Situado na Suíça, o CERN (Conselho Europeu para a Investigação Nuclear) é uma das principais organizações de investigação científica e que tem dado respostas às mais prementes questões da Física da actualidade. O Bosão de Higgs (também chamada Partícula de Deus), que estará na origem do mundo, é disso um exemplo. Mas há outras descobertas no currículo do CERN. Sabia que a Internet foi criada nessa organização para facilitar as comunicações entre os cientistas, que o teletransporte do ser humano não é possível, ou que a velocidade da luz e as viagens no tempo continuam a ser ficção científica?
O físico João Seixas, que é professor do Instituto Superior Técnico de Lisboa e investigador do CERN, estará no auditório do CCC, no próximo dia 11 de Maio, pelas 21h30, para dar uma conferência sobre a temática “À procura da origem do Universo no bico de uma agulha”. A organização desta iniciativa cultural é dos Dragões do Oeste com o apoio da Gazeta das Caldas.
Esta conferência é de entrada livre e nela o orador irá abordar questões tão básicas como a explicação da origem da vida e de todos nós, bem como sobre as questões mais interessantes que pretendem explicar a razão do ser.
Em entrevista dada por escrito à Gazeta das Caldas, este cientista fala, entre outras coisas, da sua participação no CERN e da sua vida como investigador.
GAZETA DAS CALDAS – Qual a ligação entre a explicação da origem da vida e o acelerador de partículas do CERN?
JOÃO SEIXAS – Nenhuma. A escala de distâncias e de tempo testadas no CERN é de ordens de grandeza inferiores à da vida.
GC – Afinal o que é o acelerador de partículas e para que serve?
JS – Um acelerador serve para levar partículas (carregadas electricamente, no caso protões) a moverem-se com velocidades próximas da velocidade da luz. Quando essas partículas colidem, produzem uma densidade de energia local semelhante à que existia nos primeiros microssegundos após o Big Bang.
O acelerador funciona também como um microscópio porque a onda de matéria associada ao protão com essa velocidade tem uma frequência de tal maneira elevada que consegue resolver estruturas até 100 mil vezes mais pequenas que o tamanho de um protão.
O CERN não contém só o Large Hadron Collider (LHC). Há todo um conjunto de aceleradores do qual o LHC é (por enquanto) o maior. Eu, por exemplo, trabalhei em dois aceleradores: SPS e LHC.
GC – O acelerador de partículas foi um investimento que reuniu a contribuição de muitos países. Quanto custou e quanto custa hoje o seu funcionamento e a investigação que é feita lá?
JS – Na verdade, o acelerador (LHC) até foi muito barato tendo em vista o tempo que demorou a construir (30 anos). Além disso, o que produziu em retorno de desenvolvimento tecnológico através de contratos com as empresas dos vários países (e que em seguida se transformaram em produtos comerciais), é muito maior que o preço da máquina e das experiências. De facto, tudo somado foi um bom negócio para os cidadãos.
Mas vamos a números. O LHC custou 3513 mil milhões de euros e as experiências cerca de 1403 mil milhões de euros. A infraestrutura computacional (uma das maiores do mundo) associada custou 78 mil milhões de euros. No total, menos do que a dívida do BPN à Caixa Geral de Depósitos…
Nos gastos anuais, um muito importante é a electricidade. Para fazer funcionar o LHC são necessários 750 GWh por ano e todo o CERN 1,3 TWh por ano. Para comparação, todo o Cantão de Genebra (algo como Coimbra) consome 3 TWh por ano. Por isso a máquina está desligada nos primeiros dois ou três meses do ano para diminuir os custos de funcionamento (mas toda a gente continua a trabalhar!).
A título de exemplo, entre 2009 e 2012 (período de descoberta do bosão de Higgs) a totalidade dos recursos atribuídos directamente para o funcionamento do LHC mais experiências, foi da ordem de 1030 milhões de euros.
Foi no CERN que se inventou a WEB
GC – Uma das inovações que tem o CERN por detrás e que pouca gente conhece foi a criação da própria WEB (World Wide Web), ou seja o sistema existente para a gestão da informação na rede da Internet. Podia contar essa história?
JS – A história é simples, na verdade. Os físicos precisavam de comunicar texto, som e imagem (gráficos, por exemplo). Isso implicava juntar à rede de comunicação entre computadores (já existente) um mecanismo de indexação de informação. O truque foi criar ligações entre documentos através de um identificador universal (Universal Resource Locator ou URL) e para isso o Tim Berners Lee criou um protocolo de transferência de informação (HyperText Transfer Protocol ou HTTP) e uma linguagem específica chamada HyperText Markup Language (ou HTML). O resto da história todos conhecem.
A parte interessante é o porquê de uma expansão tão rápida. Por um lado, correspondia a uma necessidade do mercado, mas o grande segredo foi pôr toda esta estrutura gratuita para uso universal. Isso só era possível de fazer num sítio como o CERN. É uma das vantagens de ser uma organização internacional.
GC – A explicação da origem do mundo pode antecipar outro paradoxo do fim do mundo?
JS – Está dependente de vários dados de satélite e do LHC saber se à expansão do Universo se seguirá uma contração. Para já, não podemos responder a esta questão com uma certeza absoluta.
GC – Que benefícios, além do conhecimento em si, pode trazer à humanidade a descoberta da matéria negra? Pode resolver problemas como a obtenção de energia limpa?
