Duas horas e meia de histórias sobre o 25 de Abril

0
694
Gazeta das Caldas
- publicidade -

IMG_3492O painel composto por elementos indicados pelas forças políticas com assento na Assembleia Municipal das Caldas não podia ter sido mais diverso no tipos de vivências e histórias contadas. Mas durante duas horas e meia a assistência que enchia o café-concerto do CCC no passado dia 24 de Abril, assistiu com fervor e interesse aos relatos dos oradores.

No palco estiveram David Geraldes (que enquanto militar viveu na linha da frente alguns episódios importantes do período revolucionário), José Carlos Faria (na altura estudante que viveu in loco o dia da revolução), Mário Xavier (que teve uma forte intervenção política antes da queda de Marcello Caetano), Rui Gomes (funcionário público) e Manuel Isaac (que à data da revolução tinha 14 anos e vivia numa aldeia do interior do concelho)
A sessão, organizada pela Assembleia Municipal e pelas uniões de freguesias da cidade, começou pelas 21h30 durou mais de duas horas e meia. A conclusão a que todos os oradores chegaram é que, passados 41 anos da revolução, é preciso continuar a lembrar o que foi o 25 de Abril e porque é que este aconteceu. Os oradores falaram, por exemplo, na cada vez menor participação cívica das pessoas em actos como as eleições, ou o desinteresse pela política. Falaram também nos retrocessos de Abril, um dos quais, mais visível, é a perda e liberdade motivada pelo aumento do desemprego.

A libertação dos presos de Caxias

- publicidade -

Um dos relatos mais emotivos foi o de David Geraldes, indicado pelo Movimento Viver o Concelho e que viveu na primeira pessoa a libertação dos presos de Caxias. O então segundo tenente dos Fuzileiros comandava a força que ia ocupar a prisão política às 7h00 da manhã de 26 de Abril, com ordens para libertar os presos com recurso às “atitudes bélicas que entendesse necessárias”, contou.
Deu a ordem de libertação pelas 10h00, mas uma ordem do general Spínola pouco tempo depois obrigava a um recuo nessa decisão. Em causa estava a libertação de presos por delitos comuns ou por crimes de sangue.
“Foi uma situação difícil, convencê-los a voltar a entrar na cadeia depois de terem saído para a parada. Saltei para cima do jipe com o altifalante, disse que havia uma ordem e pedi-lhes que regressassem para o interior da cadeia, com a promessa que seriam libertos naquele dia, acontecesse o que acontecesse”, relatou, acrescentando que José Manuel Tengarrinha (fundador do MDP/CDE e à data preso em Caxias) foi uma ajuda preciosa para que a ordem fosse cumprida.
Já da parte da tarde foi abordado por um dos braços direitos de Spínola, o tenente coronel Dias Lima. “Acompanhei-o no Mercedes do ministro da Defesa Silva Cunha. Perguntei-lhe onde íamos e ele disse que íamos ao encontro do general Spínola”. O presidente da Junta de Salvação Nacional tinha consigo uma lista de presos políticos na qual um inspector superior da Pide marcou  os que considerava que eram de delito comum. “Eram cerca de 80%, era uma situação terrível”, recordou.
Às 22h30 Spínola mantinha a posição e David Geraldes, então com 25 anos, chamou a atenção que “o corpo de fuzileiros estava com dificuldade para suster a multidão e ou aquilo era resolvido rapidamente, ou tinham que chamar mais forças porque ia ser um desastre”. Foi já por influência do general Costa Gomes (também da Junta de Salvação Nacional) que Spínola permitiu a libertação total dos presos de Caxias.
Nos dias seguintes David Geraldes direccionou antigos agentes da Pide que pediram protecção e contou que foi das primeiras pessoas a saber o nome dos dois assassinos de Humberto Delgado, pela voz de um inspector superior da PIDE.

