Dois caldenses fizeram parte da primeira iniciativa de Forgotten que levou a arte urbana portuguesa a Roma: Hugo Simões na organização e Daniel Eime como artista. Este último, autor da pintura gigantes nos Silos, acha que a sua terra natal tem um “potencial fortíssimo” para receber eventos relacionados com a arte urbana.
Hugo Simões, 39 anos, cresceu nas Caldas da Rainha. Actualmente vive em Itália e foi na capital italiana que desenvolveu, em conjunto com um grupo de amigos, uma interessante iniciativa que deu a conhecer a arte urbana portuguesa.
O projecto designou-se Forgotten e levou àquela cidade os artistas lusos Frederico Draw, Add Fuel, Bordalo II, Miguel Januário e o caldense Daniel Eime (ver caixa), considerados nomes top da arte urbana portuguesa.
Forgotten decorreu durante um ano e teve como objectivo destacar os edifícios das áreas centrais de Roma que, por razões ligadas à transformação da cidade e aos hábitos dos seus habitantes, perderam a sua importância sociológica e funcional, arriscando-se por isso a serem esquecidos. Desta vez o graffiti não se cingiu à periferia onde nasceu, mas ganhou destaque no centro da cidade. As intervenções artísticas destes autores surgiram em ex-fábricas, cinemas encerrados, pequenas estações ferroviárias, áreas abandonadas e mercados municipais.
O projecto teve um sucesso tremendo com a assinatura dos autores portugueses a trazer um novo brilho a estes locais e terminou com uma exposição no Museu de Arte Contemporânea de Roma, entre Abril e Maio.
Hugo Simões contou que os organizadores de Forgotten são, para já, apenas uma associação sem fins lucrativos que teve a ideia de levar a arte urbana portuguesa até Itália, onde há trabalhos de autores de outras nacionalidades. No início do projecto “mandámos e-mails aos artistas a saber se estavam interessados em participar”, disse o designer gráfico, que trabalha actualmente na Agência Espacial Europeia (ESA), acrescentando que pediram apoios a entidades portuguesas e italianas para ajudarem na logística e na estadia da ida dos artistas.
Hugo Simões explicou que nesta iniciativa se uniram dois conceitos: a promoção da arte urbana contemporânea e a chamada de atenção para o património que é necessário recuperar. Segundo o organizador, Forgotten vai querer ter continuação e transformar-se num projecto auto-sustentável, mas isso não quer dizer que as intervenções continuem a acontecer em edifícios abandonados.
UM FORGOTTEN NAS CALDAS
E faria sentido apostar num Forgotten nas Caldas da Rainha?. “Penso que sim, que funcionaria. Bastaria ter os apoios certos e criar as sinergias certas para colocar a máquina a funcionar”, disse Hugo Simões.
Em Roma, por exemplo, já existe um grupo que organiza tours de bicicleta para ver as intervenções do Forgotten. Em Portugal também já há manifestações deste género – como o Festival Muro (Lisboa) – que atrai turistas curiosos para conhecer street art. “Se fosse o caso das Caldas os visitantes também poderiam provar as cavacas ou alugar o barco para dar uma volta no lago após visita à arte urbana”, disse Hugo Simões, salientando que este tipo de intervenção pública poderia funcionar como chamariz de turistas às Caldas.
Daniel Eime: “O graffiti nunca vai deixar de ser ilegal”
O caldense Daniel Eime, de 30 anos, é o autor de “Lost Queen”, a grande pintura nos Silos de um rosto de uma senhora de idade que mede 12 metros de altura por sete de largura. É também de sua autoria o rosto de uma criança que decora o Centro da Juventude.
Este autor é um dos principais nomes da arte urbana portuguesa e foi um dos convidados para participar no Forgotten e a intervir num mercado municipal. À Gazeta das Caldas o autor contou que foi gratificante a experiência em Roma, dado que trabalhar na parede do mercado permitiu-lhe viver o espaço e conhecer gentes locais.
