A posição dos partidos perante o fim do colonialismo faz manchete da primeira página da Gazeta das Caldas do dia 3.
“Foi com profunda satisfação que o Partido Comunista Português, o Partido Popular Democrático e o Partido Socialista tomaram conhecimento da patriótica declaração do Presidente da República, General António de Spínola, em que formal e solenemente se reconhece, em nome de Portugal, o direito dos povos de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique à independência. É um acto que emana da consciência de um povo amante da paz, da liberdade e da fraternidade humana. É preciso que o mundo se aperceba a que bastaram três meses de liberdade para resolver em paz uma guerra suscitada e alimentada por 48 anos de fascismo. É preciso que esta paz seja entendida como a vontade de um povo livre. O júbilo pelo fim da guerra tem de ser publicamente demonstrado. Assim, os três partidos de coligação exortam o Povo Português a manifestar acima de quaisquer particularismos partidários ou associativos, unido sob a égide da bandeira nacional o seu apoio ao Presidente da República, ao Movimento das Forças Armadas e ao Governo, nos subsequentes e difíceis actos que irão concretizar, a partir de agora, a independência dos povos das colónias”, lê-se, numa posição conjunta, antes de o jornal dar espaço a cada um dos partidos para falar sobre a questão.
As comissões administrativas
Em Óbidos é notícia esta semana a tomada de posse da Comissão Administrativa da Câmara Municipal. “E a de Caldas da Rainha?”, questiona o jornal no título da peça, que nos conta que “tomou posse ontem, terça-feira, 6 de Agosto, a Comissão Administrativa da Câmara Municipal do vizinho concelho de Óbidos. É com imenso prazer que vemos finalmente empossadas as comissões democráticas nos concelhos do nosso distrito. Quanto à de Caldas da Rainha, sabemos que se levantaram problemas diversos que levam à não homologação da lista proposta há já longo tempo pelo MDP/CDE de Caldas da Rainha. Sabemos igualmente que as forças políticas mais representativas do concelho estão envidando esforços para que se encontre uma rápida solução para o problema. Esperamos firmemente que a solução seja realmente rápida, por dois motivos: queremos ver à frente da Câmara do nosso concelho pessoas de comprovado espírito democrático, porque a situação pouco definida que se vive neste momento em relação a esta autarquia prejudica todo o concelho, possibilitando amplas manobras das camadas mais reaccionárias que poderão vir a entravar o processo de democratização em curso. Aqui deixamos pois um apelo: para bem do concelho e da democracia, que se acelere o processo de constituição de uma lista claramente democrática que oriente os destinos do nosso concelho defendendo sobretudo os interesses dos bairros e aldeias até agora mais esquecidos. Mãos à obra…”.
Os artesãos caldenses
“Sabe-se que a principal indústria Caldense, a cerâmica, principiou aqui em tempos muito remotos, em pequenas oficinas, que passando de geração em geração, de pais para filhos, ainda hoje subsistem sem qualquer protecção oficial, e sem que os seus proprietários artesãos beneficiem, normalmente, de qualquer espécie de Previdência ou regalias sociais. Podemos citar, por exemplo, Francisco Frazão, Leonel dos Santos, Leonel de Sousa Moreira, etc., que são cerâmicos com idades à volta dos 70 anos e vêem agora, com certa tristeza, que tendo trabalhado sempre, desde crianças, não têm o justo direito à reforma, no fim das suas vidas”, alerta a Gazeta das Caldas num artigo intitulado de “A situação dos artesãos caldenses”.
