Barcelona 1992 foram os primeiros Jogos Olímpicos que viu, mas a primeira vez que sonhou estar envolvido na competição foi quando o seu ídolo de então, Miguel Maia, transportou o estandarte nacional na cerimónia de abertura de Sidney 2000. Vinte anos depois, o caldense Marco Alves tem a responsabilidade de chefiar a Missão Olímpica portuguesa para Tóquio 2020. garantir o funcionamento de toda a logística é a sua missão.
Gazeta das Caldas (GC): Ainda se lembra dos primeiros Jogos Olímpicos que assistiu?
Marco Alves (MA): Tenho uma ténue recordação dos Jogos Olímpicos de 88, lembro-me de terem sido bastante falados em minha casa, pela medalha da Rosa Mota. Mas dos que me lembro de assistir, de ficar colado à televisão, foram dos de 92 em Barcelona, tinha 10 anos. Diria que foi aí que o espírito olímpico nasceu em mim.
É um conjunto de ideais e de valores que faz sentido. Para quem gosta de desporto, acredito que ver os Jogos Olímpicos na televisão mexe qualquer coisa connosco. Como é óbvio, poder sonhar com o fazer parte de uma missão olímpica não passava, de todo, pela minha cabeça na altura, mas era um deslumbramento para com um evento que é único.Depois houve outros momentos. Joguei voleibol no Sp. Caldas e ver o Miguel Maia como porta estandarte de Portugal nos Jogos também me marcou. Era dos atletas com os quais me identificava e foi o associar de que um dia gostava de estar ali.
GC: E, então, como foi quando soube que ia ser chefe da missão olímpica?
MA: Sem dúvida um orgulho, porque é uma oportunidade de representar Portugal. Mas também uma enorme responsabilidade. Os Jogos Olímpicos envolvem hoje um conjunto de exigências que temos que estar à altura para as cumprir. O nosso compromisso é garantir as melhores condições de participação aos atletas portugueses. Não nos podemos esquecer que a competição será do outro lado do mundo, com uma diferença geográfica e cultural consideráveis, e temos que estar capacitados para ultrapassar esses desafios.
GC: Esta nomeação foi sequência de um trabalho que tem vindo a desempenhar no Comité Olímpico Português (COP) há alguns anos. Pode falar-nos um pouco desse percurso?
MA: Comecei a trabalhar no COP em 2009. Tinha participado na comissão organizadora dos Jogos da Lusofonia e depois abriu concurso para o departamento técnico do comité, candidatei-me. Na altura entrei eu e outro colega da região, na perspectiva de preparar os Jogos Olímpicos de Londres. Em 2010 organizou-se o primeiro evento sobre a responsabilidade do COP, os Jogos da Juventude, em Singapura. Na altura não estive presente. A minha primeira missão foi o Festival Olímpico da Juventude Europeia, uns mini Jogos Olímpicos para idades mais jovens, com 10 modalidades e 50 países. Foi na Turquia, em 2011. Seguiram-se os Jogos de Londres, em 2012, onde já estive como técnico. No ciclo seguinte estive em mais missões e no pós-Rio. Chefiei algumas missões, como os Jogos Mundiais na Polónia, os Olímpicos da Juventude em Buenos Aires, os Jogos do Mediterrâneo em Tarragona, e no ano passado nos Jogos Europeus, que são o principal ensaio à preparação nacional a nível desportivo e de logística. Foi um grande teste à nossa organização e os resultados foram muito bons.
GC: Também praticou desporto na juventude. Foi importante no seu percurso?