Na sua opinião, a arte urbana em geral, mas especialmente o graffiti passou a ser visto “com outros olhos” pois despertou o interesse por parte de galerias de arte, empresas de publicidade e dos privados. Com tantos interessados “é natural que a pintura urbana comece a adquirir outro estatuto, elevando-a a algo mais do que vandalismo”. Vive-se pois numa fase em que “qualquer localidade, até as mais pequenas vilas, procuram a arte urbana, somente porque querem igualar-se à localidade vizinha que também já tem umas pinturas de uns artistas quaisquer”. Nestes casos, explicou Daniel Eime “é notória a diferença cultural e o valor e respeito artístico que têm connosco porque assumem-nos como meros pintores de casas (sem querer faltar ao respeito dos que o são), mas esquecem-se do valor artístico que passamos para os espaços”.
Caldas deveria organizar um evento de arte urbana
O autor considera que as Caldas tem “um fortíssimo potencial para acolher a arte urbana”. E não se refere só à pintura, mas também a instalações, performances ou até mesmo eventos “que abraçassem todas estas áreas”. Considera que há espaços bons e amplos na sua terra natal que considera “pequena, tranquila e de fácil mobilidade”.
Salienta ainda que Caldas da Rainha tem um universo estudantil, especialmente universitário relacionado diretamente com a artes por isso acha que as condições existem, “falta apenas a vontade de pessoas e especialmente das forças camarárias para que algo aconteça”. Daniel Eime até se prontifica a ajudar, fazendo, por exemplo, curadoria no futuro evento dedicado àquela arte.
“Ser ilegal não signifICA não ter qualidade”
Questionado sobre o que acha dos grafittis nos comboios, se estes são arte ou vandalismo, Eime explicou que este é um assunto sensível e nada consensual. “Aos meus olhos, muitos deles são arte, embora praticados sob um acto de ilegalidade”. O facto de ser ilegal “não altera a qualidade artística das pinturas, que tanto pode acontecer num comboio como numa parede ou na auto-estrada, por exemplo”, afirmou o autor que considera vandalismo os actos “que têm intuito de destruição”.
Um comboio, na sua opinião, é mais um suporte de maior divulgação do artista porque se desloca e faz chegar a sua pintura a vários locais abrangendo todo o tipo de pessoas. “É obviamente mais cativante do que fazer uma peça numa parede qualquer”, disse. Eime afirma que há muitos anos que os comboios, autocarros, metros e eléctricos usam publicidade a todo o tipo de marcas e produtos no seu exterior. No fundo, é a mesma coisa pois “um graffiti é de algum modo publicidade ao trabalho do seu artista mas como é ilegal, consideram um acto de vandalismo”. Reconhece também que há quem já tenha tirado partido dos writers (aqueles que fazem graffiti) para decorar comboios inteiros com temas diversos, menos ou mais comerciais. Mas isso é para o autor pura publicidade, só que em vez de ser colado com vinil, “é pintado requerendo outro tipo de valor artístico manual”.
Na sua opinião, o graffiti verdadeiro “nunca vai deixar de ser ilegal, seja em comboios como noutros suportes ou locais quaisquer”.
Daniel Eime não sabe quando será possível regressar às Caldas mas era algo que ele gostava de fazer. À Gazeta contou que ainda recebe reacções aos seus trabalhos, sobretudo à pintura dos Silos, por ser a mais visível. Este trabalho “criou um impacto nas pessoas porque foi uma novidade, principalmente em termos de escala”. Durante bastante tempo recebeu comentários dos familiares, em que lhe contavam histórias engraçadas, de pessoas que falavam da pintura com eles, sem saberem que Eime lhes era próximo, provando que “foi tão grande o impacto que houve mesmo muita gente a falar sobre ela, dos mais novos aos mais idosos”. N.N.