“Vive-se actualmente uma crise ética pois é cada vez mais difícil defender as nossas convicções”, disse Rui Moreira, o presidente da Câmara do Porto, o último convidado do 21 às 21, o ciclo de debates do Movimento Viver o Concelho. A iniciativa, que decorreu a 21 de Novembro, teve a Casa dos Barcos cheia de gente e fechou o ciclo de debates com chave de ouro ao fim de uma década de encontros mensais que trouxe às Caldas mais de uma centena de palestrantes de várias áreas.
Rui Moreira tinha 18 anos quando se cumpriu a revolução do 25 Abril. Recordou que aquele foi “um momento fantástico” pois passou a ser possível ouvir livremente “o que só podíamos escutar às escondidas” e desde aquele dia “passámos a poder dizer o que nos ia na alma”. O autarca do Porto lembrou que era uma época feliz em que se falava de tudo, que se debatiam todos os temas possíveis, desde a política, a religião e a moral. “E acreditávamos que íamos mudar alguma coisa no país”, disse o orador que se lembra de ter crescido num país onde eram poucos os que tinham acesso à educação, à formação, aos serviços de saúde, à água corrente ou ao saneamento básico.
Apesar da sociedade portuguesa ter evoluído nos mais variados sectores, o presidente da Câmara da Invicta acha que se vive actualmente “uma crise profunda da ética que provavelmente começou na política, que é uma emanação de todos nós”. Rui Moreira acha que hoje os próprios cidadãos são produtores de notícias através das redes sociais e que, atrás dos ecrãs, se estabelece “uma comunicação muito cobarde” pois escrevem-se coisas que “não seríamos capazes de dizer uns aos outros no café”.
O convidado ainda acrescentou que as notícias falsas “se propagam com uma enorme velocidade”, o que faz com que “a ética se perca no momento em que já não defendemos o próximo”. Ao mais pequeno lapso, “as pessoas são logo condenadas na praça pública”, referiu o orador, acrescentando que poucos acreditam na justiça.
A opinião generalizada é que esta “funciona tardiamente ou então que funciona apenas só para alguns”. Hoje há cidadãos que rapidamente se transformam em “apedrejadores” e, além do mais, “não somos capazes de fazer exigências para que sectores como a Justiça funcionem melhor”.
O autarca acredita ainda que é preciso agir contra a intolerância e que se não fizermos nada perante situações concretas, “nós próprios estamos a ser ofensivos”. Na sua opinião, a ética “não é só ter direitos e também temos que ter coragem de defender aqueles em quem acreditamos”.
O convidado acha que é necessário proteger a democracia, defendendo a liberdade, os direitos dos outros, a cidadania “e os princípios que antes eram defendidos pela religião”. Se assim não for, a democracia deixa de funcionar e “eu vejo-a ameaçada pois estamos muito conformistas”.
Rui Moreira considera até que aparentemente temos mais liberdade “mas hoje temos mais problemas em dizer no que acreditamos”. Antes eram mais fácil o confronto de ideias pois hoje em dia “é difícil às pessoas defender as suas convicções”. Para o convidado não há cidadania sem ética e a cidadania de subsistência “não nos pode satisfazer”, rematou.
Uma escola prática de cidadania
Presentes na sessão estiveram também Paulo Morais, João Paulo Batalha e Vítor Marques que estiveram desde sempre ligados a este ciclo de debates. João Paulo Batalha da Associação Transparência, o que fez o 21 às 21 “foi criar cidadania, não como encargo mas sim como uma escola prática de cidadania e da alegria de nos encontrarmos e a democracia precisa disto”.
Já para Paulo Morais, da Frente Cívica, o 21 às 21 “foi um oásis num deserto de falta de discussão que há por todo o país”. Na sua opinião, este ciclo foi nos últimos dez anos “um dos raros exemplos de debate e de contraditório que é feito a nível nacional”. Vítor Marques afirmou que este foi um fim de ciclo mas que é preciso continuar a apostar na cidadania e continuar a apostar em ciclos de debate que terão lugar noutros formatos.
“Hoje termina o 21 às 21 pois é preciso saber quando algo chega ao fim e deve-se terminar com dignidade”, disse a mentora da iniciativa,Teresa Serrenho.
“A vida faz-se com os outros e por isso iremos fazer outros eventos mas não com esta regularidade mensal a que o 21 às 21 obrigava”, referiu a responsável que fez questão de homenagear José Mário Branco, músico da Revolução, entretanto falecido, através da audição do tema Inquietação. A homenagem foi antecedida pela oferta de uma obra de arte pelo autor Carlos Oliveira aos convidados que participaram nesta sessão. O evento colocou um ponto final ao evento que trouxe às Caldas durante a última década 113 convidados, entre eles, Fernando Nobre, Filipe Duarte Santos, Catalina Pestana, Guilherme Leite, Fernanda Paulo, Frei Fernando Ventura, Luís Osório, Manuel Freire, Jaime Costa, Nelson Oliveira, Luís Moita, Ana Gomes, Daniel Luís, Eduardo Martins, José Pacheco Pereira, Daniel Luís, António Fernandes, Sofia Cera, Contra Torres, António Eloy, José Oliveira, José António Cerejo, Arlindo Marques, coronel Andrade da Silva, Jorge Amaro, José Inácio Faria, Luís Portela, Paula Alves, Ana Rita Antunes, Helena Mota, padre Jardim Moreira e José Pinto da Costa.