A peça, assinada por Franjorfu, o conhecido ceramista caldense Francisco Furriel, refere ainda que “é certo que estes e muitos outros artesãos, nunca efectuaram descontos para a Caixa de Previdência, não tanto por culpa sua, como pela do regime fascista que se não interessou nunca pela situação ou futuro desses honrados trabalhadores que, no entanto, sempre foram castigados com contribuições e impostos de toda a ordem, impossibilitados de amealharem uns tostões para a sua velhice. Trabalhando sem horários, muitas vezes de dia e de noite, para conseguirem a sua sobrevivência e a de suas famílias, estes trabalhadores, considerados, verdadeiros e ignorados artistas contribuíram muito para a Economia Nacional cujos produtos sempre interessaram vivamente o Turismo e até o comércio estrangeiro. Pequenas indústrias caseiras não só de cerâmica como também de tecelagem, artefactos de madeira, cortiça, verga, ferro, cobre, etc., etc., e não só nas Caldas da Rainha, mas de norte a sul de Portugal, vivem à custa desses desprotegidos, mas quase sempre explorados trabalhadores que através da GAZETA DAS CALDAS pedem providências a quem de direito”, lê-se. “Talvez algum partido político os possa ajudar expondo o assunto às instâncias superiores. Evidentemente que estes incansáveis obreiros não têm culpa de terem sido vítimas da exploração oficial, de concorrências desenfreadas e de intermediários tantas vezes sem escrúpulos. Eles pedem as justas regalias comuns aos outros trabalhadores e, muito principalmente, o legítimo direito à reforma na mesma idade em que dela beneficiam os seus outros camaradas”, conclui o artigo.
O Cooperativismo
Sabendo a História que se seguiu, é interessante também encontrar na Gazeta das Caldas de há 50 anos o seguinte artigo: “Cooperativismo”, que conta que, “atendendo a que no nosso concelho há algumas cooperativas, e outras em formação, entendemos ser útil a publicação do texto seguinte: Num mundo e num tempo como os nossos, um mundo cooperativizado jamais será dominado. O caminho para um verdadeiro socialismo popular, garantia da autenticidade e da pureza da Democracia, é o cooperativismo. A repartição equitativa de bens, o acesso de todos à propriedade, a participação de todos no poder económico, só a cooperativização dos meios de produção, dos meios da distribuição dos produtos da terra e das fábricas e dos da prestação de serviços, o permitirá, sem a dependência perigosa dos acaudilhamentos e das «ajudas» que se terão que pagar com juros elevadíssimos. Um povo cooperativizado jamais poderá ser dominado por qualquer força económica, nem escravizado por qualquer força política”, nota o artigo, que, sob o subtítulo “as verdadeiras cooperativas nascem do povo”, explica-se que “o cooperativismo português foi seriamente afectado pelo regime totalitário que se sepultou em 25 de Abril, não por acção dos decretos proibitivos do direito de associação e restritivos da actividade cooperativa, como, com gravidade muito mais acentuada, amarrando-o à falsa e antipática imagem das «cooperativas agrícolas» anexas aos odiados grémios da lavoura. Essas não eram cooperativas! É preciso que o povo o saiba. Nas cooperativas entra e sai quem quer, livre e voluntariamente. Ninguém é obrigado a aderir. Ninguém é obrigado a estar. Nas cooperativas, a administração é democrática, dependendo exclusivamente da sua assembleia geral, sem intervenção de qualquer outro poder, sem a aprovação de listas pelas entidades governativas, nem a imposição de dirigentes. Nas cooperativas, o lucro capitalista é rejeitado como especulação e usura, contrário aos princípios mais sagrados do cooperativismo. Nas cooperativas a solidariedade, a entreajuda, a honestidade de processos são normas constantes, vigorosas, essenciais. Nas cooperativas a reforma moral da sociedade é ponto fundamental, que não se pode excluir, nem diminuir na sua importância, nem ignorar em qualquer dos seus actos. As verdadeiras cooperativas nascem do povo, por iniciativa do povo, por esforço do povo. As cooperativas que sejam dadas por «de cima», como o saudoso mestre António Sérgio dizia, recorrendo-se a políticos e a estados-providência, são funestos organismos de antemão preparados para amolecer e escravizar o povo. O povo, só o povo, construirá o cooperativismo, libertando-se e emancipando-se económica e socialmente por sua mão, por sua exclusiva vontade, quando muito (e isso é agora necessário e urgente) guiado por quem declare e cumpra não querer nem aceitar, rigorosamente, outro cargo que não seja o de divulgador do sistema, de esclarecedor das populações, de «secretário» das comunidades”.