MA: Pratiquei várias modalidades nas Caldas da Rainha, na juventude. É uma cidade com uma oferta desportiva muito interessante, do ponto de vista da variedade. Há muitos clubes e modalidades, os jovens têm possibilidade de experimentar um pouco de tudo, o que é muito importante. Fiz ginástica nos Bombeiros e no Acrotramp. Joguei ténis de mesa e badminton no Pavilhão da Mata. E a modalidade que gostei mais, e que pratiquei durante mais tempo, foi o voleibol. Comecei no desporto escolar e depois fui para o Sporting das Caldas. Diria que essa possibilidade de experimentar várias modalidades faz-me ter uma ligação especial a muitas delas. As pessoas só têm noção do que os atletas fazem nos Jogos Olímpicos quando sentem a dificuldade de cada modalidade. Eu tive essa sorte, de ter acesso a estas modalidades, e isso contribuiu para o meu gosto pelo desporto.
O DESPORTO PRECISA DE PESSOAS FORMADAS NAS DIFERENTES ÁREAS
GC: Isso levou-o para o curso de gestão desportiva. Cada vez aposta-se mais na formação nesta área. É importante que quem está por detrás, a dar apoio aos atletas, tenha formação específica para o fazer?
MA: Quando eu era pequeno gostava de ser arquitecto. Mas depois, quando tive que decidir para ingressar no 10º ano optei por desporto, pelo resultado dos exames psicotécnicos que fiz na escola. Quando estava no 12º ano, independentemente de haver uma inclinação para uma aposta na carreira de professor, abriu-se esta possibilidade de gestão, com a qual me identifiquei mais. Hoje em dia o desporto precisa disto, de pessoas formadas nas diferentes áreas que lhe estão associadas, porque é um fenómeno que movimenta um capital humano, financeiro e de influência que exige formação superior a quem está a trabalhar nessas áreas.
TAREFA É FAZER COM OS ATLETAS SÓ TENHAM QUE TREINAR E COMPETIR
GC: Quais são as funções e responsabilidades do chefe da Missão Olímpica?
MA: Quanto tempo temos? [risos] Para fazer uma súmula rápida, posso dizer que o meu dia começou por tratar do transporte dos cavalos para Tóquio. Depois fui fazer o registo dos rádios que os ciclistas irão utilizar durante as suas provas nos Jogos. Depois ainda é preciso fazer a marcação das viagens de cada uma das equipas – atletas e treinadores – para Tóquio. Há outras funções, como reunir com o comité organizador para definir a localização de Portugal dentro da aldeia olímpica, tendo em consideração as características dos edifícios disponíveis. É toda uma panóplia de situações que, efectivamente, têm que ser feitas com muito tempo. Logo após os Jogos Olímpicos do Rio 2016, Tóquio 2020 passou a estar no nosso dia-a-dia.Vamos ter um contentor a sair de Portugal com material nos primeiros dias de Abril. Toda a logística de participação tem que ser pensada muito tempo antes e os cenários que têm que ser ponderados são muitos, porque são muitos os pormenores que podem influenciar a prestação dos nossos atletas. Estamos num patamar desportivo em que as diferenças fazem-se nos pormenores.
Entre os membros da missão, temos a velha máxima de que não são só os atletas que têm que ser de alto rendimento, nós também temos que ser. O nosso trabalho pode não ser visível nos resultados do atleta, mas o facto de, quando chegarem lá, eles só terem que estar preocupados em treinar e competir, pode ajudá-los a ter uma prestação melhor. Este é nosso grande objectivo. O atleta não tem que se preocupar se se esqueceu da raquete em cima da mesa no dia do treino, como já aconteceu, porque se isso acontecer, alguém trata de levar a raquete de volta.
“A região Oeste tem dado bons atletas”
GAZETA DAS CALDAS (GC): Há alguns atletas da região que se podem apurar para os Jogos Olímpicos, como o João Pereira (triatlo), e outros que se podem juntar noutros ciclos olímpicos, como o João Almeida (ciclismo). Como vê o desenvolvimento do desporto na região?
MARCO ALVES (MA): Esses nomes são, efectivamente, referência do desporto nacional. O João Pereira, ainda que venha de um processo de lesão, é um nome praticamente certo nos Jogos de Tóquio. O João Almeida tem alguns nomes que podem estar à frente no processo de selecção, mas aponta um futuro para Paris 24 ou Los Angeles 28. A recente prestação na Volta ao Algarve foi mais uma confirmação do valor dele. A região tem dado alguns nomes a esta causa, tanto os que são naturais, como os que se preparam na região.
