Falta de estratégia, de diálogo e de uma visão a longo prazo são algumas das críticas apontadas pelo deputado municipal, Jaime Neto, ao atual executivo que, garante, não está a cumprir o memorando de entendimento com o PS
O PS elegeu um vereador para a Câmara, mas com a desfiliação de Luís Patacho, perdeu a representatividade naquele órgão autárquico. Gazeta das Caldas entrevista Jaime Neto, líder da bancada do PS na Assembleia Municipal
O PS elegeu um vereador, mas com a desfiliação de Luís Patacho e a sua permanência no cargo, ficou sem representatividade na Câmara. De que forma tem sido feita a oposição?
A oposição tem sido feita na Assembleia Municipal, como é evidente. Na altura, houve um memorando de entendimento, porque o movimento Vamos Mudar, que está no executivo, não tem maioria absoluta, no sentido de defender o superior interesse do concelho e das populações, mas que não tem sido cumprido pelo VM, e que nos tem levado a fazer uma oposição consequente, muito positiva, na Assembleia. Temos sido, talvez, o grupo municipal que mais propostas tem apresentado. Muitas têm sido rejeitadas e outras, que já vinham de trás, têm sido, finalmente, aprovadas. Há propostas que já apresentámos há cerca de 10 anos, que só agora, finalmente, vêem a luz do dia, como as Zonas 30 nas ruas onde existem escolas, o Regulamento Municipal do Arvoredo ou o apoio à natalidade.
Tem havido, de facto, uma atuação pobre, titubeante, ziguezagueante deste executivo, que não tem maioria, mas que, muitas vezes, se comporta como a tendo e isso gera equívocos e desentendimentos. A principal crítica que nós fazemos é essa: este executivo tem falta de diálogo e falta de estratégia. Muitas vezes comporta-se como tendo maioria absoluta e apresenta coisas na Assembleia não para discussão ou para receber propostas e ideias, mas como coisas que já estão feitas e que são imutáveis.
“A principal crítica é que este executivo tem falta de diálogo e de estratégia. Muitas vezes comporta-se como tendo maioria absoluta”
Pode dar-nos exemplos?
Estava no nosso memorando de entendimento o fomento da mobilidade sustentável, nomeadamente para a defesa e promoção da linha do Oeste e sua modernização ao longo de toda a via, a requalificação da estação e do seu enquadramento com vista à criação de um terminal intermodal. Nós defendemos que as Caldas têm condições para ser um hub intermodal, talvez o mais relevante do Oeste, mas a proposta apresentada, do parque estacionamento no final da rua 15 de Agosto, não vai de encontro a esse desiderato.
Não estando a ser cumprido, o memorando é benéfico ou é um espartilho para o PS?
Não é um espartilho, é um memorando que não foi consequentemente levado. O sr. presidente fala que só eles é que marcam reuniões, mas de facto não são só as reuniões, era preciso cumprir aquilo que foi estabelecido e não o foi. Por exemplo, o desenvolvimento do centro empresarial das Caldas foi pouco cumprido, a criação de um centro de experimentação agrícola também não foi cumprido, nem a implementação do plano dos mercados e feiras, e nós precisamos de um plano estratégico para todos os nossos mercados.
Caldas é uma cidade que precisa de ter uma dinâmica, uma estratégia de afirmação da sua centralidade territorial e de liderança territorial, e isso não tem havido. Nós precisamos de ter mais ambição para que as Caldas voltem a ter o protagonismo que já tiveram. Estas nossas propostas que estavam incluídas no memorando eram nesse sentido, e ele foi esvaziado ao longo do tempo pelo próprio VM, que nunca revelou vontade de implementar as propostas que tinha acordado, ou então quando apresenta, são coisas diferentes que não podem merecer a nossa aprovação.
“Poderá estar em causa, evidentemente [a viabilização do Orçamento para 2025], eles não têm maioria absoluta”
Um dos pontos deste memorando é a viabilização do Orçamento. Está em causa?
Poderá estar em causa, evidentemente, eles não têm maioria absoluta. A partir do momento em que o executivo Vamos Mudar, ou o executivo Vitor Marques – é mais Vitor Marques, do que Vamos Mudar, porque o Vamos Mudar é um movimento com pessoas e opiniões muito díspares – não implementa aquilo que foi acordado, apresenta as coisas como estando já feitas, há pouco diálogo, isso para nós é muito mau.
