O Aeroporto Humberto Delgado está esgotado. A ANA, empresa que gere os aeroportos nacionais, comunicou formalmente ao governo ter atingido em 2017 todos os factores de capacidade daquela estrutura, o que desencadeou um processo para a criação de uma alternativa para aumentar a capacidade aeroportuária da capital.
O Montijo é a hipótese mais forte e o governo já tem em mãos o estudo de impacte ambiental que viabiliza a construção de um aeroporto na Base Aérea Nº 6, mas a associação ambientalista Zero contesta a validade desse tipo de estudo, exigindo uma avaliação mais profunda e ameaçando com o recurso à justiça e às instituições europeias.
Está assim reaberta a discussão quanto à melhor alternativa para aumentar a capacidade de tráfego aéreo à capital e, com ela, voltam à agenda dos políticos e dos empresários da região as hipóteses de Monte Real e da Ota.
A associação ambientalista Zero emitiu no passado dia 9 de Maio um comunicado em que considera inadequado um estudo de impacte ambiental sobre a construção de um aeroporto no Montijo, manifestando fortes dúvidas relativamente às questões de ordenamento do território, ruído e interferência com avifauna. Os ambientalistas exigem a elaboração de uma avaliação ambiental estratégica “que considere as diferentes possibilidades de implantação e evolução de uma infra-estrutura destas no território”.
Dizem que é necessário perceber, primeiro, se o aeroporto Humberto Delgado será alguma vez substituído pelo aeroporto a implantar no Campo de Tiro de Alcochete e também qual o papel do aeroporto do Montijo relativamente a cada uma destas infraestruturas.
Como a utilização civil da Base Aérea do Montijo implicará um aumento de tráfego aéreo na região do estuário do Tejo, é também necessário perceber os impactes na avifauna pelo sobrevoo de áreas de Reserva Natural e de Zona de Proteção Especial do Estuário do Tejo. A Zero observa também que a presença destas reservas poderá constituir perigo para a própria aviação, pelo aumento do risco de colisão com aves. E acrescenta que se forem utilizadas as actuais pistas da base aérea, isso terá um impacto muito significativo ao nível do ruído em áreas de elevada densidade populacional durante as descolagen e as aterragens.
Além do ruído, a Zero nota que também a qualidade do ar será afectada, não apenas devido à poluição das aeronaves mas também ao tráfego rodoviário associado, o que pode ser também problemático.
O aeroporto forçaria a necessidade de novas acessibilidades a esta zona da Margem Sul, nos eixos rodoviário, fluvial e ferroviário, que levanta questões em relação ao objetivo de descarbonização do país até 2050.
A Zero considera “grave” se a Agência Portuguesa do Ambiente considerar um mero estudo de impacte ambiental como suficiente para a discussão desta infra-estrutura e lamenta a falta de respostas do Ministério do Planeamento e Infraestruturas, afirmando que pedirá intervenção da justiça nacional e da Comissão Europeia caso a construção não seja precedida de uma Avaliação Ambiental Estratégica.
PETIÇÃO POR MONTE REAL
As dúvidas da Zero quanto à viabilidade ambiental da construção de um aeroporto no Montijo vêm reacender o debate em relação às alternativas complementares ao aeroporto de Lisboa, trazendo de novo à baila a abertura da base aérea de Monte Real ao tráfego civil.
O debate sobre essa abertura da base militar aos voos civis e comerciais não é novo e tem mobilizado empresários e autarcas da região. No início do ano a Assembleia da República aprovou um projecto de resolução do PSD que recomenda ao governo a abertura daquela base aérea a voos civis (com a abstenção do PS, do PAN e do CDS-PP). Curiosamente, o PS, que agora se absteve, foi o mesmo que em 2010 apresentou na Assembleia da República uma recomendação ao governo para que determinasse os “estudos e procedimentos conducentes à infra-estruturação e à abertura, no mais curto espaço de tempo possível, da Base Aérea 5, de Monte Real, à aviação civil”.
No projecto de resolução agora aprovado, o PSD refere que a região Centro do país é a única sem uma infraestrutura aeroportuária e que “a questão do uso civil da base militar de Monte Real tem sido abordada como um projecto âncora para toda a região”. Os deputados acrescentam que a proximidade do Santuário de Fátima, onde se deslocam anualmente quatro milhões de pessoas, tem sido um dos motivos apontados como favorecendo o interesse do projecto.
