Filha e neta de caldenses, Ana Paula Chaves nasceu em Lisboa em 1944 e partiu para o estrangeiro com 22 anos. Viveu na Alemanha, em Espanha, mas foi em Inglaterra que se radicou mais tempo – 30 anos – até regressar a Portugal e instalar-se nas Caldas da Rainha, sua terra de adopção.
Guia turística de profissão, viajou muito, mas manteve sempre uma forte ligação a Portugal e às Caldas. Hoje vive no Bairro da Ponte, na casa que foi dos avós e da qual tem as melhores recordações da infância: era cá que passava as férias, nas quais ajudava a avó a vender na Praça da Fruta.
Ana Paula Chaves nasceu em Lisboa em 1944, mas a sua ligação às Caldas, mais propriamente à Rua Claudina Chamiço (Bairro da Ponte), tem acompanhado toda a sua vida. Ali situa-se a casa da família, e é também o local onde actualmente reside, depois de ter estado emigrada mais de 40 anos.
Noélia, a mãe de Ana Paula, nasceu em 1922 e tirou o curso comercial. Como na altura, o melhor empregador eram os CTT – Correios e Telecomunicações de Portugal, que englobava além do serviço postal, a actividade telefónica e telegráfica, a jovem, com 17 anos, concorreu e conseguiu arranjar trabalho em Lisboa, como telefonista.
Entretanto, começara a namorar com António, também das Caldas, e que era funcionário da Caixa de Previdência em Lisboa. Casaram em 1943 e um ano depois nasceu Ana Paula. A “típica filha de funcionários públicos”, como a própria diz, fez a escola primária no Largo de Santa Marinha e sempre que tinha férias rumava às Caldas para junto dos avós. Ana Paula lembra com especial saudade a avó materna, que se dedicava à agricultura e vendia na Praça da Fruta. Além dos produtos que cultivava também comercializava novidades, como beterraba, que ia buscar a Lisboa de comboio, pois tinha um irmão que trabalhava nos caminhos-de-ferro e, por isso, não pagava as deslocações. Mais tarde passou a ir directamente aos barcos que atracavam na capital buscar bananas verdes, que depois amadurecia no quintal da casa da Rua Claudina Chamiço. “Como não sabia ler nem escrever, a minha avó fazia as contas todas com riscos, era muito inteligente”, recorda a neta.
Primeiro emprego nos Claras
Com 10 anos, Ana Paula Chaves foi para o liceu Rainha D. Leonor, em Belém, mas como era muito rebelde, as notas não eram famosas. Preocupada com o futuro da filha, a mãe foi falar com a professora de Moral que lhe disse que se baptizasse a menina fechariam os olhos ao seu comportamento e ela passaria de ano. À época não era comum uma criança não ser baptizada, mas os pais de Ana Paula eram opositores ao regime e não seguiam as práticas religiosas que eram quase impostas pelo Estado Novo.
Mas o pragmatismo venceu e Ana Paula acabou por ser baptizada. Graças a isso, passou de ano e mudou-se para um colégio particular para terminar o ensino secundário. Ao mesmo tempo os pais colocaram-na no Liceu Charles Pierre e nos institutos britânico e alemão para aprender línguas.
“Esta aprendizagem das línguas foi muito importante e decisiva para a profissão que viria a desempenhar no futuro”, recorda a guia turística. Concluído o 5º ano, a jovem não quis prosseguir os estudos e decidiu candidatar-se ao concurso para guia turística, até porque naquela altura não havia escolas de turismo.
Ana Paula já tinha alguma prática em falar com turistas pois vivia na zona antiga de Lisboa, na freguesia de S. Vicente de Fora, e sempre que algum estrangeiro por ali aparecia a pedir informações, era a ela que chamavam para poder ajudar.
Passou o Verão a ver as igrejas, estudou os livros recomendados pelo Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (SNI), fez o exame e passou na prova, tendo-se tornado guia turística aos 20 anos.
