Numa entrevista pessoal e intransmissível, a diretora convidada da Gazeta das Caldas reencontra nos Paços do Concelho o antigo colega de escola, que, em outubro do ano passado, provocou um “terramoto” político no concelho
Ana Sá Lopes
O jornalismo de proximidade implica entrevistar antigos colegas de liceu. O Vítor Marques, presidente da Câmara das Caldas da Rainha, será sempre “o Vítor”, como o anterior presidente, Fernando Tinta Ferreira, será sempre para mim “o Tinta”. Vítor Marques admite que teria sido normal ir na lista do PSD, o que até seria positivo para ganhar experiência. Mas assume que não lhe agradou a proposta.
Quando se passa pelos pavilhões do Parque, onde era o nosso velho “liceu”, quase dá vontade de chorar. Quando é que aquilo se resolve?
Há uma verba significativa da União Europeia para apoio ao turismo e financiamento do projeto que foi a concurso internacional já há muito tempo. Teve um concorrente, a Visabeira, que tem a Fábrica Bordalo Pinheiro. Há apoios financeiros. Na altura, eles estavam envolvidos em várias frentes e não começaram e depois veio a covid e a coisa atrasou-se. Das conversas que já tivemos, há condições de, a partir de julho, começar a obra. Estamos expectantes que assim possa acontecer. Era importante que acontecesse. As obras são muito importantes para a requalificação daquele património.
Vai ser um hotel?
Um hotel de 5 estrelas. Há nas Caldas uma necessidade de respostas hoteleiras e de 5 estrelas. Este hotel também pode ser uma mais-valia para o desenvolvimento do termalismo. Está no Parque, junto à Mata, numa cidade termal que não se esgota nas termas.
Que cidade queres? Uma cidade termal, comercial…
A nossa cidade é termal, é a génese da sua formação, nunca podemos virar costas ao termalismo e isso é ponto assente. Nenhum caldense quer pôr isso de parte. Mas é uma cidade cultural, uma cidade de comércio, de serviços e pode ter uma oferta equilibrada entre todas as vertentes. Temos um comércio tradicional muito interessante, nos últimos anos foi-se juntando um comércio de grandes operadores. Temos uma oferta muito superior à necessidade que temos no concelho. É uma cidade vocacionada para a cultura e temos infraestruturas, desde logo o CCC. Estamos a fixar jovens formados na ESAD. Temos de continuar a apostar na cerâmica. Mas também temos cutelaria do melhor que se faz em Portugal, no mundo, quer industrial quer artesanal. Esperamos vir a ter lá para dezembro um evento ligado à cutelaria.
A nossa Praça da Fruta parece estar com cada vez menos vendedores…
A Praça da Fruta é talvez o maior ex-libris que temos. É uma coisa icónica, as pessoas vêm de fora para ir às compras à praça. Agora, temos que repensar tudo isto. Os vendedores existem, os lugares em hasta pública foram todos entregues, mas as pessoas vêm menos à praça.
Por falta de compradores?
A pandemia inibiu as pessoas de saírem tantas vezes, há uma oferta muito grande de hipermercados. Há uma grande parte de vendedores que estão ali há mais de 50 anos, que se vão cansando… Ainda não conseguimos dar o salto para complementar a praça com mais oferta biológica, apesar de já termos aqui no concelho uma oferta muito interessante e com jovens. Temos que captá-los para vir para a praça. O setor primário tem crescido no concelho, em muitos casos com produção intensiva, que é relevante mas nos causa algumas preocupações com a utilização do solo e da água.
O plano de pormenor do centro histórico está pronto?
Vamos apresentá-lo na reunião de Câmara da segunda-feira, dia 9. O que nós queremos ver é os edifícios recuperados. E temos no nosso concelho muitos edifícios degradados. Na Assembleia foi aprovada a estratégia das áreas de reabilitação urbanas para as freguesias. Haverá apoios para que as pessoas possam investir no seu património, nomeadamente o IVA, IMI, IMT e taxas do município. Abdicarmos de IMI ou de taxa de IVA de 23% para 6% vai-se refletir nas receitas para o município, mas são muito importantes para o património. Estamos disponíveis para usar outras ferramentas que o Estado nos põe à disposição, nomeadamente podermos em conjunto com os proprietários fazer a requalificação de património, poder pô-lo em aluguer controlado e, no limite, estamos disponíveis para assumir a posse administrativa sempre que os proprietários possam não avançar com as obras.
O lema da candidatura era “Vamos Mudar”. O que é que já se mudou em seis meses?
Menos daquilo que esperava nesta altura ter mudado, com toda a frontalidade. Sentimos a necessidade de fazer uma reestruturação dos serviços do município. Tivemos mais preocupação de fazer coisas que não se vêem, mas se calhar, como dizíamos há pouco, em vez de fazer 50 coisas que não se vêem, podemos fazer 30 que não se vêem e 4 ou 5 que se vêem. As pessoas querem ver coisas. Eu não tenho essa ansiedade. Isto não é uma corrida de 50 metros, é uma maratona de quatro anos. Mas sinceramente nesta altura achava que já teríamos mais coisas feitas, pelo menos visíveis.
O que vos travou? O dinheiro?
Temos um orçamento relativamente baixo. Para dar um exemplo, o concelho de Pombal tem mais ou menos os mesmos habitantes e tem um orçamento 15 milhões superior. Alcobaça é um bocadinho maior em território, mas pouco mais em população, tem mais 15 milhões de orçamento. Temos um défice nesta área porquê? Porque temos comércio, serviços, mas falta a indústria. Estamos a trabalhar em sede de PDM para inverter essa situação. Estamos a apresentar uma proposta, oxalá seja aceite, em que vamos mais que duplicar a nossa área empresarial de indústria. É importante termos a capacidade de ter mais indústria. Estamos a fazer uma proposta para aumentar a zona industrial e dar corpo a projetos que vinham de anteriormente, como a zona industrial dos Vidais, de Santa Catarina.
