para um país em envelhecimento demográfico acentuado. Em 2020, a relação entre população idosa (65 anos ou mais) com a população jovem dos 0 aos 14 é de 167 idosos por cada 100 jovens. Era de 163,2 em 2019. Por outro lado, no lançamento do programa Eu Sou Digital ficaram vários dados preocupantes: i) “10% é a percentagem de competências digitais médias e elevadas das famílias desfavorecidas em Portugal, abaixo da média de 21% da União Europeia”; ii) 2 em cada 10 portugueses nunca acederam à internet.
Perante isto, podemos olhar para o investimento em infraestruturas e acreditar que, face à população envelhecida e à iliteracia digital, polvilhar o país de “equipamentos” seja a melhor solução. Confere conforto visual a moradores que o refletem em votos, geram-se mais uns milhares de empregos públicos e colocam-se municípios a pagar custos de funcionamento e manutenção. Da parte do Governo faz-se a notícia, paga-se a ínfima parte executada com fundos comunitários, não sem antes se fazer uns procedimentos públicos para a comunicação, design e implementação do processo. Baralhar, voltar a dar, para nada mudar. Um tuning administrativo, ruidoso e espampanante, mas assente numa carcaça (cada vez mais) obsoleta.
É necessário quebrar este ciclo de desconfiança nas capacidades dos portugueses (de qualquer idade) de fazê-los acreditar e garantir os instrumentos para que possam ter acesso a equipamentos, mas dos digitais. É possível. Em Óbidos no cenário pré-covid foi criado um programa que permitia aos mais velhos criar uma conta numa rede social, marcar uma consulta online ou simplesmente fazer uma chamada virtual. Um programa simples e que carece de ser reinventado para estes tempos de pandemia.
Na Estónia, hoje um dos países do mundo mais desenvolvidos em matéria de cidadania digital, toda a relação do cidadão com o Estado pode ser feita via digital. E tudo começou com uma premissa (relativamente) simples. Depois da independência e quando definiam que país quereriam para o futuro, perceberam que não podiam fazer como todos os outros países. Esses levavam décadas de avanço e possuíam recursos que eles não tinham. Os resultados estão à vista. Talvez, por cá, nos devêssemos equipar mais para a qualidades das perguntas que fazemos, do que para as respostas que continuamos a dar. ■

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