“Gosto muito da cultura da dolce vita e do orgulho que os italianos têm pelo seu país”

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Tiago-Gazeta-Tiago Serrenho
Caldas da Rainha
35 anos
Ispra – Itália
Investigador no Joint Research
Centre da Comissão Europeia
Percurso escolar: Escola Secundária
Raul Proença,
Universidade do Algarve – Faculdade de Ciências do Mar e do Ambiente (Engenharia do Ambiente)

 

Do que mais gosta do país onde vive?
Itália tem tudo. O facto de ser um país unificado relativamente recente permitiu ter uma grande diversidade de cultura incomparável em qualquer outro sítio que tenha visitado. Em qualquer lado é possível observar as heranças do Império Romano, do Renascimento ou da Revolução Industrial que tornaram Itália numa referência em termos de arquitectura, arte ou design. A comida é maravilhosa e adoro a maneira de como se valoriza a simplicidade dos ingredientes locais para se gerarem pratos excepcionais. Gosto muito da cultura da dolce vita e do orgulho que os italianos têm pelo seu país, da sua positividade e de como conseguem apreciar o lado verdadeiramente belo da vida. Gosto de estar no centro da Europa e em pouco mais de duas horas de carro conseguir chegar ao Mediterrâneo ou aos Alpes com realidades completamente diferentes.
O que menos aprecia?
A maneira como os italianos conduzem parecendo que toda a gente anda a treinar para a Ferrari. Alguma chico-espertice que é exponencialmente maior comparada com a dos portugueses. E o facto de serem tão latinos como nós, mas respeitarem horário de fecho de lojas com mais pontualidade que os britânicos.

De que é que tem mais saudades de Portugal?
Mais do que as saudades de ver as pessoas, que se vão minimizando com conversas regulares pelo Skype, o que mais se sente é o facto de não conseguir estar presente em todas as ocasiões importantes para as pessoas queridas que ficam. O cheiro a mar que só se encontra em Portugal, o peixe fresco, o nosso frango assado, as bifanas no Estádio da Luz, gritar golo do Benfica ao vivo.
A sua vida vai continuar por aí ou espera regressar?
A ideia será sempre regressar. O contrato que tenho com a Comissão Europeia é de três anos e espero poder continuar mais algum tempo depois. A verdade é que hoje em dia o mercado de trabalho é o mundo e iremos sempre para onde pudermos ter as melhores condições para a nossa família aliadas a boas condições de trabalho, que é o que tem escasseado em Portugal.

“Aqui vive-se um pouco o sonho dos pais da união europeia, com pessoas de todos os estados-membro a trabalhar em conjunto”

Estou a trabalhar no Joint Research Centre, o centro de investigação da Comissão Europeia, que se localiza em Ispra, uma pequena localidade com pouco mais de 5000 pessoas na margem do Lago Maggiore. O centro onde trabalho é o maior dos vários polos de investigação científica espalhados pela Europa e tem cerca de 2000 cientistas que dão suporte científico às políticas da Comissão Europeia. Encontro-me a trabalhar no Instituto para a Energia e Transportes na área de Eficiência Energética e estou a desenvolver o meu trabalho nas áreas de smart cities e em standardização de produtos. Estou também envolvido na equipa do projecto europeu “Pacto dos Autarcas” em que os municípios se comprometem em reduzir as suas emissões de Carbono em pelo menos 20% até 2020 e nós fazemos a monitorização dos Planos de Acção para as Energias Sustentáveis de mais de 6000 municípios de toda a Europa, sendo responsáveis pelo desenvolvimento das metodologias que os municípios devem implementar no desenvolvimento dos seus Planos.
Aqui vive-se um pouco o sonho dos pais da União Europeia, com pessoas de todos os estados-membro a trabalhar em conjunto e acaba-se por gerar um sentimento de comunidade criando-se ligações com pessoas de todos os países ao mesmo tempo que mantemos alguma ligação a casa com a comunidade portuguesa que aqui vive e que se junta para um aperitivo ao final do dia ou para ver os jogos de futebol.
Consolidei aqui a minha família. Embora eu e a minha mulher tivéssemos decidido vir juntos para cá, foi já aqui que aumentámos o nosso núcleo familiar. Temos uma filhota de um ano que nasceu cá. Está numa creche e acaba por permitir que tenhamos um contacto mais direto com a comunidade aqui da zona. O facto de a nossa filha ter nascido cá deu para perceber quão bem funciona o sistema público administrativo e de saúde, mesmo que um pouco burocrático. A minha mulher também está cá a trabalhar com uma empresa portuguesa, onde trabalhava antes de nos transferirmos. Apesar de vivermos perto de Milão, a vida é bem tranquila e com as condições ideais para que a nossa filha possa crescer. O meu local de trabalho é muito perto de casa e desloco-me diariamente de bicicleta. Aproveitamos o facto de estarmos no meio da Natureza para fazer desporto e aproveitar o lago na altura do Verão e as montanhas para o ski no Inverno.
O clima aqui na zona é altamente imprevisível devido à proximidade dos Alpes, mas é de uma maneira geral ameno. Os invernos não são muito rigorosos embora não seja raro o termómetro descer a temperaturas negativas o que é óptimo para cobrir as montanhas de neve e no Verão é muito húmido devido à influência dos lagos nesta zona de Itália. Todos os edifícios estão muito bem preparados para o frio, o que faz com que a sensação de desconforto associado ao frio seja muitas vezes inferior em relação a Portugal. Paga-se, no entanto, uma bela conta de gás nos meses de inverno, o que é compensado pelos preços relativamente baixos da electricidade e da água.
O custo de vida aqui é bastante superior relativamente ao sul de Itália, bem como a Portugal. A fruta e verduras fora da época são caras, bem como a carne, embora de óptima qualidade. O preço do peixe é proibitivo além de baixa qualidade comparativamente com Portugal e aproveitamos as temporadas na terrinha para comer todo o peixe que conseguimos. Nota-se uma grande proteção relativamente aos produtos italianos e não é fácil encontrar produtos estrangeiros, nomeadamente nos frescos.
Há uma série de particularidades nos hábitos alimentares que são engraçados. O facto de não se beber cappuccino a partir das 11 da manhã, de não se misturar a salada ou o acompanhamento com a pasta ou o prato principal, de não comerem salgados ao pequeno-almoço, são alguns dos hábitos que primeiro se estranham e aos poucos se vão entranhando. Tiago Serrenho