Chegou à política ativa quando foi saneada da empresa onde trabalhava. Maria do Rosário Ladeira ajudou o CDS a implementar-se na região e hoje a caldense faz parte dos seus orgãos diretivos do seu partido, onde milita desde 1975
Foi depois de ter sido saneada da empresa F. A. Caiado, no período do PREC (Processo Revolucionário em Curso), que Maria do Rosário Ladeira tomou de decisão de se filiar num partido político. Escolheu o CDS onde ainda hoje milita.
Corria o ano de 1975 quando foi trabalhar para a sede do partido que se mantém na Rua das Montras. “Quando cheguei não havia dinheiro. Era preciso angariar fundos”, recordou a caldense que integrou a comissão política e passou a ser a secretária do CDS local.
O médico Barradas de Carvalho era o presidente e nas Caldas a comissão “tinha apenas duas senhoras e um jovem bancário” , recordou a militante que tinha a seu cargo a implementação dos centristas no Bombarral, Peniche, Nazaré e até na Marinha Grande. “Íamos a todo o sítio”, disse Rosário Ladeira, recordando que esteve no primeiro congresso centrista, a 25 de janeiro de 1975 no Porto. Reunidos no Palácio de Cristal(atual Pavilhão Rosa Mota), os centristas foram cercados por manifestantes da esquerda, que gritavam “morte aos fascistas!” ou ainda “o Congresso não passará!”. Durante 12 horas, 700 pessoas (incluindo convidados estrangeiros) ficaram reféns. No exterior centenas de manifestantes confrontavam a polícia. Da situação resultaram 16 feridos, alguns carros incendiados e a atenção dos media internacionais. Durante a madrugada interveio o COPCON (Comando Operacional do Continente) – militares comandados por Otelo Saraiva de Carvalho – que evacuaram os militantes em segurança.
“Foi um episódio muito tenso e que marca a história do partido”, disse a caldense que saiu incólume do conturbado evento.
Frase infeliz em Rio Maior
Era a caldense que dava as coordenadas do que era preciso relativamente à logística e segurança nas iniciativas. Para a história ficaram vários comícios como o de Rio Maior, em dezembro de 1975, onde discursaram Freitas do Amaral e Basílio Horta e que “foram brilhantes”. Tudo corria bem até que o general Galvão e Melo, “se saiu com a infeliz frase: “Os comunistas deviam ser empurrados até ao mar …”. Esta sessão foi antecedida por outras no Bombarral, na Lourinhã e também por outro, que teve lugar nas Caldas. “Estava tudo preparado para a Praça de Touros mas a chuva trocou-nos as voltas. Foi necessário repensar tudo para o Pinheiro Chagas”, contou a caldense. Foi com a sala de espetáculos, situada na Praça 5 de Outubro, a abarrotar de gente (muitos ficaram à porta) que aconteceu esta sessão. Freitas do Amaral não pode vir mas veio Adelino Amaro da Costa. O evento marcou a estreia de Rosário Ladeira pois o líder não falava em nenhuma localidade que não fosse aberto por militantes locais. Assim que chegou ao Pinheiro Chagas, foi informada que o comício “era um barril de pólvora” pois “havia elementos dos partidos de esquerda infiltrados”.
A militante abriu as hostes com um discurso, aplaudido de pé por Amaro da Costa, onde explicava as razões para ter escolhido militar no CDS/PP. “Trabalho desde os 18 anos, sempre escolhi a empresa onde quis trabalhar e quero continuar a poder escolher! Não quero ser funcionária de Estado e quero continuar a ter liberdade de escolha!”, recordou.
No discurso, Rosário Ladeira afirmou que sabia que estavam elementos de outras forças políticas e pediu para que todos se comportassem. Logo nesse instante começaram os assobios e “ouvi algumas portas a bater….”, contou a militante que percebeu que era ação dos seguranças. Houve algumas escaramuças com alguns infiltrados mas estes acabaram expulsos do Pinheiro Chagas.
Para estar bem informada lia não só os livros de Mao Tsé -Tung como era leitora assídua do jornal do PCP, Avante! .
Nunca quis protagonismo
Em 1977, Freitas do Amaral quis que Rosário Ladeira fosse candidata a deputada por Leiria. “Não aceitei pois queria voltar à vida profissional. Também achava que havia gente com mais gabarito”, disse a caldense que acompanhou o candidato Rui Pena durante um mês por todo o distrito como “diretora de campanha”, como já tinha feito antes. “Ele foi eleito na única legislatura em que Leiria conseguiu eleger dois deputados”, recordou Rosário Ladeira, que preferiu ser reintegrada no final do ano na F.A. Caiado e volta a recusar novo cargo oferecido pelo seu partido, agora para secretariar o grupo parlamentar em Lisboa. No Lavradio (Tornada) encontrou uma empresa com um parque de máquinas “muito envelhecido” e “numa péssima situação financeira”.
No recomeço da vida profissional pediu logo férias pois foi tirar um curso de ação política à Alemanha.