Por outro lado, sublinham que não se levantam obstáculos a nível ambiental e que a abertura daquela base aérea a voos civis é útil para a economia e para o país.
Em Setembro do ano passado, a Câmara da Marinha Grande divulgou as conclusões de um “Estudo de viabilidade da abertura do aeroporto de Monte Real ao tráfego civil” que dava luz verde ao projecto, dizendo tratar-se de uma “operação viável”. O documento prevê um custo estimado de 20 milhões de euros para readaptação das infraestruturas existentes, como o reforço da pista, um terminal de passageiros, estrutura para armazenamento de combustível, placas de estacionamento, hangar de manutenção, perímetro e controlo e de acessos.
No que respeita a utilização, o estudo aponta para 5000 movimentos por ano (14 voos por dia) e cerca de 600 mil passageiros. A evolução a longo prazo prevê cerca de 9000 movimentos anuais (25 voos por dia) e a presença de 1 a 1,2 milhões de passageiros.
Está também a decorrer uma petição na internet a favor da abertura da Base Aérea nº 5 de Monte Real à aviação civil, que conta actualmente com 3911 assinaturas. O documento solicita que a base aérea seja dotada das infra-estruturas necessárias para permitir regular a utilização por parte de aviões civis e comerciais. Justificam a solução com a existência na região em torno do aeroporto de 2,4 milhões de habitantes e mais de 73 mil empresas que podem “beneficiar diariamente deste equipamento”.
Por outro lado, permitiria potenciar o turismo. “As mais de 50.000 camas disponíveis na região mostram que o sector da hotelaria, por exemplo, “agradeceria” a chegada de aviões “charter” com regularidade, sobretudo porque a BA5 em Monte Real fica tão próxima de um dos destinos mais procurados pelos estrangeiros em Portugal, Fátima, que chega a atrair seis milhões de visitantes ao ano”, refere a petição.
A TRISTE HISTÓRIA DA OTA
No Oeste a Ota já foi uma forte hipótese para receber um novo aeroporto internacional. Essa hipótese caiu durante o governo de José Sócrates, que preferiu a Margem Sul, mas as questões ambientais à volta dos possíveis aeroportos do Montijo e de Alcochete fazem com que a esperança persista.
Em Maio de 2007, o então ministro das Obras Públicas e Transportes do governo socialista, Mário Lino, veio ao Congresso do Oeste, em Alcobaça, dizer que a decisão de construir o aeroporto no concelho de Alenquer (Ota) já tinha sido tomada em 2000 e que era mesmo para avançar. Despediu-se dos congressistas marcando encontro para o ano seguinte “para visitar as obras do aeroporto”.
Por essa altura ficou célebre a frase “Alcochete jamais” proferida pelo ministro que afastava a hipótese de o aeroporto ir para a Margem Sul. Mas meses depois seria precisamente esta a escolha do futuro aeroporto internacional.
Para trás ficavam gastos em estudos de mais de 40 milhões de euros, de acordo com o que revelou o Tribunal de Contas em 2011.
Após a decisão de que o aeroporto não se localizaria na Ota, o governo de José Sócrates avançou com reuniões com os autarcas oestinos para a definição de compensações por terem sido goradas as expectativas criadas em torno desta infraestrutura. Foi o próprio primeiro-ministro que, em Setembro de 2008, veio às Caldas apresentar, na sede da OesteCIM, os 120 projectos, num valor superior a 2 mil milhões de euros, abrangendo 16 municípios e que que iriam ser desenvolvidos até 2017.
A requalificação integral da Linha do Oeste, entre Figueira da Foz e Lisboa, a construção de estradas, quartéis, escolas e de um novo hospital no Oeste Norte, a constituição de uma Agência Regional de Energia e Ambiente, a requalificação do parque industrial e a ampliação do Museu da Cerâmica, foram alguns dos projectos apresentados.
No entanto, pouco se fez. Os autarcas do Oeste têm reunido com os sucessivos governos, mas a crise e opções políticas contrárias levaram a que muitos dos projectos não se concretizassem.