Estávamos em 1964 e a jovem começa a trabalhar na empresa de transportes Claras, cuja actividade se dedicava ao serviço de camionagem e turismo. Fazia um tour em Portugal, que arrancava de Lisboa, depois passava por Fátima, seguiam para o Porto, Guimarães, Douro e Beiras até à fronteira de Vilar Formoso, onde normalmente estava outro autocarro para continuar o percurso. As dormidas eram sempre em hotéis de cinco estrelas, como o Palace Hotel do Bussaco. Geralmente os clientes eram americanos, mas também de outros países, o que fazia com que a guia tivesse que falar em “três línguas na mesma viagem”, contou, referindo-se às explicações que tinha que fazer em inglês, francês e espanhol.
Estes tours de 10 dias obrigavam a uma grande destreza, mas a jovem gostava muito.
Casamento por procuração
A forma como Ana Paula conheceu o primeiro marido, Emílio Gil Otero, parece retirada de um filme romântico. “Ia a passar, deixei cair uma coisa no chão, ele apanhou-a e começámos a falar”, lembra. Ele, com 23 anos, tinha já feito a tropa em Espanha e veio para Lisboa morar com os pais e frequentar a Escola Tauromáquica de Coruche. A jovem ficou encantada com este galego apaixonado pelos touros e começaram a namorar.
Emílio passa a trabalhar em hotelaria e, numa das vindas às Caldas, uns primos de Ana Paula que estavam emigrados na Alemanha convidam-no a ir com eles. Ele acedeu e partiu para Estugarda, onde começou a trabalhar na fábrica da Mercedes como interprete dos trabalhadores emigrantes e a tratar da sua papelada.
As saudades eram colmatadas pelas cartas e algumas visitas que Emílio chegou a fazer a Portugal, até que decidiram casar, por procuração, em 1966, e Ana Paula seguiu para a Alemanha para junto do marido. Emílio entretanto foi trabalhar para uma base americana, onde ganhava melhor, mas a dificuldade em arranjar casa e o facto de não se terem adaptado bem ao ambiente germânico fê-los aventurarem-se para outro destino.
Como na altura, entre 1966 e 1968, estava a desenvolver-se o turismo na Costa Brava (Espanha), o casal decidiu instalar-se em Barcelona. Mas a falta de raízes ditou que estivessem naquele local por pouco tempo, partindo para Madrid. Na capital espanhola Ana Paula começou por fazer traduções e o marido não conseguia um trabalho fixo, tendo até, em desespero de causa, andado a vender enciclopédias. Ali permaneceram durante uns meses até que regressaram a Lisboa, por insistência do pai dela. Emílio começou a trabalhar na recepção do hotel Ritz, onde ganhava mil escudos (cinco euros) por mês e Ana, que entretanto ficara grávida, continuava os trabalhos de tradução, juntamente com as aulas de português que dava a ingleses.
Verão em Portugal e Inverno em Madrid
Os filhos Rui e Luís nasceram em 1968 e 1969, respectivamente, e o marido pouco tempo depois quis ir trabalhar para o Ritz em Madrid, onde poderia ter um ordenado melhor. Ana Paula viria a juntar-se-lhe na capital espanhola, onde compraram casa, mas os filhos ficaram a morar em Portugal com os avós maternos em Lisboa.
Nessa altura, a guia turística trabalhava com a agência Abreu e fazia os tours da TWA, a então famosa companhia aérea americana. “Era muito bom trabalhar em turismo nessa altura, ganhava-se muito dinheiro, não de ordenados, mas de comissões e vendas de excursões”, recorda, especificando que trabalhava por épocas, ou seja, acompanhava os turistas em férias durante o Verão. Durante o Inverno estava em Madrid.
“Andava sempre no comboio entre Madrid e Lisboa e os meus filhos iam lá também para fazer compras, ou durante as férias, mas ficaram sempre a morar com os avós em Lisboa”, resume.
Na altura conturbada do 25 de Abril de 1974, o turismo sofreu uma queda da procura e e durante dois anos Ana Paula praticamente não teve trabalho na área. Permaneceu em Madrid e fazia traduções.
Já em finais da década de 70 do século passado ingressou na companhia inglesa Wallance Arnold para fazer tours entre Inglaterra e Portugal. A viagem começava em Londres e os turistas vinham de autocarro por França, Espanha até Portugal, onde passavam uma semana na Figueira da Foz e regressavam. O passeio demorava 15 dias.
