A Cooperativa Editorial Caldense, constituída para assumir a propriedade do jornal, foi criada no dia 30 de janeiro de 1975. A edição de 1 de fevereiro desse ano dava nota da escritura pública, com a presença de elementos da Comissão Pró-Cooperativa, da Comissão de Redação e colaboradores da Gazeta das Caldas
A Gazeta das Caldas perfaz no dia 1 de Outubro próximo o centenário da sua criação, mas coisa singular, a Cooperativa Editorial Caldense, constituída em 1975 para assumir a propriedade do jornal, foi criada no dia 30 de janeiro de 1975, precisamente faz hoje 50 anos.
O acaso do destino não me permitiu acompanhar presencialmente o processo para a sua criação, mas, como residia então no estrangeiro, acompanhei à distância estas diligências e pude testemunhar quando já estava em Portugal, em janeiro de 1975, a constituição da Cooperativa, sendo signatário da sua escritura pública com outros 11 cooperantes, no Cartório Notarial da cidade.
Muitos daqueles que estiveram nos primeiros passos da Cooperativa já não estão entre nós, tendo sido objetivo dos que continuaram, respeitar os propósitos iniciais da mesma, bem como as palavras dos fundadores da Gazeta das Caldas – Nobre Coutinho e Nuno Infante da Câmara – em editorial da sua primeira edição:
“Não nos movem animosidades, não nos sacodem vaidosos desejos de grandeza. Estamos convencidos de que, com a nossa presença preenchemos uma lacuna; e assim saudamos os habitantes das Caldas e sua região, com o desejo de trabalho fecundo e progresso contínuo.
Que as desilusões nos não toquem a alma, e que nos encorajem os nossos ideais, todos aqueles que, desassombradamente, trabalhem para o bem comum”.
Recordo que aquando do 75º aniversário da Gazeta, convidámos para aquele momento, o filho do fundador Nobre Coutinho, que nos manifestou a sua alegria e regozijo pela trajetória encontrado para o jornal depois do 25 de Abril de 1974 e que respeitava a vontade de seu pai.
Relembrando resumidamente a história do jornal: Em 1925 um grupo de caldenses, não de nascimento, mas de adesão e fidelidade à vila onde viviam, decidiram criar um jornal, para defender os interesses e os desígnios locais, como já referimos na primeira edição deste ano.
Nesse tempo reinava a 1ª República, com todas as suas dissensões e complicações, crises e instabilidade, que o próprio jornal, assumindo-se não partidário, refletia bem como a sua crítica à trajetória do país e, especialmente, às consequências para Caldas da Rainha e para a região que a circundava, sempre esquecida pelo poder central.
Meses depois do lançamento do 1º número o país assistia a mais um Golpe de Estado (a 28 de maio de 1926), desta vez triunfante, a que o jornal “aderiu” inicialmente numa expetativa de que isso pudesse melhorar a situação do país e da região.
No projeto inicial da Gazeta das Caldas estavam várias pessoas locais, que depois vieram a aderir formal e nalguns casos entusiasticamente ao regime que se instalava, apesar dos principais fundadores, como se nota em muitas páginas do jornal ao longo da 1ª década, manterem uma certa identificação com algumas das principais figuras da 1ª República e dos seus ideais originais.
Essas contradições verificaram-se durante uma década no jornal, que, apesar da censura instaurada depois do 28 de Maio, se notava uma afirmação de princípios e procedimentos diferentes do que o regime instalado progressivamente impunha.
Mas o tempo passa, os fundadores vão envelhecendo e pela lei da vida, desaparecem do reino dos vivos, ficando alguns colaboradores seus, que crescentemente lutavam com dificuldades económicas, financeiras, técnicas e mesmo de relacionamento com o autoritarismo que se ia impondo.
A impossibilidade de se confrontar com as crises que se agravavam, até porque o país continuava a viver numa crise económica profunda, a que o aproximar da II Grande Guerra, despoletou a necessidade de passar a titularidade do jornal para pessoas influentes do novo regime, que a partir de certo momento o transformaram de Órgão Regionalista em Nacionalista, e nas suas colunas passaram a dominar, as informações dos principais sustentáculos do regime. Com o final da II Grande Guerra e a vitória dos Aliados e das Democracias, os responsáveis pelo jornal fazem um recuo e volta a ser jornal regionalista, mantendo, contudo, a sua adesão ao regime mas baixando o nível de radicalismo, que só regressaria com o início da Guerra Colonial. A história até 1974 é pois complexa e rica, mas não permite resumi-la já neste espaço e tempo.
As transformações ocorridas no jornal em 1974, a partir da queda do regime e da institucionalização do regime democrático em 25 de Abril, não admira que tenham sido fáceis, apesar das hesitações iniciais, consumando-se na edição de 14 de setembro de 1974, com a publicação de uma informação assinada pelo diretor e subdiretora do jornal, Adérito Amora e Ermelinda Fernandes, que anunciava a criação da Cooperativa “Gazeta das Caldas”, que depois assumiria outro nome por razões formais.
