A arte urbana está na moda. Hoje o graffiti também é visto como uma expressão artística, que tanto pode servir para dar vida a edifícios esquecidos, como para ser apreciado como obra em galerias e museus. Caldas da Rainha já tem algumas intervenções deste tipo e não faltam artistas locais dispostos a pintar a cidade em muros e fachadas de edifícios por forma a valorizá-los. Gazeta das Caldas falou com vários caldenses que fazem desta arte o seu trabalho.
Um mural de Bordalo Pinheiro à saída da estação de comboios?
Uma fotomontagem com a Rainha D. Leonor, partilhada no Facebook, serviu de mote para a ideia de embelezar uma parede cega de um prédio em frente à estação de comboios. O objectivo seria utilizar a arte urbana para retratar o universo bordaliano. João e Diogo Olivença são os caldenses que aceitaram o desafio de planear este projecto.
Uma partida no Facebook. Foi isso que o caldense Tiago Gomes decidiu fazer em Agosto deste ano quando publicou nas redes sociais uma fotomontagem da parede do prédio onde fica o supermercado Doce Mel, em frente à estação de comboios, com uma pintura da Rainha D. Leonor em grandes dimensões. Acontece que a imagem estava tão realista que várias pessoas se deslocaram ao local para ver de perto a obra de arte. Só que não havia pintura nenhuma, apenas o excelente trabalho de Photoshop de Tiago Gomes.
“Aquilo foi uma brincadeira, mas tinha um objectivo verdadeiro. Queria que as pessoas olhassem para a imagem e se dessem conta como aquela parede vazia tem enorme potencial para uma obra de arte urbana”, conta o jovem, acrescentando que existem nas Caldas artistas com qualidade para fazer este tipo de intervenção.
Tiago Gomes acredita que as Caldas podia seguir o exemplo da Covilhã, onde já se organizam rotas turísticas à volta dos murais espalhados pelas ruas da cidade. Actualmente a Covilhã é já considerada o centro de arte urbana da região Centro, devido ao impacto do Woolfest – Covilhã Art Festival, evento que surgiu em 2011 e alia o graffiti à tradição da indústria têxtil desta cidade.
O fotógrafo caldense – que reside em Braga – relembra também que há cerca de 10 anos existiam nas Caldas espaços indicados para os writers (os autores dos graffitis) darem asas à criatividade (atrás da Escola Rafael Bordalo Pinheiro, no Bairro Azul e perto do campo de rugby), mas que neste momento a cidade está parada.
“Não é só a parede ao pé da estação que podia ser aproveitada. Há nas Caldas vários edifícios abandonados que ganhariam muito com o ‘street art’, como os prédios junto à rotunda da EDP”, diz Tiago Gomes, realçando que os próprios artistas deveriam ter mais iniciativa em apresentar propostas à Câmara, em vez de pintarem em paredes não autorizadas. Isto porque “há maior abertura para avançar com projectos quando se tem um esboço e um orçamento na mão”.
É precisamente na fase do esboço e do orçamento que se encontra João Olivença (Oli). O caldense, de 27 anos, foi contactado pela União de Freguesias Nª Sra. do Pópulo, Coto e S. Gregório para apresentar um projecto para aquela mesma parede na sequência da montagem de Tiago Gomes. A temática seria a obra de Bordalo Pinheiro e até à data, tanto a Junta, como a Câmara e o condomínio do prédio manifestaram vontade em ali fazer nascer um mural, à semelhança do que Daniel Eime fez nos Silos. Resta saber se a proposta será aprovada.
Este seria um trabalho que João Olivença partilharia com o primo Diogo, a pessoa que o apresentou pela primeira vez à arte do spray.
A PRIMEIRA PAREDE FOI NA SECLA
Quando tinha 17 anos João Olivença fez o primeiro rabisco. Lembra-se que foi numa parede da antiga Secla e que desenhou os contornos de uma cara. Hoje o graffiti já não está visível pois alguém pintou por cima. João não leva a mal e explica que “é normal que as paredes se vão renovando”. Excepto quando a pintura em questão é considerada uma obra de arte urbana: nesse caso prevalece o respeito pelo autor do mural.
É também aqui que reside a diferença entre graffiti e street art, explica João Olivença. “O graffiti está mais relacionado com o lettering, com a vontade de deixar uma marca, mas não tem que ser bonito. É o que se vê nos comboios ou nas paredes não legais e o objectivo é deixar essa marca no maior número de locais possível”.
