Escrito a Chumbo 32

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10 e 14 de agosto

A vinda do Secretário Geral da ONU, Kurt Waldheim, a Portugal faz manchete da Gazeta das Caldas.

“Sinal evidente da grande transformação que se está dando no nosso País, está a visita do secretário geral da O.N.U. ao nosso país marca a nossa reentrada no conjunto das nações civilizadas e amantes da paz. Marca bem que o «orgulhosamente sós» do ditador Salazar está definitivamente enterrado. Portugal não é um país «só»: é um país que pode contar com a cooperação mundial para a sua reconstrução económica, para o recuperar do seu prestígio internacional. Kurt Waldheim esteve em Portugal dois dias, no fim dos quais o Departamento de Informação Pública das Nações Unidas tornou pública uma informação que ficará a marcar um facto muito importante da nossa história. Embora já publicada nos jornais diários, Gazeta das Caldas, sendo embora um jornal regional, não pode nem deve alhear-se do transcendente momento que o país atravessa. Nessa linha, tem a honra de publicar também nas suas colunas esta histórica declaração pedindo para ela a atenção dos seus leitores”, conta o jornal, acrescentando que “pouco antes da partida do dr. Kurt Waldheim, foi distribuída, aos representantes dos órgãos de informação presentes no aeroporto, a seguinte comunicação do Departamento de Informação Pública das Nações Unidas: O secretário-geral das Nações Unidas Kurt Waldheim, visitou Lisboa de 2 a 4 de Agosto corrente, a convite do Presidente da República Portuguesa, que lhe foi transmitido em Nova York pelo ministro dos Negócios Estrangeiros. Durante a sua permanência em Lisboa, o secretário-geral foi recebido e teve conversas com o Presidente da República, general António de Spínola, sobre questões de interesse internacional e, em especial, questões relacionadas com os territórios africanos administrados por Portugal. O secretário-geral foi, também, recebido e teve conversas acerca das mesmas questões com o Primeiro-Ministro coronel Vasco Gonçalves, e com o ministro dos Negócios Estrangeiros, dr. Mário Soares. Nas sessões de trabalho com o ministro dos Negócios Estrangeiros tomaram também parte os ministros da Defesa, tenente-coronel Mário Firmino Miguel, e o ministro da Coordenação Interterritorial, dr. António de Almeida Santos. O secretário-geral explicou a posição das Nações Unidas quanto à questão dos territórios africanos sob administração portuguesa, que deriva das relevantes resoluções e decisões das Nações Unidas e os pontos de vista que lhe foram transmitidos acerca desta questão pelos chefes de Estado africanos, pela Organização da Unidade Africana e pelos dirigentes dos Movimentos de Libertação. No decurso das conversações, foram também discutidas quanto à cooperação das Nações Unidas, as modalidades da possível assistência da O.N.U. no processo de descolonização, com vista a promover o bem-estar social e económico da população destes territórios”, lê-se no artigo, que dá também a conhecer que o Governo Português expôs a sua posição quanto a estas questões, detalhando-as.

 

Emigrantes

“«Até nos obrigaram a vender os braços, mas o coração esteve sempre cá» – lia-se num cartaz da grande manifestação dos emigrantes”, conta a Gazeta das Caldas, numa peça sobre a manifestação do 1º de maio.

Na edição do dia 10 é anunciada a manifestação: “Por iniciativa de emigrantes radicados em França e com o patrocínio do MDP/CDE e o apoio das forças democráticas de Portugal, realiza-se no próximo domingo mais um grandioso comício no estádio 1.° de Maio. Um comício de emigrantes vindos de todos os pontos da Europa, para tornarem bem presente o seu apoio ao 2º Governo da II República e gritarem bem alto que não estão dispostos a tolerar as calúnias, os boatos e as mentiras que reaccionários instalados no estrangeiro na sua maioria ligados à PIDE/DGS como informadores pagam, tendendo a desacreditar, entre eles, o belo surto de liberdade que floresce no nosso país”, anuncia-se, num artigo, lado a lado, com um poema ao emigrante, de autoria do caldense José Augusto Pimentel, que viria depois a colaborar inúmeras vezes com a Gazeta.

