Desde janeiro de 2018, a GNR detetou na região 32 contraordenações relacionadas com descargas ilegais de efluentes pecuários em linhas
de água. Só nos primeiros três meses de 2021 os núcleos de proteção
ambiental daquela força militar já registaram quatro ocorrências deste tipo
O problema das descargas de efluentes pecuários em linhas de água é antigo e vinha numa tendência de decréscimo, com a sociedade a ir de encontro a preocupações ambientais básicas. Ainda assim, em pleno século XXI continuam a registar-se ocorrências deste tipo na região, sem que se perceba as razões para este comportamento de empresas da região.
Nos últimos três anos, a Guarda Nacional Republicana já registou 32 contraordenações relacionadas com descargas ilegais de efluentes pecuários na região, o que significa que, em média, aquela força militar assina uma descarga ilegal por mês.
Em 2018, a GNR registou 12 ocorrências, nos anos seguintes oito em cada e, desde o início deste ano já se registaram quatro.
Este tipo de contraordenação tem previstas coimas que vão dos 200 aos 200 mil euros para pessoas singulares e dos 2 mil aos 5 milhões de euros para pessoas coletivas, caso a ação seja classificada como negligente ou dolosa, podendo ainda as situações serem tipificadas como crime.
A GNR explica que deteta estas descargas nos patrulhamentos diários dos Núcleos de Proteção Ambiental (NPA), mas também através de denúncias de terceiros. Depois da ida ao local, “os autos de notícia são remetidos à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) ou Ministério Público (MP) consoante seja contraordenação ou crime, respetivamente”.
À Gazeta, o comando assume que a GNR está “consciente deste flagelo, garantindo o patrulhamento regular da área mais atingida” e deixa o contacto da Linha SOS Ambiente e Território (808 200 520), que funciona em permanência, para a denúncia de infrações ou esclarecimento de dúvidas.
Nos três primeiros meses do ano foram registadas quatro descargas na zona das Caldas
Coimas vão dos 200 euros até um máximo de 5 milhões de euros
As estações de tratamento
As estações de tratamento de efluentes de suiniculturas, as chamadas ETES, foram pensadas e houve mesmo um projeto que arrancou, em São Martinho do Porto, num investimento a rondar os 4,6 milhões de euros e que deveria começar a funcionar em 2008.
No total estavam previstas três estruturas, representando um investimento de 28 milhões de euros. Tinham, no papel, a capacidade de tratar 1230 metros cúbicos de efluentes gerados pelos então mais de 290 mil suínos de cerca de 600 explorações em Caldas, Alcobaça, Bombarral, Cadaval e Óbidos.
Este não é, porém, um problema exclusivo do Oeste. Há poucas semanas, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, referiu numa audição requerida pelo grupo parlamentar do BE sobre a poluição na bacia hidrográfica do Lis, que a construção da ETES de Leiria não é uma prioridade. A ministra defende que “é o produtor suinícola que tem de criar soluções, pese embora o Ministério da Agricultura, consciente da importância social e económica que a atividade pecuária tem no nosso país, seja por via da suficiência alimentar ou por via do equilíbrio da nossa balança comercial, entenda que o governo será sempre um motor para encontrar soluções que ajudem a resolver este problema”.
Maria do Céu Antunes acredita que a aposta deverá ser numa lógica de economia circular, aproveitando o potencial fertilizante dos efluentes na agricultura ou o potencial energético.
Já no final de 2020 o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, havia referido que não se avançava para a construção da ETES de Leiria por falta de compromisso de que os produtores transportariam os efluentes para serem tratados. “O problema não está no investimento, mas na garantia e no compromisso de quem produz efluentes de os levar a essa mesma ETAR, porque não existe uma rede de esgoto”, explicou. ■
Junta de São Martinho já fez mais de dez denúncias
O presidente da Junta, Henrique Clérigo, lamenta não saber o que acontece posteriormente nestes casos
Nos últimos anos o presidente da Junta de Freguesia de São Martinho do Porto, Joaquim Clérigo, tem feito várias denúncias de situações de descargas de efluentes pecuários em linhas de água. É que a maioria destas linhas corre para a baía em forma de concha, que há uns anos apresentava grandes níveis de poluição precisamente por esse motivo.
Inicialmente, o autarca começou por fazer queixa ao SEPNA, o serviço de proteção do ambiente da Guarda Nacional Republicana, mas a partir de 2016 passou a comunicar diretamente ao Ministério do Ambiente. Daí para cá já fez cerca de uma dezena de denúncias (algumas com fotografias e vídeos), mas lamenta que depois não se saiba o que acontece com quem pratica estas ilegalidades.
“Não estou a dizer que têm que acabar com as pecuárias, mas defendo que, para estarem abertas, têm de ter condições, até porque muitos dos empresários receberam fundos comunitários para construir estações de tratamento”, apontou.
“Deveria existir maior fiscalização”, concluiu o autarca sãomartinhense, alertando também para a questão do cumprimento das capacidades definidas.
Acresce que há outra questão importante neste tema, é que a estação de tratamento de efluentes de suinicultura (ETES) de São Martinho do Porto nunca foi concluída. “Não entendo. Já se gastaram ali milhões de euros e a obra nunca foi terminada”, nota o autarca. A estação de tratamento representa um investimento a rondar os 4,6 milhões de euros e deveria estar pronta em 2008.
Joaquim Clérigo salienta ainda o facto de São Martinho do Porto ser uma praia com Bandeira Azul, o que obriga a uma proteção maior. “Muita gente vive desta baía e do turismo que ela cria”, alerta. Acresce que até existem planos de candidatar a baía a património da Unesco. ■