Assim escrevia-se que “os signatários contactaram os detentores do capital na pessoa do Exmo. Senhor Doutor Saudade e Silva, tendo este distinto advogado aceite a proposta de entregar a Gazeta a uma Cooperativa aberta a todos os caldenses”.
E na sequência disso eram convidados “todos os caldenses interessados nesta iniciativa a comparecerem” no Salão da Columbófila “com as suas ideias e boa vontade para fazermos da “Gazeta” o jornal que todos queremos”.
Nesta informação referia-se que a Cooperativa tinha outros horizontes de atividades como livreira e editora, o que haveria de acontecer nas primeiras décadas da sua vida.
Da reunião da Columbófila que, lamentaram os organizadores, compareceram não muitas pessoas – cerca de três dezenas -, tendo sido constituída uma comissão formada por Adérito Amora, Nuno Ximenes e Joaquim Campino Alves com a responsabilidade de elaborarem um projeto de estatutos.
Na edição de 26 de outubro já se publicava o projeto de Estatutos, a que se seguiu uma reunião para debate dos mesmos nas instalações do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio e Escritórios, com a aprovação do nome mais abrangente de Cooperativa Editorial Caldense, de que saiu uma Comissão Pró-Cooperativa que se juntaram aos membros que elaboraram os estatutos mais Fernando Ferreira, João Camilo e Ramiro Benécio.
Na edição de 20 de novembro eram publicados na íntegra os estatutos aprovados na reunião havida nas instalações do Sindicato.
Na mesma ocasião eram anunciados os membros escolhidos na reunião para a Comissão da Redação formada por Alberto Lemos, António Avelãs, Jorge Sobral, José Luiz A. Silva e Teresa C. Ferreira.
Em Abril desse ano, por decisão da comissão e devido ao pedido de escusa por falta de tempo de Adérito Amora, eu assumiria a coordenação da direção do jornal a título interino.
Na edição de 1 de fevereiro de 1975 anunciava-se que havia sido no dia 30 de janeiro “assinada no notário a escritura pública da Cooperativa Editorial Caldense”, tendo estado presentes os elementos da Comissão Pró-Cooperativa, da Comissão de Redação e alguns empregados da Gazeta das Caldas.
Já na edição do jornal do dia 8 de fevereiro foi publicada a escritura pública a cargo da Notária Dra. Ermelinda dos Santos Xavier, em forma de Sociedade Cooperativa Anónima.
Simultaneamente nesse período foram publicados nas edições da Gazeta das Caldas vários artigos de autoria de J. Dias Agudo sobre o que era o Cooperativismo, publicados inicialmente no diário República, em que utilizava as experiências de cooperativismo da França, Itália, Bélgica ou Japão.
Uma das primeiras missões que a Cooperativa se encarregou foi a de resolver um conflito insanável que já durava há anos entre a Empresa Gazeta das Caldas e o proprietário do edifício onde funcionava, como é atestado na primeira ata da Assembleia Geral em 14 de março de 1975. Também seria resolvido o outro problema do registo do jornal segundo a legislação então em vigor antes do 25 de Abril.
Nesta Assembleia foram eleitos os primeiros corpos gerentes, cujos nomes recordamos para memória futura:
Direção – Pres. António Avelãs, VP – Manuel Gil, Secret. Teresa Ferreira, Tesour. João Camilo, Vogal Alberto Lemos, Suplen. António Realinho e António Félix; Assemb. Geral: Fernando Ferreira, Nuno Ximenes, Mário Gonçalves e Jorge Sobral; Cons. Fiscal: Luís Rodrigues, Caldas Faria e Adérito Amora.
Meio século depois o que dizer? Primeiro, que numa sociedade crescentemente capitalística e com a progressiva inovação tecnológica e comunicacional que tocou bem fundo na imprensa escrita, de um período em que houve uma certa estabilidade económica e financeira, a situação agravou-se desde o domínio da Internet sobre todas as coisas. Os hábitos e as práticas da comunidade em que o jornal (todos os jornais, sejam diários, semanários, revistas ou noutros formatos e periodicidades) tem sido substituído como principal veículo da comunicação tanto para muitos leitores, especialmente as camadas mais jovens, como para os anunciantes, não tendo a sociedade ainda encontrado as fórmulas que possam apoiá-los, pelo contributo e responsabilidade social que têm.
O Estatuto Cooperativo pode ser ainda hoje, como se veem em exemplos estrangeiros, a fórmula ideal para assegurar a continuidade destas instituições comunicacionais vocacionadas para o “bem comum” como se dizia no editorial da 1ª edição. Esperemos que o centenário do jornal Gazeta das Caldas coincidente com o cinquentenário da Cooperativa Editorial Caldense, sejam um bom augúrio para ambos! ■