O escultor José Aurélio junto ao memorial. O artista está actualmente a preparar uma exposição para as Caldas. |Natacha Narciso
Foi inaugurada a 9 de Setembro uma escultura-memorial do escultor José Aurélio na Fortaleza de Peniche destinada a homenagear os presos políticos que ali estiveram entre 1934 e 1974.
Esta escultura à Liberdade, que faz menção ao 25 de Abril, corresponde à primeira parte de uma intervenção que ainda contará com uma segunda obra onde serão inscritos os nomes dos cerca de 2500 homens que estiveram naquela fortaleza, transformada em cadeia durante o Estado Novo. Foi também deixado o repto para que seja criado um memorial às mulheres que foram aprisionadas pelo regime no Forte de Caxias. “Esta é uma obra à Liberdade”, disse o escultor José Aurélio que colocou a estrutura de nove metros de altura sobre um enorme cubo feito com três toneladas de vigas de ferro. Deste cubo “saem” em direcção ao céu 25 varões em aço inox encimados por asas que simbolizam “a Revolução de Abril, a liberdade e o voo”, comentou o artista. O cubo está sobre um espelho de água que nesta escultura simboliza a vida, onde está inscrita uma frase do historiador António Borges Coelho, que ali também esteve preso: “Disseram não… para que a água da vida corresse limpa”. “Fui amigo de muita gente que aqui esteve… Alguns até já morreram”, disse o autor da escultura-memorial. Na sua opinião, “não podia deixar de fazer esta homenagem pois sinto-me credor destes homens que tanto lutaram pela liberdade”. Este artista está a preparar uma exposição para apresentar em breve nas Caldas da Rainha.
António José Correia, presidente da Câmara de Peniche, uniu-se à União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) para a realização desta iniciativa, que ainda incluiu a consulta documental ao Registo Geral dos Presos, depositado na Torre do Tombo. “Este registo está em actualização permanente, mas já temos o nome de cerca de 2500 cidadãos que estiveram presos aqui e que lutaram contra a ditadura”, disse o edil.
Estes nomes estão agora patentes na parede da Sala do Governador, assim como a maqueta e uma explicação detalhada sobre a criação da escultura-memorial. António José Correia agradeceu ainda ao escultor José Aurélio pela “sua capacidade interpretativa”.
Na sua opinião para concretizar esta obra “teria que ser alguém devidamente identidicado com os valores da Liberdade”. Além do mais, José Aurélio é da região e “é também um promotor de valores culturais”.
“Falta-nos agora o mural ou obra que contenha todos os nomes dos que aqui estiveram encarcerados”, disse Marília Villaverde Cabral, a presidente da URAP. A responsável diz que há muito que era preciso “uma escultura-memorial para lembrar que ali se sofreu, se lutou e se resistiu”. Esta associação, em conjunto com a autarquia, quer continuar a apostar na “luta contra o esquecimento”. A criação destas obras “é uma maneira de honrar os nossos heróis”, disse a responsável.
Marília Villaverde Cabral relembrou que o próximo passo é a constituição na Fortaleza, do Museu da Resistência que se quer que seja “um museu digno do Portugal democrático”, disse. A URAP, herdeira da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, “vai continuar a luta contra o branqueamento do fascismo e a esforçar-se para que a verdade histórica não seja deturpada”, rematou a responsável.
A inauguração da escultura contou com a presença de muitos ex-presos políticos e familiares, uns mais mediáticos, como o investigador Fernando Rosas e que se abraçaram a cada reencontro, num evento, onde as emoções estiveram à flor da pele.
Os presos colocaram fitas coloridas com mensagens que agora passam a decorar a escultura. As fitas, verdes, vermelhas e azuis, têm mensagens como “Sim à Liberdade; Não à Repressão Sim à Democracia: Sim à Resistência: Não ao Racismo”. Há outras fitas com excertos de textos de José Jorge Letria, António Gedeão, Manuel Alegre, José Saramago, Jorge de Sena, entre tantos outros.
A inauguração da escultura-memorial foi seguida pela actuação do projecto musical Cauda de Tesoura, participante no Festival Música de Cá e que entoou canções de intervenção de Zeca Afonso. Também subiu ao palco o Coro Lopes-Graça que fechou a iniciativa interpretando onze canções heroicas.