JS – O conhecimento em si é na verdade um benefício. É na verdade o maior de todos porque muda a forma como vemos o Universo e o nosso lugar nele. Dá-nos que pensar…
Mas como não sabemos o que é a matéria escura (ou a energia escura, que é diferente), o resto da pergunta não tem resposta neste momento.
GC – O CERN pode desbravar caminho para se perceber se é possível viajar a velocidades superiores à da luz?
JS – A Relatividade Restrita de Einstein é testada 1 bilião de vezes por segundo (este é o número de colisões registado no LHC). Nenhuma indicação de qualquer violação da Relatividade foi registada até ao momento.
“Teletransportar um ser humano é impossível”
GC – O teletransporte, tema cada vez mais comum na ficção, pode ser uma realidade? É possível um ser humano desmaterializar-se para aparecer, depois, noutro lugar?
JS – A resposta é sim e não. Que se pode teletransportar uma partícula é possível e já foi feito em laboratório. Se é possível fazer isso com um ser humano (ou outra coisa) a resposta é não por causa das Relações de Incerteza de Heisenberg. Não é de forma nenhuma possível garantir que todos os átomos ficam localizados num único local e por isso a reconstrução do ser humano é impossível.
GC – Uma equipe do CERN disse que os neutrinos viajaram mais rápido do que a luz e que podem ser viajantes do tempo. Isto abre caminho para a humanidade viajar no tempo? E isso traria consequências à nossa existência ou criaria realidades paralelas?
JS – Esse resultado (de que eu até falei na comunicação social e do qual desde o início desconfiei muito) já foi declarado incorrecto pelos elementos da Colaboração OPERA do laboratório do Gran Sasso. Tratou-se de um erro de electrónica que não foi correctamente reconhecido e corrigido. Como disse acima, não há nenhuma indicação que partículas se possam mover com velocidade superior à da luz no vácuo (mas na matéria isso é possível).
Portugueses no CERN
GC – Portugal participa neste projecto. Qual a importância desta participação e os benefícios para o país?
JS – O desenvolvimento da Ciência em Portugal é, a vários títulos, subsidiário da participação no CERN. Foi a primeira organização internacional global a que Portugal aderiu e moldou o destino da Ciência em Portugal. Para além da Ciência no CERN, formou-se um número enorme de engenheiros de topo, cientistas e técnicos altamente especializados (e até gestores, imagine-se!). Muitos deles criaram as suas empresas ou transferiram alta tecnologia para as empresas que os contrataram.
A indústria nacional modernizou-se e continua a modernizar-se através de contratos com o CERN em programas de desenvolvimento científico.
GC – Um conselho que queira dar aos jovens que estão no ensino secundário e que vêem de forma distante uma carreira como a sua? Acha que vale a pena trabalhar tão intensamente?
JS – Só no dicionário é que sucesso vem antes de trabalho. Se eu lá cheguei, outros o poderão fazer desde que tenham vontade e sejam persistentes. É uma das profissões mais extraordinárias que se pode ter (como dizia um colega meu suíço, “fazemos o que gostamos e ainda por cima somos pagos para o fazer!”). Para os jovens, o que eu aconselharia é que mantenham um espírito livre, crítico e focado e não cedam a facilidades porque a Natureza nunca o faz. Observem permanentemente o que se passa no mundo lá fora e tentem explicá-lo. A Natureza não é software, é coisa real que se percebe com experiências reais que se fazem com as mãos e usando a cabeça. Nunca se esqueçam desta verdade muito básica, mas fundamental.
GC – Há um dito popular que está no cerne do enigma da criação do mundo: “O que nasceu primeiro a galinha ou o ovo?” É possível ter hoje alguma explicação lógica?
JS – Nem a galinha nem o ovo. Na realidade, na história do Universo o que foi criado primeiro foi o protão (e os mesões, mas isso é outra história).
Desde pequeno que queria estudar Física
GC – O que faz no seu tempo livre, além do Yoga?
JS – Na verdade hoje em dia, quando posso ando sobretudo de bicicleta, vou ao cinema, ou discuto ciência de forma mais informal.
GC – Quando soube que a ciência iria nortear a sua vida profissional?
JS – Desde muito pequeno, na verdade. Sempre soube que queria estudar Física (ou ser cientista quando ainda não sabia bem o que era a Física). Mas a confirmação de que este seria verdadeiramente o meu caminho foi-me dada por uma professora de Física chamada Amélia Índias que tive no ensino secundário. Era uma professora absolutamente extraordinária.
GC – Quais são os seus autores favoritos (musicais e literários)?
JS – É difícil dizer porque gosto de muitos, a esmagadora maioria clássica… Em música gosto muito de Gustav Mahler, de Bach e de um compositor para guitarra (clássica) chamado Agustín Barrios Mangoré. Tenho uma especial predilecção por música contemporânea e em particular por Steve Reich, György Ligeti, Arvo Pärt…
Na verdade, leio poucos romances. Gosto particularmente de Eça de Queirós em prosa e de Ruy Belo e de Pessoa em poesia. Também gosto muito do poeta inglês T.S. Eliot.
GC – Que locais frequenta quando regressa a Portugal?
JS – Os mesmos que toda a gente… excepto os centros comerciais pelos quais nutro um especial ódio.
José Silva