Na edição do dia 13 encontramos a reportagem. “Das diversas partes da Europa vieram ao Portugal novo e livre milhares de emigrantes que quiseram homenagear os que libertaram o povo, que quiseram gritar bem alto que não deixaram de ser portugueses. Esta manifestação de indiscritível apoio e alegria vem num momento importante, pois que junto dos emigrantes têm os reaccionários tentado propagar os mais infames boatos, as maiores mentiras, as maiores calúnias. Os emigrantes serão – terão – de ser os melhores embaixadores de Portugal na Europa; embaixadores de um País de onde o fascismo os obrigou a fugir, procurando o pão e a liberdade noutros países. A emigração constitui um dos problemas mais graves de Portugal contemporâneo. É um problema que não pode ser resolvido de um momento para o outro; mas que tem de ser encarado com decisão e firmeza para que seja possível estancar esta hemorragia que tanto debilita o nosso país. Como afirmou o sr. primeiro. ministro «prometemos à Pátria trabalho e justiça social para que os vossos filhos e netos não precisem de emigrar». Aos emigrantes ali reunidos não foram feitas promessas vãs e demagógicas. Pelo contrário fez-se-lhes sentir que a solução do problema não é fácil nem será rápida; mas deu-se-lhes a plena certeza de que lutaremos com decisão para que não seja preciso emigrar para poder viver e ser livre. Afirmou Pedro Coelho, secretário de Estado da Emigração: «Não podemos permitir que Portugal seja um luxo de que só usufruam alguns portugueses» – só assim se poderá resolver este grave problema”, lê-se.

 

Comício do PS nas Caldas

Destaque para o primeiro comício do PS nas Caldas, na Praça de Touros. “A praça encontrava-se cheia, traduzindo assim a aceitação que o Socialismo vai conseguindo entre as massas populares. Na mesa, presidida pelo Dr. António Freitas, encontrava-se, além dos oradores um representante do Partido Comunista, o sr. Manuel Duarte, que leu uma saudação ao Partido Socialista. O Partido Popular Democrático enviou um telegrama de saudação. Das diversas intervenções, salientamos: O elogio feito ao caldense Raul Proença pelo sr. Hermínio de Oliveira, salientando a sua verticalidade, o seu combate pela democracia, sugerindo que o seu nome fosse dado a uma rua desta cidade. O elogio a Custódio Maldonado Freitas feito pelo dr. Vasco Gama Fernandes, acentuando a luta pela democracia do falecido caldense. A defesa do voto aos 18 anos, veementemente defendida pelo representante da Juventude Socialista António José Proença”, começa por dizer o artigo.

 

As comissões administrativas
Esta semana nota também para a tomada de posse das Comissões Administrativas das Câmaras Municipais do Bombarral e de Óbidos.

“Segundo noticiam os jornais diários, foi dissolvida, por decisão do Ministro da Administração Interna, a Câmara Municipal do Bombarral tendo sido empossada a Comissão Administrativa eleita pelo povo, presidida pelo sr. António da Costa e tendo como vogais os srs. José Célio Mil-Homens da Silva Filipe, Fernando Neto Ferreirinha, Alberto Monteiro Crespo, Antero Rodrigues Furtado, Dario Melo Bruno e Roderico Souto Patuleia. Gazeta das Caldas congratula-se com o facto, desejando à nova equipe as maiores felicidades na sua gigantesca tarefa de pôr a autarquia ao verdadeiro serviço do povo do concelho do Bombarral”.
Em Óbidos, “aos seis dias do mês de Agosto do ano de mil novecentos e setenta e quatro, pelas dezassete horas, no Governo Civil do distrito de Leiria, onde se encontrava o Licenciado em Direito, Luís António de Almeida Trindade, Secretário do mesmo Governo Civil, servindo de Governador Civil, comigo Veríssima Maria Soares de Oliveira Gaspar Gonçalves, escriturária-dactilógrafa de primeira classe do quadro privativo da secretaria do Governo Civil, servindo, neste acto, de Secretário do Governo Civil, compareceram os Senhores José Gomes Capinha, Frederico António Gomes Saramago, D. Maria José Monteiro, Carlos Alberto Parada Roberto e José Manuel Hipólito Aurélio, a fim de tomarem posse, respectivamente dos cargos de Presidente e de Vogais da Comissão Administrativa do Município de Óbidos, para que foram nomeados por portaria de Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, de trinta do mês de Julho findo”.

A Volta nas Caldas… e sem controlo anti-doping!