Mais tarde, a viagem foi encurtada, com a passagem de barco entre Plymouth (Inglaterra) e Santander (Espanha) e o restante percurso até à Figueira da Foz a ser feito por autocarro. A Wallace Arnold fundiu-se com a Shearings em 2005 e Ana Paula continuou a colaborar com aquela companhia até à altura da sua reforma, em 2009.
30 anos em Inglaterra
O cancelamento de um tour em Portugal e a escolha de Nice (França) para trabalhar, no Verão de 1986, viria a mudar a vida da guia turística. O chofer escolhido para a acompanhar no tour, viria também a acompanhá-la nos últimos 30 anos, fazendo com que Ana Paula deixasse para trás um casamento de 17 anos.
Casa-se com o inglês Max McKenzie em 1988 com quem permaneceu até este falecer, em Abril de 2017. Este segundo casamento leva-a para Inglaterra, onde se radica, primeiro em Paignton (Devon), e depois em Bournemouth, uma estância balnear no sul daquele país.
O marido esteve na empresa Wallace até finais da década de 90, altura em que foi trabalhar para os comboios Eurostar (que ligavam Londres a Paris pelo túnel da Mancha), onde esteve quase 20 anos até à reforma.
Para Ana Paula, que desde cedo acompanhou ingleses nos passeios que conduzia, foi fácil adaptar-se a vida em Inglaterra. Além disso, como era casada com um inglês, “houve uma maior aceitação”, conta à Gazeta das Caldas.
A emigrante realça que há uma grande diferença ao nível da emigração. Enquanto que a maioria das pessoas que deixaram o país nas décadas de 60 e 70 do século passado praticamente não tinha qualificações e que procurava no estrangeiro oportunidades de ganhar dinheiro, agora emigram jovens qualificados que querem progredir no trabalho, como é o caso dos médicos e enfermeiros, que vão para os hospitais ingleses.
Pela permanência na UE
Ana Paula e o marido Max votaram no referendo pela permanência do Reino Unido na União Europeia, realizado em Junho de 2016. A agora caldense por adopção entende que a campanha levada a cabo pela saída do Reino Unido da União Europeia, também conhecida por Brexit, “foi vergonhosa e uma desinformação total”, disse. Considera que os conservadores “enganaram as pessoas” ao prometerem, por exemplo, que o dinheiro usado como contribuição para ajuda aos outros países membros seria investido no sistema de saúde.
“Mas no dia seguinte ao referendo, Boris Johnson e Nigel Farage [defensores do Brexit], vieram dizer que isso foi um engano”, acusa, acrescentando que continua a luta pela permanência do Reino Unido na UE. Mas Ana Paula também não poupa as críticas ao projecto europeu, que diz estar subjugado aos interesses americanos.
A consciência e intervenção política já lhe vem da juventude. Desde criança que Ana Paula acompanhava o pai, opositor ao regime de Salazar, nas tertúlias em que participava em cafés no Rossio (Lisboa) com grandes intelectuais da época. Chegou a ter a Pide a revistar-lhes a casa, mas o progenitor nunca chegou a ser preso. Mais tarde, depois do 25 de Abril, o pai foi presidente da Junta de Freguesia de S. Vicente, eleito pelo PS.
Ana Paula estava em Madrid quando o ditador Franco morreu, em Novembro de 1975. Ela era uma activista do Partido Socialista Obreiro Espanhol (PSOE). No ano seguinte, regressada de um tour a Lisboa, a guia foi chamada pelo pai para servir de intérprete aos jornalistas estrangeiros que estavam em Lisboa a acompanhar a noite eleitoral que deu a vitória ao PS e em que Mário Soares se tornou primeiro-ministro. Na sala estavam também outros políticos estrangeiros como Felipe Gonzalez, que foi secretário-geral do PSOE de 1974 a 1997 e depois chegou a presidente do governo.
“Estive lá até às 6 horas da madrugada, para mim foi uma experiência incrível”, concluiu.