A intenção da autarquia em alargar a rua Ernestina Martins Pereira choca com a legislação que considera aquela zona como fazendo parte do perímetro de protecção das águas termais. A lei é clara: são proibidas “as construções de qualquer espécie” e “a realização de aterros e desaterros”.
As zonas do perímetro de protecção para a concessão hidromineral das Caldas da Rainha estão estabelecidas no Dec-Lei 90/90, de 16 de Março, que estabelece grandes restrições para intervenções dentro daquela área.
O artigo 42º diz que nestas zonas não pode haver construções, nem aterros, nem desaterros nem “outras operações que impliquem ou tenham como efeito modificações no terreno”.
Luís Rolim, engenheiro especializado em questões de hidráulica urbana, é peremptório: “a obra não é possível de ser realizada porque está na zona imediata de protecção”. Em declarações à Gazeta das Caldas o antigo quadro dos Serviços Municipalizados das Caldas da Rainha explicou ainda que quaisquer obras naquela área podem pôr em causa os aquíferos e a qualidade das águas termais que estão na génese da cidade.
As restrições são tantas que até a própria agricultura naquela zona está condicionada à não utilização “de adubos orgânicos ou químicos, insecticidas, pesticidas ou quaisquer outros produtos químicos”. Uma alínea que deveria servir de alerta para os proprietários dos terrenos confinantes.
O alargamento da rua Ernestina Martins Pereira é, pois, nesta perspectiva legal, impossível.
Mas se é assim tão linear porque pensou a autarquia numa coisa dessas?
“Por entusiasmo, por excesso de voluntarismo, por desconhecimento”, responde Luís Rolim. “Ou então é porque estão mal assessorados”. Para este técnico o assunto morre aqui: simplesmente não é possível. E isto é válido tanto para um eventual alargamento da rua para o lado da Mata como para o lado oposto. Neste último caso, há ainda o problema das minas que, embora já não sejam utilizadas (a água é extraída do subsolo através de furos), devem ser preservadas para não provocar alterações nos lençóis freáticos.
Quanto a eventuais problemas relacionados com a segurança de pessoas e bens devido à forte inclinação do muro que circunda a Mata, este engenheiro diz que há um extenso leque de soluções que permitem segurá-lo e evitar a sua queda. A mais óbvia é a ancoragem, que consiste em fazer um furo através do muro pelo qual se enfia uma barra de metal que o vai “prender” ao terreno. O termo é inspirado na ancoragem dos barcos pois trata-se de lançar uma “âncora” através do muro que vai permitir a sua sustentação, impedindo-o de cair.
Luís Rolim diz ainda que seria desejável evitar-se a passagem de carros naquela rua pois a trepidação dos veículos não ajuda à protecção do muro.
Alargamento da antiga Rua dos Loureiros
A actual discussão sobre o alargamento da antiga Rua dos Loureiros e eventual corte de árvores tem provocado controvérsia.
Como o especialista Rolim Oliveira afirma nesta edição, tal decisão é à partida impossível, se quisermos cumprir a lei e ainda para mais quando a cidade das Caldas da Rainha quer investir (por si e por outros) alguns milhões de euros para a recuperação das termas caldenses.
Contudo, esta discussão faz-nos recordar três momentos da história recente da cidade, dois com desfechos felizes e um com desfecho infeliz.
Falamos de projectos surgidos no final da década de 70 e início da de 80, os dois primeiros em que era proposta, por um lado elevar todos os edifícios da Praça da República para a cota dos seis pisos, igualando com os mais elevados então construídos, e a segunda de fazer um atravessamento da mata por uma via circulatória para automóveis.
Num caso e noutro, o grotesco das propostas possibilitaram o seu enterramento nas cavernas da história local.
Uma outra proposta, que veio a ter vencimento depois de estar algum tempo em suspenso, refere-se à demolição de dois edifícios com fachada de azulejos na Praça da República e a sua substituição por um mamarracho de seis pisos, que ainda hoje é uma das vergonhas urbanísticas da cidade.
A actual polémica sobre o alargamento da antiga Rua dos Loureiros (nome atribuído em 1905 no processo de renomeação das vias urbanas), tem como origem um outro erro anterior e que na altura passou despercebido à maioria dos caldenses. Tratou-se da construção de um campo de treinos para o Caldas Sport Clube, quando o que era lógico era a transferência do campo da Mata para outra zona da cidade, como nos anos 90 esteve prevista.
Assim, parece que este erro quer justificar um novo erro da criação de uma nova via na antiga rua dos Loureiros (hoje chamada Ernestina Martins Pereira), de duas faixas, que permitia intensificar o tráfego que serve o campo de futebol sintético do Caldas Sport Club.
Em qualquer país cuidadoso ou responsável com as questões ambientais, o trânsito automóvel deveria ser retirado daquela rua (encontrando-se outra soluções para o efeito) e a mesma transformada em percurso pedonal e ciclista.
A manutenção da passagem do trânsito automóvel irá agredir o ambiente e degradar um espaço precioso que os caldenses do futuro irão exigir.
O arquitecto Miguel Duarte, autor de uma tese de mestrado sobre a recuperação do património urbanístico do Hospital das Caldas até 1533, recorda que aquela via se chamava no séc. XVI Caminho de Ronda, passando no séc. XVIII a Azinhaga da Mata do Hospital. Essa azinhaga era no séc. XIX a Azinhaga da Mata, que era na época “um caminho mesmo muito mal frequentado por “mulheres que faziam pelos outros” e daí o hospital ter restaurado o muro”.
Segundo este caldense, “o curioso dessa rua é que foi criada com o intuito de desviar o trânsito que vinha de Óbidos para Salir do Matos. A estrada original passava o Avenal, em direcção ao Terreiro do Espírito Santo, volta dos Sinos, Rua da Nazaré. Como o tráfego de carros de bois (pesados de mercadorias) entre Salir do Matos (entrada comercial sul dos Coutos de Alcobaça) e o porto do Formigal e Óbidos era intensa, foi criado este desvio para não passar pelo meio das propriedades hospitalares. Fazia a borda nascente do Termo das Caldas, separando as quintas do Belver, Casal Novo e do Boneca.
Como o tempo evolui e hoje é um simples caminho… Salir já não é um entreposto e o rio de Salir praticamente não existe e muito menos o porto do Formigal (do qual só existe a capela)”.
Provavelmente são poucos os caldenses que conhecem esta história, mas a maioria conhece o abandono a que tem estado votado o património ambiental do Hospital Termal, que foi, é, e deverá continuar a ser, o verdadeiro pulmão da cidade termal.
Pelo que foi dito, parece evidente estarmos perante mais um atropelo, pela acção ou omissão as entidades públicas, intencional ou, como parece mais provável, por desconhecimento e imprudência, das práticas usuais em relação à preservação da natureza e dos recursos naturais.
Desta vez parece que os responsáveis parecem estar mais sensíveis ao problema e o argumento que utilizam é da falta de recursos financeiros para soluções alternativas.
Mas conhecendo a lei e sabendo as consequências, achamos que a solução definitiva não passará pelo alargamento daquela rua, mas sim pela utilização de formas de minimização dos impactos, como no mundo moderno é usual. JLAS