Todas as más políticas que são implementadas aqui nas Caldas também têm reflexo económico e social nos concelhos à volta, porque as Caldas é um centro estruturante, como diz o PROT. Nós temos que ter ideias políticas estruturantes, que liderem a região, pelo menos do Oeste Norte, e é isso que tem faltado. Temos o problema da Linha do Oeste, que ainda não está modernizada, mas temos que fazer o dobro do trabalho para atrair mais agentes económicos e isso passa por muitas políticas, desde logo também de promoção de eventos que atraiam pessoas, e também uma política para a estação ferroviária, que penso que irá ser uma centralidade muito importante quando a linha estiver modernizada e construída a estação de alta velocidade em Leiria.
O PS tem discordado da aplicação da tarifa às fossas séticas. Mantém-se a posição?
Sim, mantemos essa posição. Os serviços municipalizados não podem estar a cobrar uma taxa quando não prestam o serviço. Não sabemos exatamente quantas fossas séticas existem, qual é a tipologia das diferentes fossas séticas, quais são aquelas que efetivamente estão a prejudicar o ambiente e que não têm condições. Temos que fazer esse trabalho de levantamento e depois aplicar uma taxa que seja diferenciada do que é a taxa normal para quem tem o serviço. Somos sempre em defesa do ambiente e, de facto, as pessoas que poluem devem ser penalizadas, tal como as que têm o saneamento à porta e não fazem ligação. Agora, há aqueles que não têm possibilidades, que não têm rede, a Câmara tem que fazer o levantamento do cadastro e tem que aplicar uma taxa de acordo com as situações de cada um. E é isso que não está feito. É um pouco como a questão dos prédios degradados…
Este executivo deveria ter mais ponderação e dialogar mais com a oposição para podermos ter projetos consequentes. É isso que não tem acontecido… mesmo ao nível da organização dos serviços da Câmara.
O que se passa?
Na última Assembleia apareceu uma proposta de estrutura orgânica dos serviços que é totalmente inaceitável porque acaba com os departamentos, ficam só 18 unidades orgânicas. Entre as unidades orgânicas e o presidente e vereadores existe uma miríade de gabinetes, com pessoas que são nomeadas e cujos ordenados são pagos a partir do orçamento da Câmara, e que na prática se comportam quase como vereadores. Para nós é totalmente inaceitável, porque não é uma estrutura vertical em que há responsabilidade e que há articulação entre setores como, por exemplo, o ambiente e o urbanismo.
Caldas pode ganhar a batalha pelo novo hospital do Oeste?
Eu estudei planeamento regional e alinhar a rede nacional hospitalar com a rede urbana é a coisa lógica do ponto de vista do que é a ciência regional. Pensamos que é um grave erro [a construção no Bombarral] e eu tenho convicção que deve haver clarividência política e pessoas que percebam que a nossa faixa atlântica, entre Setúbal e Viana do Castelo, é muito importante para o desenvolvimento do país e é importante que seja bem urbanizada. Não é pôr equipamentos junto à autoestrada, longe dos centros urbanos, porque isso cria uma desurbanização, uma nebulosa, temos que centralizar as coisas por uma questão de sustentabilidade. É muito importante que o hospital seja um hospital eficiente e sustentável. A nossa visão estratégica para a cidade e concelho é ligada à saúde, ao bem-estar e à criatividade.
O que deve ser feito para haver saúde para quem cá vive?
Desde logo temos a saúde ligada ao termalismo, que também é um tema muito importante, e também tem sido feito muito pouca coisa para fomentar o termalismo. Há que implementar a ideia estratégica de que a nossa cidade está ligada à saúde, ao bem-estar e à criatividade.
E como é que isso se faz?
Temos de ter uma política abrangente, que passa também pelo urbanismo. Por exemplo, somos uma cidade média, mas que tem no seu interior 43 hectares de uma mancha verde, com uma grande importância. E tem sido feito muito pouca coisa para isso. Não temos a onda da Nazaré, o surf como Peniche, mas temos recursos que poderiam ser capitalizados para atrair, nomeadamente, um turismo termal e atividades ligadas à saúde.
Tem faltado estratégia ou poder político?
Eu acho que tem faltado estratégia ao poder político. Mesmo ao nível da criatividade tem sido feito muito pouco. Nós tínhamos um entendimento de todos os partidos de que a criação do Museu Nacional da Cerâmica seria um objetivo que deveria ser mantido ao longo do tempo e dos mandatos autárquicos. Este executivo pôs esse projeto de parte. Portanto, há aqui coisas que revelam que este executivo do Vamos Mudar tem sido muito titubeante e tem gerido a Câmara mais por impulsos do que por uma ideia estratégica.
