Já depois de fechada a última edição da Gazeta, na qual publicamos a história dos refugiados boers nas Caldas da Rainha em 1901 e 1902, conseguimos contactar o autor do livro “Viva os Boers!”, que esteve na base desse trabalho.
Ockert Jacobus Ferreira, 75 anos, investigador e professor universitário reformado, é mais conhecido por Cobus Ferreira e acedeu, com grande prazer, responder às perguntas da Gazeta das Caldas numa entrevista por correio electrónico.
GAZETA DAS CALDAS – No seu livro refere que em 3/03/1902 nasceu nas Caldas da Rainha o bebé Mynhardt Jacobus Bornman Ferreira. É filho ou neto desse Ferreira?
COBUS FERREIRA – Não. Eu pertenço à oitava geração de descendentes de Ignácio Ferreira (1695-1772) que nasceu em Lisboa e foi para África.
GC – Porque motivo resolveu fazer esta investigação sobre os boers em Portugal?
CB – Já visitei Portugal 19 vezes desde 1970, de férias, mas também para pesquisar sobre os contactos entre a África do Sul e Portugal ao longo dos tempos. O meu primeiro projecto foi saber mais sobre o meu progenitor, Ignácio ferreira. Mais tarde decidi fazer a minha tese de doutoramento sobre os Boer internados em Portugal durante a guerra Anglo-Boer porque nem sequer os historiadores sul-africanos, quanto mais o público em geral, sabiam que Portugal teve um papel importante durante a guerra. O livro “Viva os Boers!” é a versão publicada da minha tese.
GC – Quando é que esteve nas Caldas da Rainha para fazer esse trabalho?
CB – Estive em Portugal de Dezembro de 1983 a Janeiro de 1984, de Julho a Setembro de 1985 e de Agosto a Outubro de 1990 para fazer essa investigação sobre os refugiados Boer. As mais importantes informações sobre estes refugiados encontram-se no Arquivo Histórico Militar de Lisboa, mas durante estas viagens, passei pelo menos uma semana em cada uma das seguintes cidades: Abrantes, Alcobaça, Caldas da Rainha e Tomar, sendo Alcobaça e Caldas da Rainha as minhas preferidas.
Nas Caldas da Rainha, conheci, entre outros, o simpático e prestativo Dr. José de Sousa Machado, director do Hospital Termal D. Leonor, e o historiador local, Dr. Mário de S. Tavares. Só tenho recordações agradáveis da minha estadia na sua bela cidade e dos passeios que dava à tarde pelo parque.
GC – Quem lhe traduziu os documentos em português que cita no seu livro?
CB – Uma amiga minha, C.E.F. (Pippa) von Reiche, advogada, tradutora e filha de F.F. (Filip) Pienaar (refugiada Boer em Tomar), fez todas as traduções de português para africânder. Infelizmente, faleceu há cerca de três anos. Apesar de eu não saber falar português, sei ler um pouco da língua e consegui compreender o conteúdo do artigo da Gazeta das Caldas.
“portugueses SÃO trabalhadores, honestos e amigáveis”
GC – Existe uma tradução em inglês? Porquê a opção por escrever em africânder?
CB – Não existe versão inglesa do meu livro, mas tenho alguns artigos sobre o tema em inglês e até um em português que foi publicado na revista da TAP. Como pode avaliar pelo meu inglês fraco, o inglês não é a minha língua materna. Eu sou falante de africânder e sinto que é meu dever promover o africânder usando a sua linguagem científica, especialmente agora porque a minha língua materna está sob uma grande pressão neste momento.
GC – Porquê?
CF – Actualmente na África do Sul o uso desta língua nos meios de instrução em escolas e universidades tem sido reduzido a um ritmo tremendo. Mas isso faz parte da política actual!…
GC – A história dos boers é um assunto desconhecido na África do Sul? Só interessa a uma minoria de sul-africanos?
CF – Não, a história dos Boers é de conhecimento geral na África do Sul, mas a presença de internados Boer em Portugal durante a guerra Anglo-Boer (1899-1902) não é de conhecimento geral entre os sul africanos, nem mesmo entre alguns historiadores. Já agora, eles eram internados, não presos de guerra.
GC – Como é que, em geral, os sul-africanos vêem os portugueses que vivem na África do Sul?
CF – Eu não estou em posição de falar em nome dos sul-africanos em geral, nem mesmo dos afrikaners, mas no meu círculo de amigos – maioritariamente constituído por pessoas da classe média – vê-se os portugueses na África do Sul como trabalhadores, honestos, amigáveis e de bom coração. Honramo-los por manterem as suas tradições portuguesas. E gostamos de ouvir Fado. Inclusivamente tenho uma grande colecção deste estilo musical. Tanto quanto sei, havia uma relação muito amigável entre os governos da África do Sul e Portugal, antes de 1994, mas esfriou desde então.
GC – Numa das suas fotos aparece como um adepto do futebol português. É apenas no futebol ou considera-se um amigo de Portugal?
CF – Eu fui um grande apoiante da selecção de Portugal durante o Campeonato do Mundo em 2010 e Cristiano Ronaldo é meu super herói. Contudo eu sei que há portugueses que acham que ele é um pouco arrogante.
Não sou só apoiante da selecção portuguesa. Sou um fanático por Portugal.
Visitei o país nos anos 70 e tive um sentimento de regresso a casa. E durante os 18 anos seguintes tive o mesmo sentimento de pertença a este país e a sensação de que em vidas passadas vivi cá porque tudo me é tão familiar.
Consigo identificar-me com as tradições e cultura portuguesa. Eu olho para Portugal como a minha segunda pátria.
NR – Gazeta das Caldas agradece a colaboração de Paula Coito (residente na África do Sul) na publicação desta entrevista.