A dupla de artistas faz workshops com crianças há 12 anos e o seu trabalho foi distinguido pelas Nações Unidas
Kari Prestgaard, 36 anos, e Astor Andersen, 67 anos, uma dupla de artistas noruegueses que faz arte a partir do lixo marítimo, elegem, desde 2016, Portugal como destino de férias, no inverno.
É em São Martinho do Porto que fica a casa de férias dos pais da primeira, mas é entre limpezas de praia, a título individual ou com associações de defesa do ambiente, e workshops (pro bono ou com um custo simbólico para a entidade) que passam grande parte do seu período de descanso.
O objetivo é “ter um impacto positivo no destino de férias, deixando-o em melhores condições do que como o encontrámos”, explicou Kari, acrescentando que a tal se chama “turismo regenerador”.
Kari Prestgaard formou-se em Artes, tendo seguido a via do ensino, e Astor Andersen trabalhou em jornalismo e publicidade, mas a paixão pelo ativismo climático uniu-os numa missão comum.
“Conhecemo-nos num festival de arte no qual estávamos ambos a trabalhar. Nessa altura, eu já fazia workshops para crianças, mas usando o lixo da reciclagem doméstica”, explica a artista. “Então, o Astor viu-me e disse: ‘Se queres trabalhar com o plástico, devias ir até à praia e apanhá-lo lá’. E a minha reação foi: ‘Há plástico na praia?’”, continuou, afirmando que, quando os dois começaram a dar workshops, há 12 anos, as crianças também desconheciam o problema do plástico marítimo, contrariamente aos dias de hoje.
Na Noruega, o duo realiza tournés pelas escolas durante a primavera e o outono e, no verão, marcam presença em museus, oceanários e festivais, alertando para o problema de forma “divertida e positiva”, e ensinando ainda princípios de economia circular e de reutilização.
“No nosso workshop, os mesmos materiais entram num loop, vão mudando de formas, agora são um pássaro, depois transformam-se num peixe”, esclareceu Astor, acrescentando que é com lixo recolhido das praias que constroem as peças: representações dos animais mais afetados pelo problema do lixo dos oceanos.
“O ponto é que, usando a criatividade, é possível transformar um problema nalgo positivo”, explicou Kari, partilhando a reação de surpresa que recebe das crianças quando lhes explica que “é possível transformar algo que ninguém comprava numa peça de arte, vendê-la e dar o dinheiro à caridade”, algo que o duo faz, em exposições realizadas no final das tournés, nas quais vendem obras criadas em conjunto com os alunos e cujas receitas são doadas.
Pelas suas mãos já passaram mais de 25 mil crianças, um trabalho reconhecido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente da Europa (PNUMA/UNEP), em 2020, que atribuiu o primeiro prémio do concurso realizado por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente a Kari Prestgaard.
Prova de que com lixo se pode fazer arte é que, em 2015, a inauguração de uma das suas exposições, num evento nacional, foi presidida pela Rainha Sónia da Noruega.
“Achámos muito bom para as crianças com quem fizemos as peças de arte saberem que o que fizeram com lixo é digno da rainha”, afirmou Kari. “É mostrar como podemos realmente criar este valor, e também criar esta sensibilização e a quem ela pode chegar”, continuou.
Já em 2018, foi a vez dos ministros dos países nórdicos experimentarem o workshop, durante a 70.ª sessão do Conselho de Ministros Nórdicos, decorrida no Parlamento norueguês, e cujo aspeto visual foi assegurado pelo duo.
Em Portugal somam-se as colaborações com associações de defesa ambiental de norte a sul do país, em limpezas de praia ou workshops, com destaque para a região de Lisboa e Oeste.
Depois de workshops nas Caldas, Nazaré ou Alfeizerão, foi a vez do espaço Estuário Coletivo, em Almada, acolher os artistas, a 5 de fevereiro. Entre os participantes esteve o célebre ativista alemão Andreas Noe, mais conhecido como “The Trash Traveler”.
Com as férias a chegar ao fim, o fim de semana foi ainda de despedidas para a dupla, que recebeu a visita de uma das primeiras amigas que Portugal lhes deu, Ana Pêgo, autora do livro “Plasticus Maritimus, uma espécie invasora” e facilitadora de workshops de arte com lixo marítimo, que, pela Praia da Gralha, em São Martinho do Porto, não faltou. O encontro deu-se no sábado, e foi com uma última limpeza de praia, debaixo das asas de paraquedistas, que Kari e Astor se despediram daquele recanto que levam consigo para a Noruega, sob a forma de plástico. ■