Trabalhaste muito de perto com o Fernando Tinta Ferreira, foste presidente da Junta de Freguesia de Nossa Senhora do Pópulo, chegaste a ser representante do PSD na Anafre. Vocês tinham uma relação de companheirismo… aliás, fomos todos colegas de liceu. O que é que se passou ao certo entre vocês?
Há oito anos, o PSD convidou-me para ser candidato à Junta. Aceitei…
Mas foi uma amizade que se quebrou?
Posso explicar. O trabalho que tivemos em conjunto, Vítor e Tinta, entre junta de freguesia e município, foi um trabalho notável. Fomos felizes no trabalho que desenvolvemos. No primeiro ano do segundo mandato disse que não seria recandidato e estaria disponível para outros cargos a nível da Câmara. Aquilo que era expectável para mim, e penso que para ele também, era que pudesse fazer parte de uma equipa de trabalho com o PSD e integrar a lista.
Podias ter sido vereador do PSD?
Exatamente. Era uma coisa que para mim era normal. Até porque me permitiria também, se ambicionasse mais tarde ou mais cedo poder candidatar-me à Câmara como presidente, ter alguma experiência. Devem calcular que estes seis meses têm sido tremendos… Uma equipa toda nova, sem experiência autárquica, é brutal. Até nisso, por uma questão de aprendizagem, teria sido saudável. O que me foi proposto não foi do meu agrado. O que se previa é que o Tinta pudesse sair a meio do mandato – houve conversas nesse sentido, não estou a dizer nenhuma inverdade – e isso não era uma coisa que me agradasse. A expetativa era que o Hugo [Oliveira] pudesse assumir a presidência e entendi que esse não seria o meu caminho.
Eras do Partido Comunista numa escola marcadamente de direita… Tu eras do PCP porquê naquela altura?
Andava no 9º ano, morava no Avenal e fui aprender Francês com uma vizinha comunista, que defendia aquela solução… O João Almeida, que era mais velho, também teve uma influência. Depois fiz parte do movimento Casa da Cultura, de pessoas que gostavam de fazer coisas. Fui para ali como podia ter sido para outro lado. Não era uma questão ideológica. Fui mesmo militante da UEC, depois JCP. Apesar de já ter sido depois do 25 de Abril, posso dizer que fui militante na clandestinidade (risos). O meu pai não sabia. Era um acérrimo PSD, chegou a ser da Assembleia de Freguesia do PSD, e portanto para ele aquilo era um bocadinho complexo. Até aos 18-20 anos tive essa ligação, depois embrenhei-me muito na minha vida profissional. ■
Hospital das Caldas: “Governo não tem tido ações que resolvam este problema”
Chefe do executivo municipal critica ação governativa e pede soluções efetivas
Ana Sá Lopes
Uma das primeiras decisões de Vítor Marques depois de tomar posse foi pedir uma audiência à ministra da Saúde para falar da situação do Hospital das Caldas da Rainha. Foi recebido rapidamente, mas sem grandes resultados. “Tivemos uma audiência com a senhora ministra, ela tem conhecimento da realidade, mas não tem conseguido ter grandes meios para contrariar esta falta de médicos e enfermeiros”, diz o presidente da Câmara e quase suspira: “É muito complexa a situação que se vive no hospital”. Sabe que é dos maiores problemas da cidade e uma das maiores preocupações dos munícipes, mas é o poder central que decide.
Uma nova tentativa de insistir junto do Governo repetiu-se depois das legislativas. “Depois da entrada em funções do novo Go-verno, falámos com o secretário de Estado adjunto e marcámos uma reunião para falar de recursos humanos mas não só”. O secretá-rio de Estado é António Lacerda Sales, que foi cabeça-de-lista pelo distrito de Leiria nas últimas eleições que registaram a primeira vi-tória para o PS desde o 25 de Abril.
A conclusão de Vítor Marques é que “é um facto que o Governo não tem tido ações que resolvam este problema”. Mas os governos passados também não: “Este problema existe há várias décadas e já vários partidos passaram pelo Governo. Há anos que andamos a falar que precisamos de um hospital novo e as coisas nunca se resolveram”.
O presidente defende que sejam dadas mais condições aos médicos para virem trabalhar para o SNS e aponta a “má gestão de recursos”, que faz com que não haja dinheiro para pagar mais aos médicos do quadro mas contrata-se por “valores proibitivos, obscenos mesmo, médicos [fora do quadro] pagos a 90 e 100 euros à hora, enquanto um médico do quadro está a receber 15 ou 20 euros à hora”.
“Admito que temos em Portugal médicos suficientes para dotar o serviço público de condições. Agora, há que dar condições aos médicos, criar carreiras adequadas e uma gestão adequada dos serviços”, defende Vítor Marques, que vai “um bocadinho mais longe”: “Em momentos extremos tem que se tomar posições extremas. O Estado investe muito na formação dos jovens médicos… nesta fase, os jovens formados – e os que fo-ram formados há mais tempo – deviam tam-bém dar um tempo ao SNS para reequilibrar esta dificuldade”.
Mas um dos problemas também passa pela “má gestão de recursos”: “No hospital das Caldas já pagámos mais de três milhões em aluguer de contentores – com três milhões tinha-se feito muita obra”. ■