O artigo continua referindo que “nunca é demais dizer que cooperativismo e corporativismo só a semelhança de nomes os confundiria. São doutrinas, sistemas e práticas antagónicos. Sem ponto de contacto, sem parentesco de qualquer espécie, sem a mais remota aproximação. O corporativismo funciona, (funcionava) como «mero esteio do capitalismo do monopólio do nosso tempo, no estado de coma em que ele vai entrando» como escreveu, com espantosa clarividência, o Dr. António Sérgio. Sistema a encobrir com uma capa social a organização anti-social dum estado fascista. Pelo contrário, o cooperativismo proclama e realiza a revolução social, integral, libérrima, elaborada pelo próprio povo, sem recurso aos agentes do poder central. A confusão lançada aos olhos do povo pela ditadura caída em 25 de Abril, ao misturar cooperativas com grémios da lavoura, tem que ser denunciada, não vão as populações crer que são uma e a mesma coisa e prejudicar-se os urgentes desenvolvimento e expansão do cooperativismo. Mais do que nunca é preciso que os cooperadores formem quadros disciplinados, profundamente reorganizados e combativos e que estejam dispostos a sacrificar o seu tempo e a renunciar decididamente qualquer humana pretensão a lugares políticos (que não sejam os de «secretários» das comunidades) para se dedicarem exclusivamente à tarefa apostólica de propagar os ideais cooperativos, ensinar o povo a cooperar, guiar os passos populares na fundação e manutenção das cooperativas, criar uma sociedade cooperativizada na qual sejam eliminados pacífica mas radicalmente os individualismos, as ganâncias, as diferenças económicas e sociais, a corrupção capitalista, a escalada dos ambiciosos, a tirania, a luta de interesses e os homens que se vendem e que fazem da relação com os outros homens uma perpétua e lucrativa traficância”.
O artigo termina com um apelo para os sócios das cooperativas agrícolas. “Apelo para os sócios forçados das falsas cooperativas agrícolas (grémios da lavoura) para que as transformem agora, livre e voluntariamente, em verdadeiras cooperativas agrícolas, a elas aderindo em massa e nelas dedicando o melhor dos seus esforços à tarefa de reconstruir a economia popular em bases autenticamente democráticas. Para esse fim, sugiro (quanto aos agricultores da região leiriense) que solicitem à UNICOOPE (talvez através do Boletim Cooperativista, rua Álvaro Gomes, 112, Porto) o conselho e a colaboração dum especialista que aquela instituição cooperativa pudesse pôr à sua disposição. A falta de espírito cooperativista e a ignorância dos métodos cooperativos, são entraves fatais ao fomento e à própria existência das cooperativas”.
Acordo na F. A. Caiado
Destaque também para o acordo na empresa F.A. Caiado, que pôs termos a uma luta entre trabalhadores e administração. “A comissão de trabalhadores da firma F.A. Caiado (Caldas da Rainha) reunida, no Regimento de Infantaria n.º 5, com a administração da empresa, e com a presença de elementos das Forças Armadas, do Ministério do Trabalho, da Intersindical e do Sindicato dos Empregados de Escritório do distrito de Leiria, chegou conjuntamente às seguintes conclusões: readmissão do colega despedido; de futuro, e até à publicação da nova lei geral do trabalho, a administração da empresa assume o compromisso de não fazer despedimentos sem justa causa. A apreciação da existência ou inexistência de justa causa, será feita previamente, por uma comissão paritária constituída no máximo por seis elementos, nomeados pela entidade patronal e pela comissão dos trabalhadores. Entretanto, atendendo ao regresso à normalização de relações entre os trabalhadores e a administração, todos os outros pontos propostos pelos trabalhadores vão ser discutidos e solucionados conjuntamente pelos trabalhadores e pela administração”, informam.