O 25 de Abril ao vivo

José Carlos Faria, indicado pela CDU, estudava Belas Artes em Lisboa e assistiu ao vivo ao desenlace da revolução. Apesar de não ter ligação política na altura, contou que um grupo de jovens caldenses que estudavam na capital se reunia com frequência e uma dessas reuniões aconteceu na noite de 24 para 25. “Conversava com Mário Pacheco que estava muito desanimado e disse-lhe que as coisas haviam de melhorar. Mal sabia que já estavam a acontecer”, referiu.
Acordou cedo naquele dia, despertado pela senhoria do quarto alugado onde então vivia, com a mensagem de que estava a acontecer uma revolução. Passou o dia a rumar pela cidade e deparou-se com vários episódios importantes, como a chegada ao Tejo da fragata Gago Coutinho, que tinha ordens para disparar sobre as tropas de Salgueiro Maia no Terreiro do Paço. “Fui para a Baixa preocupado”, contou, mas um cordão militar impedia a passagem para esse local.
Mas deambulando pela zona, até acabou por assistir ao encontro entre Salgueiro Maia e o brigadeiro Junqueira dos Reis (que chegou a dar ordem de fogo, felizmente não cumprida, sobre a coluna de Santarém). “Começámos a pouco e pouco a ter noção que estavamos a ser testemunhas de acontecimentos que são dos mais importantes da História contemporânea”, disse.
Assistiu à passagem de um carro conduzido por Fernando Tordo a entoar alto e bom som o hino nacional. E também à primeira salva de intimidação sobre as paredes do Quartel do Carmo. Mais tarde, descendo ao Chiado, cruzou-se com uma multidão “gritando em pânico por na rua António Maria Cardoso [sede da Pide] tinham disparado sobre a multidão e havia mortos e feridos, como mais tarde se confirmou”.

Antes e depois de Abril nas Caldas

Mário Xavier, indicado pelo PS para esta conferência, contou vários episódios locais que ajudam a explicar o que era o oposicionismo ao regime fascista.
Fez parte da Comissão Democrática Eleitoral que concorreu contra o regime nas eleições de 1973 numa campanha “de imensas dificuldades”, afirmou. Fez o relato de uma acção numa feira do livro organizada pelo Sindicato dos Empregados de Escritório e Caixeiros das Caldas da Rainha em São Martinho, onde, apesar de autorizados, foram abordados pela polícia por estarem a colar cartazes. Ou de reuniões no escritório do advogado António Freitas, conhecido anti-fascista, em que os participantes foram abordados e identificados por forças policiais. “Alguns tiveram que lá ficar dentro porque eram funcionários públicos que seriam despedidos se fossem apanhados. Fomos multados em mais de dois contos, que entretanto veio o 25 de Abril e não tivemos que pagar”, recordou. E ainda uma acção no Teatro Pinheiro Chagas em que os candidatos partilhavam o palco com um comissário da PSP, que interrompia “quando fosse necessário para impor a autoridade. Foi extraordinariamente difícil lutar pela liberdade”, concluiu.
Mário Xavier, assim como Rui Gomes, convidado pelo PSD, falaram das várias assembleias que existiram nas Caldas entre 25 de Abril e 1 de Maio abertas à população como momentos de grande alegria por poderem participar em acções que eram impossíveis uns dias antes.
Rui Gomes, que já era funcionário público antes do 25 de Abril, sublinhou que nem todos os funcionários do Estado eram fascistas. Contou como foi possível que o famoso padre Felicidade Alves conseguisse ter-se casado, na sequência do pedido do advogado António Freitas.
Já Manuel Isaac disse que, com os 14 anos que tinha quando se deu o 25 de Abril, era novo demais para ter sentido falta de liberdade. Recordou, contudo, que esse acontecimento foi vivido pelos familiares e pelos habitantes da aldeia de onde é originário (Relvas, na freguesia de Santa Catarina) com “medo, ansiedade e incerteza pois eram pessoas sem ligação à política e ouvíamos as notícias na rádio com medo que pudesse haver alguma guerra”.
Recordar os presos políticos caldenses

Das intervenções reservadas para os presentes numa plateia lotada, destaque para Jorge Sobral, que recordou vários nomes de caldenses que foram presos políticos e de quem hoje “poucos se lembram”.
Exemplos como Bento Lourenço da Silva, “que perdeu uma oficina porque foi preso por estar a reparar o carro de um conhecido republicano”, contou Jorge Sobral. E outros nomes, como Mário Rebelo da Silva, responsável por manifestação de alegria que o levou à prisão, José Augusto Pimentel, José Etelvino, Teófilo de Matos, José Pereira dos Santos, Salvador Viola, Carlos Tomás, José António Lopes, Tomás Alves, Custódio Freitas, António Freitas e Manuel Duarte foram outros caldenses abordados.

 

- publicidade -