António Conceição Henriques e Maria Isabel Henriques casaram-se no dia a seguir ao Natal de 1959. Essa foi uma quadra natalícia especial, quando, no próprio dia de Natal os dois dançaram no baile da Gracieira, na véspera de casamento. Haveriam de emigrar para França, onde trabalharam durante quase 20 anos. Nos primeiros dois anos, os filhos ficaram em Portugal, pelo que o casal veio a casa no Natal para estar em família.
António Conceição Henriques nasceu em 1939. Natural da Moita de Alvorninha, onde estudou até à 3ª classe, fez a 4ª classe já nas Caldas, no Bairro da Ponte, à noite.
Ainda com 12 anos começou a trabalhar no campo e a guardar gado. Primeiro no Ti Zé Aleixo, na Foz do Arelho, a ganhar 150 escudos (0,74 euros) por mês mais alimentação. Depois, na Gracieira, para Francisco José dos Santos.
Foi por estas alturas que conheceu a sua Maria, como lhe chama. Maria Isabel Henriques, que é natural da Gracieira, trabalhava para o mesmo patrão enquanto doméstica. António trabalhou lá mais de um ano, mas acabou por se ir embora e voltar para casa, na Moita de Alvorninha. Entretanto encontrou trabalho a cavar, à jorna, na Trabalhia, para o Ti Joaquim Bernardo.
Isto até ao dia em que recebeu o convite para trabalhar no Thomaz dos Santos, onde estava empregado um cunhado seu. Veio viver para casa de uma irmã, chamada Graciosa, na Rua 15 de Agosto e começou a acartar ferro, a ganhar 20 escudos (0,10 euros) por dia.
Tinha 18 anos e começou a namorar com Maria Isabel. Um dia a mãe de António foi falar com Maria a pedir-lhe para casarem numa tentativa de que não enviassem o filho para a guerra.
E assim foi. No dia a seguir ao Natal de 1959, em clima de grande festa (até porque a festa da Gracieira é no dia de Natal), casaram na igreja de A-dos-Negros. “Foi tudo pensado, correram os editais, que naquela altura era obrigatório, e casámos. Lembro-me bem que choveu imenso! Saímos da igreja para o casal do meu sogro e não parou de chover um minuto”, recorda António.
Lembram-se também que no dia anterior ao casamento, ou seja, no dia de Natal, os noivos andaram a dançar no bailarico e depois foi cada um para sua casa, para dormirem antes do grande dia.
Depois do casamento vieram os filhos, primeiro António, em 1960 e depois Helena, no ano seguinte. Por esta altura, António Conceição Henriques vendia aparelhos electrónicos, pelo que em 1963 decidiu que era altura de montar o seu negócio e abriu uma loja de electrodomésticos e máquinas de costura na Travessa da Cova da Onça. “Era a Casa Henriques, no nº15A”, recorda. Nesse ano vieram das Gaeiras, onde entretanto haviam arrendado uma casa, para as Caldas da Rainha.
O negócio corria bem e três anos depois arriscou abrir uma loja da Singer em Benavente. “Era um prédio em que a loja ficava no rés-do-chão e eu morava no primeiro andar”.
Vendia as máquinas a prestações e tanto nas Caldas como em Benavente, ficaram a dever-lhe muito dinheiro. “Ao fim de três anos voltei para as Caldas e via a vida a correr mal, então decidi ir tratar do passaporte. Como eu era industrial, pude tirar o passaporte e não fui a salto como a maioria”.
A VIVER NUMA AUTO-CARAVANA
Saiu de Portugal em 1969, de comboio, com destino a Le Havre, em França, onde durante seis meses seria servente de pedreiro.
A esposa havia ficado a tomar conta da loja, nas Caldas. Mas depois desses seis meses, António encontrou um trabalho melhor e mudou-se para Plaisir na região parisiense. Aí comprou uma autocaravana para vir a Portugal buscar a sua Maria e a cunhada, Isabel. A esposa podia passar a fronteira, mas a cunhada não, pelo que pagaram a um passador e esperaram por ela na caravana, num local combinado já do outro lado da fronteira.