Do outro lado da fronteira está o street art, que se assemelha à pintura numa tela com a diferença que a tela é uma parede. Outra diferença é que na arte urbana os artistas são contratados para fazer um trabalho, logo são pagos e estão autorizados. Actualmente João Olivença já se encontra neste lado, mas durante algum tempo fez apenas graffiti. Principalmente no princípio. Desde que pinta, Oli já realizou cerca de 20 trabalhos. O primeiro foi no interior de um bar. Entretanto pintou o exterior do lar de idosos de Geraldes (Peniche), vários quartos, surfcamps e um camião com 15 metros de comprimento. Os seus desenhos vão de Peniche a Leiria, mas a principal procura é nas Caldas.
“Num mês pagam-me mil euros, mas não sei se no seguinte terei a mesma sorte, por isso é um trabalho inconstante”, explica, acrescentando que também é professor de Actividades Lúdico-Artísticas do primeiro ciclo e trabalha num armazém para garantir a sua estabilidade financeira.
Uma pintura num quarto pode custar 200 euros no máximo (em tintas) mas, esclarece João, a tinta é perfeitamente lavável e muito resistente. Aliás, é por isso que é tão difícil limpar os graffitis das ruas, restando, na maioria dos casos, apenas a solução de pintar novamente por cima.
Normalmente um graffiti artístico não é pintado de improviso, mas sim com base num esboço desenhado previamente. Num nível profissional é inclusive comum que os artistas apresentem propostas com montagens da pintura no local ou que imprimam fotografias e as colem à parede para que sirvam de guia enquanto pintam.
“Não sabemos tudo de memória e para conseguir um desenho em grande escala com a proporção certa não é fácil. É preciso afastarmo-nos muitas vezes da parede para ver se bate tudo certo”, explica João Olivença.
“JÁ CHAMARAM A POLÍCIA ENQUANTO PINTAVA”
Há quatro anos João e Diogo Olivença receberam uma proposta para pintar a parede lateral do prédio do restaurante Gordão, em frente ao Parque. O edifício estava completamente rabiscado e a pintura dos dois primos veio reabilitar aquele espaço.
Inicialmente a fachada foi pintada de amarelo, cor que serviu de base ao graffiti de Bordalo Pinheiro que hoje cumprimenta quem por ali passa. “Quando a parede foi pintada estava lisinha, por isso assim que começámos a desenhar fomos abordados por duas velhotas que nos acusaram de estar a estragar a parede. Ainda não era possível visualizar o desenho final, então elas pensaram que estávamos apenas a fazer rabiscos”, conta João Olivença. A verdade é que as duas senhoras chamaram a polícia, mas os jovens não tiveram quaisquer problemas pois estavam autorizados a pintar.
Dias depois, as mesmas duas senhoras voltaram a passar no local, desta vez para pedir desculpa e elogiar o trabalho.
Para Oli não há idades para a arte urbana. “Qualquer pessoa, dos dois aos 80 anos, vai apreciar um bom trabalho”, afirma, acrescentando que seria uma mais valia para as Caldas se existissem mais paredes (bem) pintadas. “A cidade ficava mais colorida e era um bom exemplo para os mais jovens, que deixavam de ver apenas gatafunhos nas paredes”.
Sobre os graffitis ilegais e nos comboios, João Olivença prefere não fazer comentários.
Brasileiro pinta onda gigante na Ladeira do Sítio
Está quase concluído o mural na Ladeira do Sítio que retrata o farol e o forte da Nazaré, com uma onda gigante como pano de fundo. A obra é da autoria de Erick Wilson, brasileiro de 40 anos que leva pela primeira vez o projecto Gigantes do Mar a outro país. Este surgiu há dois anos e consiste em pintar 80 murais com a temática da vida marinha em vários países. Até ao momento foram concluídos oito obras no Brasil e a nona está a ser elaborada na Nazaré.
“Este não é apenas o primeiro mural internacional, mas é também o primeiro do projecto em que pinto uma onda gigante”, revelou Erick Wilson, que até ao momento havia retratado apenas animais marinhos em grande escala. Pintar ondas gigantes é, para o brasileiro, voltar às origens, pois foi assim que Erick se iniciou no muralismo, influenciado pelo surf, que pratica desde pequeno.
“Mais do que transmitir a beleza dos animais marinhos, este projecto pretende consciencializar as pessoas para a preservação da vida no mar”, explicou Erick Wilson, acrescentando que se esforça por ser fiel aos detalhes para que as pessoas se sintam mais próximas aos animais.
O artista contou à Gazeta das Caldas que escolheu Portugal para pintar porque tem raízes familiares neste país (em Póvoa do Varzim). O mural será dedicado à sua mãe, que faleceu o ano passado, e aos seus avós. “Este trabalho é especial pois significa o cumprir de uma promessa à minha mãe, que mesmo no hospital me perguntava em que pé estava a minha vinda a Portugal”.
Erick Wilson pinta há mais de 15 anos e está na Nazaré desde o dia 8 de Outubro. A elaboração do mural (com 45 metros de comprimento) coincide com a abertura de época das ondas gigantes nesta vila piscatória. M.B.R.