GC: Quais são os objectivos da missão portuguesa em Tóquio?
MA: Os objectivos, estabelecidos entre o COP e o IPDJ estão fixados em termos desportivos e qualitativos. Os desportivos passam pela conquista mínima de dois pódios, 12 diplomas (até ao 8º lugar) e de 26 classificações até aos 16 primeiros. Depois há a questão do equilíbrio entre os apuramentos masculinos e femininos, que possa superar os 40%. No Rio já estivemos próximos deste número. O número de pontos que o COP deve atingir durante os Jogos de Tóquio deverá superar os 40. São atribuídos 8 pontos a uma medalha de ouro até 1 ponto ao 8º lugar. Numa óptica de optimização dos recursos, é objectivo que 80% dos atletas apoiados neste período possa garantir a presença nos Jogos. Serão entre 70 e 80 atletas. No Rio tivemos 92, incluindo os 18 da selecção de futebol, que já não se pode qualificar. Temos ainda a possibilidade de ter a selecção de andebol, que poderá levar 14 atletas. O último objectivo centra-se na qualificação de atletas de 19 modalidades distintas.
GC: Houve reforço dos apoios para este ciclo? Tem sido uma questão sempre muito falada quando há Jogos Olímpicos.
MA: O contrato programa visa precisamente isso, proporcionar condições aos atletas para disputarem a qualificação e depois a preparação para os Jogos. Por outro lado, o que é investido em Portugal a 4 anos, noutras realidades é o que se aplica apenas numa modalidade. São apoios consideráveis, mas é o país que temos. Podemos dizer que o que é garantido a cada atleta estes valores é acompanhado em muitos países europeus. Muitas das vezes os comentários dos atletas têm a ver com a dificuldade em chegar a estes patamares, na fase anterior à de preparação olímpica. Nessas alturas será mais difícil conciliar o nível de apoio com o nível desportivo que é exigido. A partir do momento em que eles integram o programa de preparação olímpica há condições para que se possam dedicar a esta preparação para os Jogos.
GC: Os Centros de Alto Rendimento vieram contribuir para essa melhoria de condições de preparação?
MA: Caldas da Rainha é um exemplo disso. As condições das instalações são de alguma forma a garantia de qualidade no processo de treino. Mas penso que grande parte dos atletas se preparam, numa parte considerável do tempo, no estrangeiro, porque tudo o que são estágios de preparação acontecem em ambientes concentrados noutros países, sobretudo em modalidades em que há um adversário directo e é necessário treinar com atletas do nível deles, para poderem evoluir.
GC: Os Jogos Olímpicos são importantes para que haja desenvolvimento do desporto além do futebol?
MA: Organizar um evento de 4 em 4 anos com a magia inerente os Jogos Olímpicos, com a oportunidade das modalidades terem um palco em que o futebol é apenas uma modalidade, faz com que as outras se possam sentir mais importantes neste período e se preparem melhor para este evento. Há muitas modalidades que não fazem parte dos Jogos e gostavam de fazer, pelo mediatismo e pelo reconhecimento do mérito desportivo.
Epidemia afecta apuramentos
G.C.: O coronavírus é uma preocupação extra nesta altura?
M.A.: Claro que sim. Os Jogos estão previstos para dentro de meia dúzia de meses. Mais que os Jogos, nesta altura afecta o apuramento. Há muitas provas a serem canceladas e são importantes no processo de qualificação. Estamos a acompanhar as medidas que estão a ser tomadas para compensar o que está a ficar comprometido.
A mensagem que temos da task force internacional constituída em Tóquio, é que se está a trabalhar para que os Jogos se realizem nos moldes em previstos. Estamos a acompanhar, mas apesar de ser preocupante não nos pode limitar no que estamos a preparar, porque acontecendo os Jogos temos que estar preparados para lá estar nas melhores condições, é o que estamos a fazer.