A Gazeta noticia ainda que “A volta chegou às Caldas. E pelos vistos vem muito animada, com os mais pequenos a darem cartas e a impôr um certo respeito. Mas a grande inovação é… imaginem – a ausência de um controle anti-doping. Por motivos que o público ainda não percebeu – porque lhe não explicaram – decidiu-se que este ano não havia anti-doping na Volta a Portugal em Bicicleta. O que é grave. Mesmo muito grave. Se nos lembrarmos que até o Agostinho já «perdeu» duas Voltas por causa do «doping», imagine-se agora o que não farão os mais fracos sabendo de antemão… que não há qualquer controle! Estaremos a lançar os nossos corredores para o suicídio? Não estamos a exagerar: na nossa mente está bem lembrado o caso do inglês – o Thompson, salvo erro que morreu no «Tour de France» devido a excesso de droga. Estaremos a lançar os nossos corredores para o suicídio? Inconsciência? Oportunismo? Quem pode pôr travão a esta disparatada ideia? Mas a Volta este ano teve novidade: os produtores de leite de Vagos fizeram parar a caravana para que todo o país conhecesse as suas reivindicações. Um método eficaz sem dúvida, que pode ter chocado muito boa gente, mas que afinal não prejudicou ninguém.
E a propósito aqui ficam algumas passagens do documento distribuído pelos produtores de leite de Vagos: «Os agricultores têm o direito a ver melhorada a sua vida. Há dois meses que se arrasta o processo da subida do preço do leite para 5$00/5$50 por litro, e da eliminação do actual sistema burocrático da classificação, por outro mais simples e justo. Entretanto a Secretaria de Estado da Agricultura anuncia nova Lei da Caça, o investimento de milhões de contos no Alentejo, para se produzir leite e carne, sem mexer na estrutura fundiária e nada diz sobre o preço do leite. Os pobres agricultores continuam a ser desprezados. É preciso que o País saiba que é da Beira Litoral que vão diariamente 120 mil litros de leite para abastecer Lisboa, e que esse leite é produzido por pessoas pobres e humildes que têm apenas uma ou duas vacas. É preciso que o País saiba que nós temos de tratar todos os dias dessas vacas, e não temos descanso semanal, nem férias, nem direito a assistência médica, nem direito a reforma. E qual a paga do nosso trabalho?», conclui a peça.
É interessante perceber que, dado o momento que se vivia, até um artigo sobre um evento desportivo ia parar, invariavelmente, à luta popular.

O Troféu Mundial de Acordeão nas Caldas

A Gazeta das Caldas anuncia esta semana a realização do 24º Campeonato Mundial de Acordeão, em Setembro, nas Caldas da Rainha. “Esta linda cidade estremenha será cenário duma extraordinária prova musical, de fundas raízes populares, à qual concorrerão os mais qualificados acordeonistas amadores de todo o mundo, nas categorias de juniores e seniores”, frisa a Gazeta, destacando que “é a primeira grande realização de carácter internacional, que irá ter lugar no nosso país, depois do 25 de Abril e porque assim é, a Comissão Organizadora está envidando todos os esforços no sentido de garantir aos nossos visitantes uma recepção condigna e que lhe dê uma imagem real da nossa vida, da nossa terra e da nossa gente”.

Eram esperados “concorrentes de todo o Mundo, estando já assegurada a vinda de cerca de 60 acordeonistas representando a Suíça, a Áustria, Bélgica, Espanha, França, Mónaco, Luxemburgo, Itália, Suécia, Checoslováquia, Jugoslávia, Holanda, Alemanha, Venezuela, México, U. S. A., Canadá e Hungria” e “foi igualmente dirigido um convite especial ao senhor Anatolij Alekseevic Surkov, do Instituto Musical de Moscovo, qualificadíssimo executante de acordeão, o qual, estamos quase certos, teremos o prazer de ouvir em Caldas da Rainha. A esta Comissão Organizadora foi também dirigida uma carta oferecendo gratuitamente a colaboração da Orquestra de Acordeones del Conservatório de Música de San Sebastian; composta por cerca de 50 executantes, na sua maioria jovens, a qual já conquistou nos seus curtos 4 anos de existência o 1º prémio Robert Deloffre, em Março de 1971, em Paris, frente a várias outras orquestras de acordeão, meses mais tarde novo triunfo no Certame Internacional «Cope Noel de Paris». Se nos fosse possível garantir o concurso de tal orquestra, e a nossa dúvida só consiste na possibilidade de alojar tão grande número de pessoas, dado que nas Caldas da Rainha nem sequer existe um hotel, e o que iremos utilizar, numa praia próxima é demasiado pequeno para tanta gente, estamos certos de que poderíamos oferecer a Portugal um espectáculo completo em que o acordeão, desde instrumento solista até orquestra saíria justamente dignificado”.
O jornal frisava ainda que “a realização em Caldas da Rainha deste concurso internacional oferece a garantia duma experiência anterior de certames idênticos, pois foi nesta cidade que se realizou em 1970 o Campeonato Nacional de Acordeão e dois anos mais tarde o Troféu Ibérico. Esta realização tem o patrocínio da Câmara Municipal das Caldas da Rainha e o apoio do Professor Vitorino Matono, sem o concurso do qual ela seria impossível”.

 

 

Chamamos ainda a atenção para um artigo intitulado de “A Ditadura do «EU»” e para o anúncio da Feira do 15 de agosto entre os dias 14 e 18. “Não esqueça”, lê-se no anúncio.

 

 

 

Para a semana trazemos mais artigos escritos a chumbo. Até lá.