O acidente de Mário de Carvalho
Numa “última hora”, a Gazeta relata o acidente Mário de Carvalho, “gravemente ferido num acidente de viação”.
“Em circunstâncias ainda por esclarecer, na estrada que liga Santa Catarina a esta cidade e próximo daquela freguesia, colidiram, ontem, à noite, um automóvel e uma camioneta de carga, acidente de que resultaram graves ferimentos no condutor do veículo ligeiro. Trata-se do dr. Mário de Carvalho, conhecido advogado nesta cidade, onde reside, e dirigente do Sporting Clube de Portugal, o qual, além de fractura exposta de uma perna, sofreu fracturas de um braço e de uma anca e várias escoriações. Conduzido à Casa de Saúde do Montepio Rainha D. Leonor, o sinistrado foi ali sujeito a urgentes intervenções cirúrgicas, que correram bem e de forma a que o seu estado possa ser considerado como livre de perigo, embora inspirando os naturais cuidados”, lê-se no artigo, que foi republicado do “O Século”, com a seguinte nota: “Gazeta das Caldas, que por várias vezes contou já nas suas colunas com a colaboração do dr. Mário de Carvalho, apresenta ao estimado advogado e político votos de rápido e total restabelecimento”.
Doutor em Farmácia
É também notícia um caldense que se havia tornado doutor em Farmácia. “Com a classificação de «aprovado com distinção e louvor o terminou na Reitoria da Universidade de Lisboa, as provas de doutoramento em o Farmácia (Química Farmacêutica) o licenciado Higuinaldo Chaves, o qual, na sua última prova, defendeu a dissertação intitulada «Química e Bioquímica dos Tiolésteres», tendo como arguentes os membros do juri, profs. Campos Neves (Coimbra) e Lício Godinho (Lisboa). Terminada a discussão, reuniu-se o júri para proceder à classificação do candidato, a qual foi logo comunicada pelos próprios membros do júri, que o felicitaram. O doutor Higuinaldo Chaves é natural de Caldas da Rainha e tem 30 anos. Matriculou-se na antiga Escola Superior de Farmácia de Lisboa, para a qual entrou no ano lectivo de 1962-63, dispensado de exame de admissão, ali terminou o curso profissional de Farmácia, em 1967, com a média final de 15 valores. Frequentou, depois, a Faculdade de Farmácia do Porto, terminando a licenciatura na Faculdade de Farmácia de Lisboa, em 1970, com a média final de 14 valores, sendo o primeiro licenciado por esta Faculdade, após a reinstalação da licenciatura na Universidade de Lisboa. Foi bolseiro da Câmara Municipal de Caldas da Rainha e do próprio colégio onde frequentou o curso liceal, bem como da Fundação Gulbenkian. Frequentou o Auslands-und Dolmetscherinstitut Germarsheim der Johannes Gutenberg Universitaet Mainz e é assistente da Faculdade de Farmácia de Lisboa. Publicou artigos de revisão acerca de aspectos gerais de alcalóides da cravagem de centeio e de ácidos carboxitiólicos e tiolésteres; esteve integrado no Projecto de Trabalhos com a designação de «Estudos de cinética química e elucidação de mecanismos de reacção», subsidiado pelo I.A.C. leccionando no Laboratório de Química Farmacêutica Orgânica da Faculdade de Farmácia de Lisboa. Actualmente, a cumprir o serviço militar obrigatório, está colocado no Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos”, conta o jornal.
Nota ainda para a vinda de Mário Soares ao Bombarral e para um artigo intitulado de “A Igreja e a Política”.
Da Câmara das Caldas vinham, entre outras, as seguintes novidades: um subsídio de 6000$00 à Junta de Freguesia do Carvalhal Benfeito para a reparação da ponte entre Santana e Mestras”, o “recomendar aos Serviços Municipalizados o estudo da electrificação de Cabreiros, Casal da Cabana, Casal das Malhadas e Outeiro da Venda” e o “fixar entre 14 e 18 a tradicional Feira de Agosto”.
Para a semana trazemos mais artigos escritos a chumbo. Até lá.