Por não ter concordado com algumas medidas tomadas quando o seu partido se coligou com o PS, Rosário desfiliou-se, assim como muitos outros militantes. Regressou depois na década de 80 e, em 1986, visitou o Parlamento Europeu, em Bruxelas. Voltou a ser “assediada” para novos cargos, na altura da liderança de Manuel Monteiro, mas não quis e continuou a secretariar os líderes dos centristas caldenses. Para Rosário Ladeira, o CDS “teve dois lideres excecionais: Adelino Amaro da Costa e Paulo Portas”. Também gostou de Assunção Cristas, que “foi uma boa ministra da Agricultura” e foi amiga de Maria José Nogueira Pinto, que tinha ligações à região e integrou a assembleia municipal das Caldas. Paulo Portas convidou-a para ser secretária da mesa do Conselho Nacional e Rosário Ladeira aceitou o cargo até ao último mandato da sua liderança. Assunção Cristas decidiu reativar o Senado e convidou-a para o integrar. Sendo senadora a caldense tem, por inerência, assento no Conselho Nacional. Rosário Ladeira considera que o CDS está a passar “um período pouco feliz” e conta que votou em João Almeida para a liderança. Preocupa-a o “estado do país não só pela pandemia mas também pela ação da Gerigonça que nos tem governado”, rematou.■
Uma viajante que adora cozinhar e que tem saudades de receber amigos à mesa
As viagens e a culinária são os seus passatempos. Chama a atenção para a necessidade de recolher o receituário tradicional da região
Maria do Rosário Ladeira nasceu a 13 de março de 1940. Conta que teve infância e juventude felizes nas Caldas, cidade que beneficiou com a vinda dos refugiados da segunda grande guerra pois trouxeram modernidade até nos costumes.
“No Alentejo ou em Santarém uma rapariga não podia sair sozinha para lado nenhum. Nas Caldas não havia problema”, disse a caldense que também se lembra das senhoras deixarem de usar chapéu para sair e de tirar as meias como faziam as mulheres que vinham do centro da Europa. As senhoras iam ao café e até existia na Praça a Zaira, que Rosário Ladeira recorda que um vendedor da Praça a descreveu de forma certeira. Dizia que o local era “a taberna das mulheres”.
Rosário Ladeira frequentava os bailes do Casino, acompanhada pelos seus primos.
E foi uma das primeiras caldenses a usar biquíni na praia da Foz. “Era eu e a filha do Cabo do Mar”, recordou a caldense que guarda uma mágoa de não ter podido seguir enfermagem e aos 18 anos já trabalhava na Secla. Naquela unidade industrial teve oportunidade de contactar com os grandes nomes da cerâmica. O grande dinamismo da empresa ficou a dever-se a Pinto Ribeiro. Este responsável “deveria ter o seu nome numas das ruas da cidade”, disse Rosário Ladeira, que uma vez pediu a Ponte e Sousa (também administrador da fábrica) que não aumentasse os preços da refeição na cantina. “Tínhamos muitos aprendizes e aquela era a única refeição completa e que não deveria ser aumentada. Conseguiu o seu intento de justiça social mas soube mais tarde que a atitude lhe tinha valido um relatório na Pide.
Em 1971 foi trabalhar para a firma F. A. Caiado que era gerida por seus familiares. Posteriormente foi saneada desta empresa em 1975, mas regressou três anos mais tarde.
Ainda passou pela empresa Fonsecas (documentação automóvel) e pelo escritório de advocacia de Luísa Pimenta.
Rosário Ladeira não chegou a casar mas, em 1976, juntou-se com o companheiro António Carvalho que era militar. O casal era amigo de Vasco Lourenço pois ambos tinham estado no Regimento de Infantaria 5, nas Caldas.
“Logo após a Revolução ainda nos encontrámos algumas vezes….”, contou Rosário Ladeira que lamentou quando Vasco Lourenço a informou que tinha sido convidado para ser conselheiro de Estado….O seu amigo António Carvalho, companheiro de Rosário, dizia que os militares “deviam regressar aos quartéis….”. Rosário Ladeira achou nesse dia que o Vasco Lourenço se tinha vendido. “Todos os homens têm um preço e ele tinha sido comprado…”, referiu a caldense que teve um papel chave na forma como o CDS/PP se implementou na região, sem nunca querer lugares cimeiros.
Considera que o seu partido não está a passar um bom momento e lamenta que hoje os mais jovens “tenham uma visão distinta daquela que se vivia em que “o nome, a honra e a bem comum falavam mais alto do que os lugares em que estão colocados nas listas”, disse.
A senadora faz agora parte do Conselho Nacional por inerência e mantém-se ligada
à comissão política das Caldas . da Rainha.
Recolher as receitas da região
Rosário Ladeira viaja por todo o mundo. Em janeiro de 2020 tinha acabado de regressar da Tailândia e Malásia, mesmo antes do confinamento obrigatório. Tem também o gosto pela culinária e são famosos os jantares temáticos onde os seus convidados contatam com comida feita por ela, seguindo ementas de outros países.
“Tenho saudades de poder receber os amigos…”, disse a caldense que há quase dois anos não pode promover os seus habituais encontros.
É ainda doceira de créditos firmados e faz trouxas, farófias, entre tantos outros doces para fora. Enquanto esteve saneada, fazia tortas para revenda que a auxiliaram a manter-se financeiramente.
“O poder local deveria pensar em reunir as receitas culinárias do concelho”, disse, acrescentando que urge fazer a recolha das receitas locais, desde o Ensopado de Enguias sem esquecer as trouxas ou as tortas Arrelia.■