Os filhos não foram logo. Ficaram com os pais de Maria Isabel durante dois anos e meio, pelo que no Natal o casal vinha a Portugal para estar com a família e aproveitar a festa da Gracieira, mas ainda se lembram de um ano em que passaram o Natal em terras francesas a trabalhar.
Em Plaisir moravam na caravana, estacionada no chantier (abrigo de construção) da empresa. Em terras gaulesas, Maria Isabel trabalhou como doméstica, com passagens curtas por uma fábrica de rolhas de cortiça e um stand de peças de automóvel. “Trabalhei durante 11 anos, deixei de trabalhar quando fiquei grávida”, contou.
António foi trabalhar na J. Decaux em Versalhes, a montar os abrigos publicitários nas paragens dos transportes públicos. Nessa altura vendeu a caravana e comprou uma mais recente e maior, com espaço para os dois filhos e até para um terceiro que vinha a caminho. “Foi nessa caravana que fizemos a nossa última filha, a Elisabete, a única que nasceu em França”.
Em 1972, ainda a viver em França, compraram uma grande propriedade na Gracieira, bem perto do local onde se haviam conhecido. O terreno tinha uma pequena casa antiga, que reabilitaram e expandiram.
O 25 DE ABRIL EM TERRAS GAULESAS
Decidem regressar a Portugal, com a filha mais nova, Elisabete, seis anos depois, já após o 25 de Abril, do qual souberam pela televisão francesa. “Ficámos muito contentes quando vimos”, recordam.
Já em terras lusas o casal comprou uma bateira, com a qual andava ao limo e ao berbigão na Lagoa de Óbidos, e uma carrinha, para o transporte do pescado. Um dia, a filha Elisabete disse aos pais: “não tenho escola, vou convosco”, e lá foi ela.
No dia seguinte a professora foi perguntar a Maria Isabel por que motivo a filha tinha faltado ao exame que daria acesso à quarta classe. Quando a mãe falou com a filha percebeu que ela não queria ir para Óbidos estudar, queria ir estudar, sim, mas para perto dos irmãos que tinham ficado em França.
A mãe e a professora lá arranjaram uma solução para a execução da prova, onde Elisabete foi aprovada. Depois, Maria Isabel foi levar a filha a França, onde a irmã mais velha tomaria conta dela durante mais de dois anos. António não foi nessa viagem, que mãe e filha fizeram de autocarro. Ficou na Gracieira a tratar dos bois e das porcas criadeiras que entretanto havia adquirido e colocado num estábulo que construíra. “Um dia o Toino não me disse nada e foi à feira, apareceu-me aqui em casa com um camião com cinco bois”, recorda Maria Isabel.
Mas a vida em Portugal não corria de feição e decidem voltar a França, onde António encontrou emprego a fazer demonstrações de máquinas eléctricas, no transporte dos trabalhadores e na condução de máquinas na vindima em Neufchâteau.
Um acaso haveria de juntar o casal na mesma empresa, para fazerem os últimos anos de trabalho juntos. É que Maria Isabel trabalhava na limpeza de um grande hipermercado Champion, em Les Clayes-sous-Bois. Um dia, no regresso das férias, o patrão disse-lhe que tinha despedido os dois colegas. Para tentar fazer o trabalho a tempo, ligou ao marido, que saiu de casa e em meia hora lá se colocou para a ajudar. Acabaram por ficar juntos nesta função. “Aquilo era enorme, demorava muito tempo a limpar”, recorda. “Lembro-me que uma vez ia a guiar a máquina de limpezas e perdi o controlo e entrei pela garrafeira a dentro, espalhei tudo, parti imensas garrafas e só chorava. A minha filha, que estava a trabalhar comigo, ria-se e o patrão, que era muito boa pessoa, também se ria. Eu tinha medo de ser despedida e ter de pagar os estragos, mas ele só me disse: agora têm de lavar isto tudo até à hora de abrir”, conta Maria Isabel.
Foram oito anos de labor em França nesta segunda passagem, por vezes a trabalhar de dia no hipermercado e à noite a limpar as escolas.
O regresso a Portugal dá-se em 2001, para a sua casinha na Gracieira.
Em França ficou parte da família, o que os faz voltar várias vezes àquele país. Têm três filhos, seis netos e cinco bisnetos espalhados por França, Alemanha e Suíça.