O VM conseguiu capitalizar os votos de muitos eleitores do PS e do PSD, que devem agora estar desiludidos pela inação deste executivo, por falta de estratégia. Acreditamos que nas próximas eleições podemos voltar a merecer a confiança destes eleitores para podermos ter também mais influência ao nível autárquico.
O PS já está a trabalhar para as próximas autárquicas?
Sim, penso que a comissão política está a trabalhar, mas ainda é cedo para estar a falar sobre isso. Penso que ideias estratégicas não nos faltam, agora é preciso arranjar os candidatos certos que possam merecer a confiança das pessoas.
Está disponível para ir a votos?
Tenho estado disponível nos últimos 10 anos. A minha predisposição política tem sido mais a partir da cidadania cívica do que propriamente da militância partidária. Eu não sou militante do PS, sou simpatizante, e portanto parto sempre de uma cidadania crítica e cívica, ou seja, entendo que também os estudos que fiz ao nível do planeamento regional e urbano podem ser úteis para tornar a nossa cidade uma cidade mais europeia, mais moderna, e era isso que eu gostava. Estamos a ser ultrapassados por outras cidades que são mais ativas a desenvolver ideias e acho que precisávamos de ser mais ativos nas redes europeias.
Caldas integra a Rede Europeia das Cidades e Vilas Históricas Termais e é cidade criativa da UNESCO. Tem beneficiado?
Tem sido dada muito pouca atenção ao facto de as Caldas ser Cidade Criativa da UNESCO. Não temos tido nenhum evento do âmbito nacional ou internacional nesse sentido e acho que deveríamos ter. Tem-se investido em festas de verão e outras coisas que geram grandes prejuízos, mas que não trazem benefícios sociais e económicos no futuro. Mesmo os que vinham do passado, como o World Press Cartoon, acabaram. Este executivo achou que não gera benefícios, mas era um evento que tinha repercussão nacional e que deixou de ter… Eu acho que as Caldas assim perdem protagonismo territorial e perde também a capacidade de liderança territorial. Os outros municípios olham para nós, não como um exemplo a seguir, mas às vezes como uma cidade e concelho que tem políticas antiquadas, que não olha para os seus recursos e que não os promove, isso é muito mau, essa falta de ambição estratégica, que não é só de agora, mas que agora parece que bateu no fundo, ou seja, andamos mesmo a ziguezaguear sem uma ideia estratégica.
Nas últimas autárquicas o PS perdeu votos. Como reverter?
A estratégia é continuarmos a defender as nossas ideias e esperar o reconhecimento dos eleitores para as mesmas. Eu também não sei explicar porque é que não tem havido essa confiança no PS para liderar os destinos da cidade e do concelho. Mas o PS é um grande partido nacional, as pessoas nas eleições nacionais até têm votado, às vezes, maioritariamente no PS, aqui nas Caldas e, portanto, há todos os motivos para podermos ambicionar vir a ser poder. Não sei explicar porque é que, de facto, há tantos anos o PS não é poder, mas acho que tem condições para poder vir a ser.
O PS perdeu também um vereador. Como inverter a tendência?
Houve uma deslocação de votos do PS para o VM, em grande parte. O PS tem que continuar a apresentar as suas ideias, a comunicar de uma maneira coerente e a escolher os melhores candidatos.
Luís Patacho era o rosto do partido. A saída foi um golpe?
Foi. Foi um golpe forte, não posso negar.
O PS saiu prejudicado sem poder fazer oposição na Câmara. Está fragilizado para as eleições? Que caminho farão?
Eu não posso falar pelo secretariado do PS local. Sou eleito pela Assembleia Municipal, sou independente e portanto não vou dizer qual é a estratégia, não queria estar a adiantar nesse sentido. Mas penso que nós temos que apresentar as nossas ideias. Se as pessoas às vezes votam mais nas pessoas do que nas ideias, isso pode ser um problema. Às vezes as boas pessoas não são os melhores candidatos. Há pessoas que são muito populares, mas depois na prática revela-se que têm uma fraca atuação. As pessoas têm que olhar mais para os programas e têm que exigir aos políticos que foram eleitos o cumprimento desses programas. A política deve ser mais consequente, mais responsável e alicerçada na livre discussão das ideias, não tanto das pessoas. Infelizmente, a política a nível mundial tem evoluído no sentido de ataques mais para a questão pessoal do que para a questão política e a discussão das ideias e isso é negativo. Mas penso que temos que continuar a apostar em ter programas consequentes de desenvolvimento económico e social das Caldas. É isso que se pretende, uma cidade mais desenvolvida, mais moderna, mais europeia, mais cosmopolita e que possa atrair pessoas.
Ouça a entrevista na íntegra aqui: