Caldas da Rainha foi uma das cidades visitadas pela embaixadora britânica, Kirsty Hayes, depois do referendo no Reino Unido, num périplo para ouvir as preocupações dos britânicos em Portugal. O estatuto de residentes, o acesso aos serviços de saúde e as pensões são os temas que mais ansiedade causam entre os imigrantes, disse a embaixadora. Kirsty Hayes estima que existam no Oeste 900 cidadãos do Reino Unido e notou que este número tem crescido nos últimos anos. Actualmente não há apenas reformados, mas também casais de meia idade que vêm abrir negócios.
Apesar da saída da UE, garante que o Reino Unido pretende continuar a ser parceiro, mantendo “uma estreita colaboração” com os 27 por exemplo, na segurança e defesa, investigação e ciência, cultura e educação.
Na entrevista que deu por escrito à Gazeta das Caldas, a embaixadora diz que o seu governo põe os “cidadãos em primeiro lugar”, tanto os britânicos que vivem em Portugal como os portugueses que vivem no Reino Unido. Mas é ainda cedo para saber como ficará o estatuto destas comunidades após dois anos de negociações.
GAZETA DAS CALDAS: Existe uma comunidade britânica muito grande nas Caldas? Consegue precisar números?
KIRSTY HAYES: Não diria que a comunidade britânica aqui na zona seja muito grande comparativamente a outras regiões de Portugal onde é mais tradicional a presença dos britânicos. Mas é um facto que tem vindo a aumentar nos últimos anos. Tem havido uma maior atração pela zona Centro do país, nomeadamente Caldas da Rainha, Tomar, Leiria e Pombal, e verificamos também alguma mudança no género de pessoas que procuram estas zonas para viver. Há casais de meia idade que vêm abrir o seu negócio, com filhos em idade escolar, e casais que se reformaram antecipadamente e escolheram a zona Centro para esta nova etapa da sua vida. De um modo geral, têm maior facilidade de integração na sociedade local.
Embora as estatísticas oficiais sobre o número de cidadãos britânicos residentes na zona indiquem aproximadamente 900, é muito dificil termos números correctos uma vez que nem todos os cidadãos registam a sua presença com o SEF.
E, como sabem, os nossos cidadãos já não precisam de se registar nos consulados e só recorrem aos nossos serviços consulares para apoio em situações de emergência (acidente, doença, perda ou roubo de passaporte, etc). Por isso, os números que temos baseiam-se apenas em estimativas.
GC: Quais as preocupações que demonstraram?
KH: As preocupações dos britânicos que vivem nesta zona são muito semelhantes às preocupações das comunidades britânicas noutras zonas de Portugal. Eu diria que as questões mais preocupantes são o seu estatuto de residentes, o acesso aos serviços de saúde e as suas pensões. Preocupa-os a incerteza de não saberem se estes benefícios poderão ser afectados quando o Reino Unido deixar de ser membro da União Europeia no final dos dois anos de negociação. Mas também outras questões como testamentos e heranças, questões fiscais e de propriedade, se irão necessitar de vistos, se deverão ou não pedir a nacionalidade portuguesa, e o que se irá passar com os seus actuais passaportes britânicos como cidadãos europeus.
GC: O que lhes transmitiu?
KH: Essencialmente a nossa mensagem tem sido que não haverá quaisquer mudanças para os britânicos que vivem em Portugal ou em qualquer país da UE, durante os próximos dois anos – ou seja até Abril de 2019. O mesmo se passa em relação a tantos cidadãos portugueses que vivem no Reino Unido. Até terminarem as negociações, continuaremos a ser um membro de pleno direito da União Europeia, com todos os direitos e obrigações que isso implica.
Como será a situação quando o Reino Unido deixar de ser membro da UE? Essa é uma questão que dependerá do que for acordado durante as negociações. Mas é muito importante salientar que a nossa primeira-ministra Theresa May já disse várias vezes que uma das suas principais prioridades nesta negociação será proteger os direitos dos cidadãos britânicos que vivem em países europeus, mas também proteger os direitos dos cidadãos europeus que vivem no Reino Unido – ou seja “os cidadãos em primeiro lugar”.
Concretamente em relação a Portugal, devo dizer que nos encontros bilaterais a nível oficial ao longo dos últimos meses, tem havido mensagens de apreço pela contribuição destas comunidades para a economia e para a vida dos nossos respectivos países, e a confirmação de que ambos os Governos estão empenhados em que o estatuto dos nossos cidadãos seja devidamente protegido. Naturalmente que haverá momentos de decisões difíceis, mas acreditamos que com boa vontade de todas as partes iremos conseguir alcançar um acordo que seja bom para o Reino Unido e bom para a UE.
“Os britânicos adoram Portugal – a começar por mim!”
GC: Como encara a situação dos residentes britânicos em Portugal?
KH: Acho que estão relativamente calmos, apesar obviamente de alguma ansiedade relativamente às questões que já mencionei. Os britânicos adoram Portugal – a começar por mim! Gostam imenso de aqui viver e apreciam muito a qualidade de vida e o bom acolhimento dos portugueses.
