Cooperativa Editorial Caldense foi criada há meio século, no espírito da Revolução

0
70
- publicidade -

No dia 30 de janeiro de 1975 era assinada a escritura que criava a Cooperativa Editorial Caldense, que é detentora da Gazeta das Caldas. Esta foi uma solução que surgiu na sequência da Revolução dos Cravos e da Democracia em Portugal

Faz hoje meio século da criação da Cooperativa Editorial Caldense. Foi no dia 30 de janeiro de 1975 que foi assinada a escritura, com 12 outorgantes. Mas esse foi o culminar de um processo participativo que se seguiu à ocupação da Gazeta das Caldas no pós-25 de Abril.
Meio século depois recordamos estes momentos, em conversa com António Avelãs, primeiro presidente da Cooperativa, e com Jorge Sobral, um dos fundadores.
O jornal regionalista, que com o Estado Novo perdeu a Liberdade, viria a recuperá-la, numa ocupação que foi pacífica e sem conflitos, até porque a administração da empresa que detinha o jornal compreendia a mudança na sociedade. Por outro lado, o facto de não ser uma empresa lucrativa também terá facilitado a esta transição pacífica. Foi, ainda assim, e segundo Jorge Sobral, um dos ativistas que tomou parte na definição de um novo rumo para o jornal, a mais simbólica ocupação nas Caldas, dado o peso que a Gazeta tinha como veículo de informação.
Ainda assim, recorda, não houve nenhuma ação bélica ou arrombar de portas, foi tudo pacífico. “Após o 25 de Abril houve uma primeira preocupação com os presos políticos”, recorda, notando que muita gente se colocou a caminho de Peniche. Desses dias recorda também a realização de manifestações. “A Gazeta era parte de um conjunto de situações que havia que alterar”, lembra. Tal como o casino, que se destinava a uma elite e que pretendiam abrir à comunidade e transformar num espaço cultural, “como veio a acontecer”. A mudança na Gazeta vem “inserida neste movimento”.
Os anteriores responsáveis afastaram-se e deixaram caminho aberto à mudança, que também era pretendida pelos funcionários, recorda. A criação da Cooperativa permitiu também negociar a mudança de propriedade com os responsáveis da empresa que detinha o jornal.
António Avelãs recorda um contexto em que “era necessário que a Gazeta das Caldas acompanhasse a mudança política e revolucionária”. Explica que “a Cooperativa nasce do voluntarismo, às vezes bem-fundamentado, mas em que a boa-vontade supere a racionalidade, porque nenhum de nós tinha experiência editorial e de trabalhar ou gerir jornais”. Ainda assim, “com boa-vontade fomos resolvendo as questões”.
A maioria dos ativistas estava ligada ao Conjunto Cénico Caldense, que tinha a sede perto do jornal e cujo presidente era Adérito Amora, que, com Ermelinda Freitas, assumiram a direção e redação da Gazeta. Houve, a dada altura, uma predominância do PCP, como força mais organizada de então, no jornal.
“Havia um duplo objetivo, cimentar um ambiente favorável ao movimento revolucionário e garantir a independência”, havia explicado Avelãs, há quatro anos ao nosso jornal. Após a ocupação, a situação económica do jornal era muito frágil e nem para o papel havia dinheiro. “Lembro-me de ir a Lisboa, ao Diário, com um camarada do PCP na carrinha dele para ir buscar restos de papel”, recordou. As duas edições após a Revolução dos Cravos são impressas em papel cor-de-rosa.
António Avelãs defende que, de imediato, a Gazeta “melhorou muito”, mesmo sem jornalistas. Ambos realçam o papel dos funcionários que garantiam a impressão do jornal, a receber salários baixos e, por vezes, fora de horas. “Foram inexcedíveis, sem eles não seria possível”, resume. Recordam a mestria, a abertura e a dedicação dos funcionários, que trabalhavam com equipamento obsoleto.
Desses “meses entusiasmantes”, Avelãs guarda na memória “a prioridade dada à abertura de estradas e caminhos que davam acesso à escola às crianças e que ligou muito a Gazeta das Caldas ao dia-a-dia das populações das aldeias e da cidade”, lembrando o prazer que lhe deu fazer esses trabalhos e falar com as pessoas nas aldeias do concelho. Essa atenção às freguesias rurais do concelho foi uma das grandes preocupações nesta fase.
Após a ocupação, em setembro de 1974 foi realizada uma reunião aberta, no Salão da Columbófila, que contou com a participação de 30 pessoas para discutir a futura cooperativa, “Era uma solução de compromisso”, refere Avelãs. Com o início do ano letivo, Ermelinda Freitas, que era professora, pediu a substituição do cargo, tendo sido nomeada uma comissão composta por Santiago Freitas, Ramiro Benécio, Alberto Lemos, Jorge Sobral, António Avelãs e José Eduardo Martins Pereira. Também nessa reunião um grupo composto por Adérito Amora, Nuno Ximenes e Joaquim Campino Alves ficou de elaborar uma proposta de estatutos, que foram apresentados em outubro e aprovados no mês seguinte.
Pelo caminho dá-se uma polémica, com a publicação de um artigo a defender Paiva e Sousa para presidente da Câmara. Este foi publicado, mas não refletia o sentir da maioria no jornal e criou uma crise interna, que levou à nomeação de uma nova comissão de direção composta por Alberto Lemos, António Avelãs, Jorge Sobral, José Luiz de Almeida Silva e Teresa C. Ferreira. Foi, então, lançada uma campanha que juntou 180 pessoas que adquiriram títulos da cooperativa por mil escudos (5 euros, um valor que era superior a um salário médio de então).

Houve também um artigo de um antigo informador da PIDE que gerou uma discussão interna sobre a sua publicação ou não no jornal e sobre o que é a liberdade, lembra Jorge Sobral. “Essas peripécias foram muito engraçadas”, lembra. A falta de conhecimento jornalístico terá levado, certamente, a erros, mas as coisas devem ser analisadas à luz do contexto e António Avelãs faz um balanço positivo da passagem pela Gazeta.
A cooperativa foi, conforme referido, criada em janeiro de 1975. “Foi o momento em que a união de um conjunto de pessoas fez uma boa obra”, descreve António Avelãs. José Luiz de Almeida Silva foi escolhido para diretor interino, a pedido de Adérito Amora que não dispunha de tempo para a direção do jornal, em maio do ano seguinte.
José Luiz de Almeida Silva propôs-se então a manter a independência e cumprimento do estatuto editorial da Gazeta das Caldas, tanto em termos partidários como económicos. Tem-no feito ao longo destas cinco décadas, sendo o diretor de jornal no nosso país há mais anos em atividade.
As melhorias no jornal continuaram. “Ficou em boas mãos, tornou-se um jornal mais profissionalizado e com outras competências”, refere, admitindo que se sente orgulhoso de ter ajudado a criar esta solução.
“É brilhante” o jornal atingir o centenário, afirma António Avelãs, elogiando a Gazeta, que “tem vindo a melhorar muito e que a nível de jornais regionais merece destaque”. Defende que o Estado deveria apoiar mais a imprensa local, porque estes meios são “um elemento fundamental para a prática de cidadania e participação local”. ■

- publicidade -