Lutar para poder beijar os filhos
A jornalista Ana Aranha (à direita) entrevistou os filhos dos presos políticos Anabela Carlos e Álvaro Pato |Natacha Narciso
A jornalista Ana Aranha, da Antena 1, foi convidada a participar neste evento para conversar com Álvaro Pato, filho de Octávio Pato e Anabela Carlos (filha de José Carlos), ambos presos em Peniche. O último foi um operário corticeiro “que integrou a célebre fuga da fortaleza com Álvaro Cunhal”, disse a jornalista que pediu aos dois convidados para recordar como era visitar os pais naquela prisão política.
Octávio Pato e Anabela Carlos tiveram vários familiares presos pelo Estado Novo, marcados pela clandestinidade e também pelo facto de eles próprios terem estado presos. Anabela Carlos era bebé quando partilhou a cela com a mãe em Caxias e Álvaro Pato foi preso nos anos 70. Este tinha 12 anos quando entrou primeira vez na Fortaleza de Peniche, próximo do Natal de 1962 e custou-lhe aceitar ver o pai e não lhe poder tocar. “Havia aqui muitas lutas e uma delas era pela possibilidade dos presos beijarem os filhos”, contou Álvaro Pato acrescentando que “são coisas que nos marcam e que não são fáceis de falar…”. O convidado referiu ainda que se multiplicarmos por cinco ou seis cada um dos presos políticos é possível constatar que foram “umas dezenas de milhares de portugueses que entre 1934 e 1974 sofreram às mãos do regime”.
Álvaro Pato mal conhecia o pai pois apenas o tinha visto uma vez depois de nascer, num encontro clandestino quando tinha nove anos. “Era então um estranho para mim quando o visitei na prisão”, acrescentando que se o seu pai e os familiares “falavam de temas que não agradavam ao guarda prisional, a visita terminava ali…!”.
Anabela Carlos, por seu lado, recordou como eram penosas as viagens de quatro horas que fazia autocarro, entre o Montijo e Peniche, para vir ver o pai. Tinha cinco anos a primeira vez, vinha acompanhada pela mãe e por um tio, e “quando cheguei só o vi o atrás dos vidros”. Não havia possibilidade de contacto físico ainda assim o pai perguntava-lhe não só como ia a escola e se tinha feito muitas travessuras. As familiares dos ex-presos políticos deixaram a sugestão para a criação de um memorial também para homenagear as mulheres que estiveram presas em Caxias, durante a Ditadura.
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Lutar para poder beijar os filhos
A jornalista Ana Aranha, da Antena 1, foi convidada a participar neste evento para conversar com Álvaro Pato, filho de Octávio Pato e Anabela Carlos (filha de José Carlos), ambos presos em Peniche. O último foi um operário corticeiro “que integrou a célebre fuga da fortaleza com Álvaro Cunhal”, disse a jornalista que pediu aos dois convidados para recordar como era visitar os pais naquela prisão política.
Octávio Pato e Anabela Carlos tiveram vários familiares presos pelo Estado Novo, marcados pela clandestinidade e também pelo facto de eles próprios terem estado presos. Anabela Carlos era bebé quando partilhou a cela com a mãe em Caxias e Álvaro Pato foi preso nos anos 70. Este tinha 12 anos quando entrou primeira vez na Fortaleza de Peniche, próximo do Natal de 1962 e custou-lhe aceitar ver o pai e não lhe poder tocar. “Havia aqui muitas lutas e uma delas era pela possibilidade dos presos beijarem os filhos”, contou Álvaro Pato acrescentando que “são coisas que nos marcam e que não são fáceis de falar…”. O convidado referiu ainda que se multiplicarmos por cinco ou seis cada um dos presos políticos é possível constatar que foram “umas dezenas de milhares de portugueses que entre 1934 e 1974 sofreram às mãos do regime”.
Álvaro Pato mal conhecia o pai pois apenas o tinha visto uma vez depois de nascer, num encontro clandestino quando tinha nove anos. “Era então um estranho para mim quando o visitei na prisão”, acrescentando que se o seu pai e os familiares “falavam de temas que não agradavam ao guarda prisional, a visita terminava ali…!”.
Anabela Carlos, por seu lado, recordou como eram penosas as viagens de quatro horas que fazia autocarro, entre o Montijo e Peniche, para vir ver o pai. Tinha cinco anos a primeira vez, vinha acompanhada pela mãe e por um tio, e “quando cheguei só o vi o atrás dos vidros”. Não havia possibilidade de contacto físico ainda assim o pai perguntava-lhe não só como ia a escola e se tinha feito muitas travessuras. As familiares dos ex-presos políticos deixaram a sugestão para a criação de um memorial também para homenagear as mulheres que estiveram presas em Caxias, durante a Ditadura.
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