Apesar dos números oficiais mostrarem apenas cerca de 17.000 residentes, calculamos que haja entre 35.000 e 40.000 britânicos em Portugal. A maior parte vive no Algarve (cerca de 60%) e os restantes estão espalhados por todo o país, mas sobretudo em Lisboa-Estoril-Cascais, zona Centro e Grande Porto.
De uma forma geral eu diria que é uma comunidade bem integrada, com um bom relacinamento com os portugueses, e muito participativa na área dos negócios, da cultura, mas principalmente no apoio à comunidade através do voluntariado – que tem uma tradição muito forte no nosso país. Exemplos disso são organizações como a “Riding for the Disabled”, “Sailing for the Disabled”, “Women’s Royal Voluntary Service – WRVS”, “Centre Algarve” ou “Madrugada”.
GC: E a situação dos portugueses no Reino Unido?
KH: Há uma enorme comunidade portuguesa no Reino Unido e embora também não haja números muito exactos, calcula-se que sejam perto de 400.000 – muitos dos quais emigraram para o Reino Unido nos últimos três ou quatro anos. Na verdade o Reino Unido tem sido o país preferido dos portugueses que emigraram nestes últimos anos.
Posso afirmar que, de um modo geral, é uma comunidade muito apreciada e que dá uma contribuição muito valiosa para a vida e para a economia do Reino Unido – seja no sector bancário, nos hospitais e centros de saúde, nas universidades, nas artes ou nas tecnologias de informação.
GC: O que significa sair da União Europeia e ficar na Europa? Quais os maiores desafios?
KH: Sair da União Europeia e ficar na Europa significa que continuaremos a ser parceiros europeus leais e empenhados, e queremos manter uma estreita colaboração com a UE em diversas áreas, tais como a segurança e a defesa, investigação e ciência, cultura, educação entre outras. Queremos continuar a manter uma relação privilegiada de comércio e investimento, sendo que a nossa primeira ministra já afirmou que gostaria de concluir um acordo comercial muito ambicioso com a UE.
Em conjunto com outros parceiros internacionais, o Reino Unido continuará a ter um papel de relevo no combate às grandes ameaças internacionais como o terrorismo, as alterações climáticas ou o ciber crime, para exemplificar.
GC: Quando esteve nas Caldas da Rainha?
KH: Já estive nas Caldas da Rainha três vezes ao longo do último ano e meio, e gosto imenso de aqui vir. A primeira vez foi quando vim ao Centro Cultural assistir a um espectáculo de ballet – o que mostra que Caldas da Rainha tem uma actividade cultural muito interessante que atrai pessoas de outras regiões. Depois vim em Julho do ano passado para falar com os residentes britânicos aqui na região, logo a seguir ao referendo britânico em que o povo votou a favor da nossa saída da UE. E voltei agora, pois tinha prometido à comunidade britânica que esteve comigo nessa altura, que voltaria quando houvesse maior clareza sobre nosso processo de saída da UE. Esta visita agora concidiu exactamente com a semana em que o Governo Britânico accionou formalmente o Artigo 50, o que tornou a minha conversa com os meus concidadãos ainda mais relevante. Mas a verdade é que visito regularmente toda esta zona à volta das Caldas que acho uma região de Portugal muitíssimo bonita.
GC: Com quem esteve reunida?
KH: Tive pena, mas o tempo que passei nas Caldas da Rainha desta vez foi curto, pois a minha visita incluia também o Porto no mesmo dia. Mas irei regressar certamente. Mesmo assim, houve tempo para uma conversa com o presidente da Câmara, Fernando Tinta Ferreira, que muito simpaticamente veio ter comigo no final do encontro com os cidadãos britânicos e que me pôs a par dos progressos recentes no município e das oportunidades para potenciais investidores britânicos.
Estou muito grata à Câmara das Caldas por nos ter cedido o espaço do auditório da Biblioteca Municipal para realizarmos entre encontro. Antes disso, tive uma visita muito interessante e agradável à Casa Museu Bordalo Pinheiro e uma passagem pela loja da fábrica onde sempre acabo por trazer alguma recordação da fantástica loiça das Caldas!
Gostava de aproveitar esta oportunidade para aconselhar os cidadãos britânicos que vivem nesta zona a registarem-se como residentes junto das Câmaras Municipais, para que possam urufruir de todos os benefícios a que têm direito. Sugiro também que sigam os conselhos dos nossos serviços consulares através da página “Brits in Portugal” no Facebook.
Deixo também uma sugestão que pode ser útil aos cidadãos portugueses que vivem no Reino Unido: neste link www.gov.uk/guidance/status-of-eu-nationals-in-the-ukwhat-you-need-to-know podem encontrar informações muito relevantes sobre a situação dos cidadãos europeus no Reino Unido.
E finalmente, para quem tiver interesse em saber mais sobre o papel que o Reino Unido pretende continuar a desempenhar no mundo, sugiro o website “Plan for Britain” que foi recentemente lançado pelo Governo Britânico.